Disque Amizade - Parte 1

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Ser adolescente é foda. Fui uma criança gorda, sem amigos e muito caçoada por outras crianças. Por essa razão decidi emagrecer. Aos quinze anos comecei a comer metade do que comia normalmente e exclui pães e doces da minha rotina.

Já praticava natação por indicação do ortopedista após ser diagnosticado com uma escoliose leve. A natação era um momento tenso, pois lá eu precisava ser invisível para não sofrer bullying dos "atletas" sarados. Todos tão jovens quanto eu, mas magros, com barrigas retas e seus leves contornos de gominhos começando a aparecer. A aula em si era legal, nadar era gostoso e eu ia bem, mesmo sendo uma "rolha de poço", no entanto a aula terminava e todos iam para o vestiário. Lá, era normal que todos despissem as sungas pretas e tomassem banho, era um momento feliz para a maioria, eles riam e brincavam uns com os outros, falando do futebol ou das garotas que eles beijavam na escola. Eles eram amigos. Uma sociedade da qual era excluído, enxotado ouvindo coisas como "sai pra lá rolha de poço", "quem chamou a chupeta de baleia?" e, o pior de todos, "não acha pouco ser gordo tem que ser viado". Sim, eu percebi por eles a minha homossexualidade. Jamais havia passado pela minha cabeça ser isso e nunca havia atentado ao fato de haver desejo sexual em mim. "Viado", a palavra terrível. Ainda havia a insegurança com meu pênis que era mínimo, crescia um bocado quando estava ereto, mas flácido era muito pequeno escondido no meio de toda aquela gordura

Um dia, após dois anos ouvindo isso rotineiramente, percebi que o garoto novo. Ele era negro de rosto simpático com um sorriso iluminando tudo a sua volta. Ele devia ser mais velho, pois ouvi que ele estava no ensino médio. Algumas semanas depois aconteceu de estarmos os dois no vestiário, ele pronto para o banho e eu sentado no banco de cabeça baixa como de costume aguardando-o terminar, ouvi o chuveiro e levantei a cabeça. Ele se ensaboava de costas, observei as suas costas largas, suas pernas bem desenhadas e seu bumbum não muito grande e arrebitado. Permaneci estático. Então, veio o estalo confirmando as palavras duras dos outros garotos. Eu era mesmo viado. Perdido em pensamentos, não percebi que ele estava de frente para mim no chuveiro. Seu pênis era enorme, pelo menos me pareceu naquele momento, ele estava com olhos fechados para que a espuma do xampu não corresse para os seus olhos. Eu, sentado, olhando abobalhado e com a boca parvamente aberta, não vi a expressão de nojo em seu rosto. "Sai daqui bichinha! Que apanhar viado bola de banha?". Vesti o calção e camiseta ainda com sunga molhada, peguei a mochila e saí correndo dali.

As palavras foram duras demais, foi a maior dor da minha vida. Senti-me um lixo. Não consegui sair da cama por dias, tive febre e minha mãe se preocupou. Fomos ao médico, não havia nada de errado comigo, então o médico cogitou a possibilidade do meu problema ter origem psicológica. Ela tentou descobrir se algo havia acontecido. Mas, como eu diria a ela? Eu não podia. Assim, frequentei um terapeuta e depois de algumas sessões ele conseguiu me fazer falar. Falei tudo carregado de muitas lágrimas. Ele ouviu calado eu narrar todos os anos de humilhação sofrida por causa do meu peso e da minha sexualidade. Por fim, ele falou me animou, dizendo que estava tudo bem, que a vida não era justa e bastava eu tomar uma decisão: ou eu decidia aceitar quem eu era ou emagrecer. Aceitar ser gordo? Como assim? Era 1995 e na televisão todo mundo era magro, nas revistas todo mundo era magro e na escola os bem-sucedidos eram magros. Por isso, eu decidi ser do grupo dos bem-sucedidos.

Passei a escolher o que eu comia e comecei na musculação. Um ano difícil passou. Emagreci vinte e cinco quilos e ganhei um pouco de músculos. Descobri que meu pênis não era pequeno, pois estava apenas escondido embaixo da grossa camada de gordura no púbis. Porém, a minha atitude ainda era a mesma do menino gordo e inseguro. Eu não era paquerado, nem mesmo tinha coragem de paquerar. Vivia refugiado na minha bolha. Quando eu me olhava no espelho não me sentia mais o lixo de antes, mas a insegurança ainda estava lá.

Uma sexta feira, entediado depois da escola, da natação e da academia, sentei-me no sofá. Estava sozinho em casa. Liguei a TV, passeei pelos canais e nada me interessava. Liguei o vídeo game e não consegui me concentrar no jogo. Deitei-me no sofá e passei alguns minutos olhando para o branco monótono do teto. O que eu estava fazendo de errado? Estava magro e até bonito. Por que eu permanecia sem amigos? Sem namorado? Enfim, sozinho. Sentei-me chateado, olhei me levantei com vontade de ir à cozinha e me empanturrar de comida. Passei apressado, irritado, e quando ia entrar no cômodo esbarrei na mesinha do telefone. A lista telefônica caiu no chão com as páginas amarelas abertas repletas de anúncios. Abaixei o corpo para recolher o livro e um anúncio chamou a minha atenção. "Disque 145 e conheça pessoas, faça amizade ou quem sabe encontre um amor." Algo assim, não lembro bem. Subitamente o telefone toca e meu coração acelera por causa do susto. Era minha mãe dizendo que ia dormir na casa do namorado e que havia comida na geladeira.

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