Sonho - Parte 1

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Decidi ir para a universidade em outro Estado. Os meus pais são pessoas difíceis, mas quando se trata de educação eles sempre buscam o melhor. Assim, quando decidi estudar engenharia eles não me impediram de mudar de estado para a melhor universidade federal da região. Como eu disse meus pais não são nada fáceis. Vivi escondendo a minha sexualidade nesses últimos cinco anos e, desde que confirmei para mim mesmo, não me relacionei com ninguém até hoje e sou virgem de tudo. Já tenho dezoito anos, mas com eles por perto me sinto ainda criança.

Estou a apenas seis horas de distância da minha cidade natal, no entanto, ainda estou me acostumando com a solidão de viver em um lugar no qual sou um completo desconhecido. Talvez seja mais complicado por eu ter vivido escondido durante a maior parte da minha adolescência. Claro, fiz alguns amigos, tudo meio superficial apesar de considerá-los muito legais sou meio desconfiado.

Quando passei no vestibular, aluguei um quarto numa pensão e tenho sobrevivido com a mesada recebida da minha mãe. Porém, sobra muito pouco depois de pagar as obrigações e separar o valor das necessidades do dia a dia. Sem esquecer o fato de que minha mãe passou a ligar para a dona da pensão para saber sobre a minha vida. Por essa razão me inscrevi para o dormitório da universidade, lá se paga apenas uma taxa e isso me permitiria ter um pouco mais de dinheiro para poder aproveitar a tão sonhada vida de universitário e a liberdade de ser gay como eu sempre desejei. 

Após a matrícula do segundo semestre recebi duas grandes notícias: primeiro, fui informado que um quarto havia vagado no segundo andar do dormitório e segundo, fui aprovado como bolsista de iniciação científica com uma ajuda de custo excelente. Claro que minha mãe não precisava saber. O único ponto que eu não havia considerado era o fato de dividir o quarto com outro estudante. "Sem problemas!" pensei na hora, no entanto, passada a empolgação, comecei a temer a possibilidade de o colega de quarto ser alguém como os meus pais. Decidi pensar nisso quando chegasse a hora. Apressei a mudança e enfim estava livre dos olhos da dona da pensão.

A primeira semana passou e o rapaz não apareceu. "Será que desistiu?" pensei comigo mesmo, mas seria quase impossível alguém deixar passar uma oportunidade como essa. Porém, no fim da tarde do sábado ele veio. Pareceu-me alguém muito quieto. Claro que escaneei o rapaz. Ele era mais alto que eu, a pele morena, olhos bonitos, cabelo castanho levemente ondulado com as laterais quase raspadas. Ele não era magro, uma exibia uma barriguinha leve, mas tinha o peito largo, os braços fortes, coxas largas e bunda empinada, talvez frequentasse a academia sem ser um viciado em maromba. Ele foi educado, mas moderadamente simpático. Sua expressão era grave, como um personagem de um chefe mafioso em um mangá. "Espero que não seja um hétero idiota," falei para mim mesmo tentando barrar a fanfic que começava a nascer na minha cabeça. Conversamos pouco, mas pude notar pelos "T" nas palavras que ele também era de outro estado. Ele rapidamente deixou tudo organizado: a mesa de estudos com um copo cheio de canetas, livros em pé com dois apoios laterais e o caderno bem-posicionados; o armário com as roupas muito bem dobradas e a cama com o lençol tão esticado quanto em um quarto de hotel.

Quando terminou ele jogou uma toalha no ombro e entrou no banheiro. Larguei o celular, me joguei na cama e enfiei a cara no travesseiro para abafar um grito. Fiquei excitado vendo aquele rapaz se abaixar e levantar marcando a bunda dentro da calça de moletom enquanto ele estava concentrado arrumando tudo. Comecei a pensar em coisas ruins: gosto de cebola, a velha feia que passa gritando na rua, o político transfóbico na rede social... até que consegui acalmar o pau dentro do calção 

Fui até a geladeira, peguei uma lata de cerveja, puxei uma cadeira e me sentei na pequena sacada que usamos para secar as roupas que lavamos no banheiro. Observei o movimento das pessoas passeando na praça que fica em frente ao prédio dos dormitórios. Uma mãe perseguindo um garotinho que teimava em correr com os braços estendidos tentando capturar um pombo; um grupo de garotas sentadas em um dos bancos olhando atentamente à tela do celular e soltando risinhos como se estivessem assistindo a algo proibido; o senhor que vendia balas e cigarros numa pequena banca cochilava sentado com a mão esquerda segurando a cabeça que pendia de lado. Fiquei ali não sei quanto tempo nessa meditação esquisita quando levei a lata de cerveja à boca e percebi que estava vazia.

