capítulo 2: intervenção

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Na sua primeira tentativa de resolver a presente situação espinhosa que Selin nunca se imaginou viver — o seu noivo arredio, enérgico, indómito aparentemente interessado em outra mulher —, após uma noite insone, a loira se viu dirigindo para o enorme rancho da família Bolat, onde Serkan voltou a viver depois do segundo ataque cardíaco de seu pai, Alptekin. Dirigindo em meio à neblina de manhã nublada de Istambul, Selin atravessou a cidade e chegou aos portões da mansão Bolat em tempo de encontrar Aydan, a sua sogra, ainda enfurnada em seu quarto, ocupada com a sua rotina intensa de skincare matinal.

Quem a recebeu foi um sonolento Seyfi, que vestia os seus usuais suspensórios negros sobre uma blusa azul de alfaiataria que Selin tinha certeza ser de responsabilidade de Aydan.

"Bem vinda, Selin hanim!", cumprimentou Seyfi, animado. "A que devemos a honra da sua presença? Você está sumida do rancho. Penso, inclusive, que já fazem alguns meses que você não nos concede a graça da sua visita", discorreu ele, bicando as bochechas de Selin com um beijo superficial.

Selin não deixou de perceber o tom ácido e desdenhoso nas palavras de Seyfi, que já lhe dava um panorama de como Aydan iria recebê-la.

Ela sabia que a sua ausência seria notada, quando os convites por parte de Serkan para realizar as visitas semanais à sua anne foram minguando ao ponto de não existirem mais, mas se havia uma coisa que Selin nunca seria, um papel que nunca se prestaria, seria a de invasora, um incômodo para os Bolats. Tendo em vista a importância de se manter uma boa relação entre as famílias, que, antes de mais nada, eram ligadas por negócios que envolviam muito dinheiro, e sendo o seu noivado apenas mais um desses elos infindáveis que misturavam relações interpessoais e negociatas milionárias, Selin nunca iria se deixar perceber como uma persona non-grata para os Bolats. Logo, quando Serkan passou a ir sozinho visitar os seus pais no rancho ou apenas praticar hipismo com o seu alazão favorito, Selin deu um passo para trás e optou por aguardar.

Na frente das portas da mansão, com Seyfi insinuando sobre a sua leniência em permitir os mandos e desmandos de Serkan, Selin se arrependeu da decisão que acreditou ter sido a melhor para todas as partes envolvidas e um sentimento de insegurança e incerteza a invadiu, forçando-a a fincar os seus pés na calçada para que não saísse voando ante o enorme constrangimento de se ver indesejada pelo seu próprio noivo — pois, antes, Selin pensou que a indiferença de Serkan seria percebida apenas por ela. Mas, naquele momento, caiu a ficha de que tal conhecimento era compartilhado por todos.

Até mesmo por Seyfi, um empregado.

Se Seyfi se sentia livre para abordá-la com tamanha indelicadeza na porta da casa de Aydan e Alptekin, o que o casal não deveria murmurar pelas costas de Selin?

Apenas a hipótese fazia-lhe tremer os joelhos.

"Olá, Seyfi! Como vai?", respondeu ela, envernizando um sorriso perolado no rosto. "Serkan me enviou em uma de suas missões na Itália, o que me prendeu por lá por algumas semanas. Mas já estou de volta, como pode ver", disse ela, tentando amenizar a situação para o seu lado.

O homem rechonchudo deu de ombros