Levantei-me, espreguicei o corpo esticando os braços para cima como se estivesse tentando tocar o teto, quando o vi sair do banheiro com a toalha presa em volta do quadril. Sua pele era muito bonita, um tom moreno bronzeado, quase como canela. A pele uniforme, sem pelos e sem manchas, com apenas dois mamilos rosados, saltando sobre o leve volume do peito desenhado, quebrando a pureza da pele do rapaz. "Aconteceu alguma coisa?" Sua voz me despertou do transe. Desculpei-me dizendo que estava perdido em pensamentos enquanto pegava outra lata na geladeira. Ele foi até o armário e enquanto procurava o que vestir pude observar suas costas definidas e largas. Balancei a cabeça me repreendendo por estar agindo assim, "acho que preciso transar! Isso está passando dos limites."

Voltei à varanda e ao meu mundinho particular tentando dar privacidade ao rapaz. Ele era realmente muito quieto, pois eu ali a poucos metros distância não podia ouvir um ruído sequer. Terminei a segunda lata e fui tomar um banho demorado, hidratei o corpo todo, coloquei um calção de algodão confortável. Percebi que eu também fui notado. Encontrei seus olhos passeando pelo meu corpo quando sai do banheiro, eles seguiram o caminho do meu quadril até chegar ao meu rosto. Eu pude ver como ele ficou fofo quando nossos olhos se encontraram e seu rosto assumiu um tom vermelho de timidez. Ele rapidamente voltou ao seu livro que estava aberto entre suas mãos sobre a mesa. 

Sorri e fui para a cama com o notebook para ver um filme ou uma série. Era sábado, mas como não tinha amigos para sair ficava no quarto mesmo. Assisti um filme fraco, mas deu para passar o tempo. Já era quase oito da noite quando senti fome. "Quer ir jantar comigo? Tem um pequeno restaurante aqui do lado e a comida é boa e não é caro." Ele aceitou e fomos. Ele ainda parecia envergonhado durante o jantar, mas pude conhecê-lo um pouco melhor. Descobri que tem vinte e um anos, é estudante do terceiro semestre de Letras, o que foi um choque saber que um rapaz com cara de mau estudasse literatura, tem dois irmãos homens, é de uma cidade do interior e já trabalha em uma escola ensinando inglês. Terminamos de comer e tomamos açaí como sobremesa. Ele não se abriu mais depois disso. Eu estava fascinado. 

Voltamos para o quarto e nos deitamos, cada um em sua cama. Infelizmente. Ele abriu um livro muito grosso de um autor que, pela estranheza do nome na capa, acredito ser russo. Então, decidi deixá-lo à vontade, coloquei os fones de ouvido e comecei a ouvir música no celular. 

Acordei atordoado no meio da noite. Olhei para o lado e percebi a cama dele vazia. Sentei-me na cama, esfregando os olhos, olhei para o relógio no pulso, mas a minha visão estava embaçada, "deve ser o sono," pensei. Levantei-me com o corpo pesado e pude vê-lo debruçado sobre a mureta da varanda. Ele se virou para mim e disse, "desculpa, acordei você?" Ele estava sorrindo. Estranhei a súbita simpatia, então pude ver uma lata de cerveja em sua mão, "foi mal, não estava conseguindo dormir. Depois eu reponho." Acenei para ele como se dissesse que estava tudo bem. Ele puxou as cadeiras e nos sentamos um na frente do outro, e ficamos nos encarando por um tempo. Havia algo safado em seus olhos, era outra personalidade. "Será que ele muda quando bebe?" pensei, mas era algo a mais. Ele bebeu o conteúdo da lata em grandes goles que fazia o pomo de Adão subir e descer na garganta como um grande elevador. Ele colocou a lata sobre a mesa com um forte impacto e um suspiro alto do fundo da garganta. 

Ele curvou o corpo para frente apoiando os cotovelos sobre os joelhos, seu rosto ficou muito próximo de mim. Ele olhava nos meus olhos de baixo e com um sorrisinho safado, "gostei do que eu vi quando você saiu do banho. Você é bem bonito, sabia?" Disse pousando suas mãos sobre as minhas coxas. "E eu também notei o quanto você gostou de me ver enrolado na toalha. Dava pra sentir seus olhos fixos na minha bunda." Essas palavras saíram de sua boa e dessa vez eu não vi nem um traça de rubor em seu rosto. 

Ele então se a levantou da cadeira e se sentou sobre as minhas coxas de frente para mim. Nossos rostos se aproximando lentamente, ele colocou a sua mão em minha nuca e puxou o meu cabelo erguendo o meu rosto até que nossas bocas quase se tocaram. Meu coração era um liquidificador no meu peito. Minha respiração acelerada e eu podia sentir o suor escorrendo em meu peito. Ele se aproximou tanto que eu podia sentir a sua respiração quente exalando cerveja. Ele sorriu safado, dono da situação quando ouvi um barulho na rua. Não sei por que olhei para minha cama e me vi lá, deitado. Então acordei.  

N.A.: Peço que comentem e votem, isso ajuda a autoestima do autor!!!

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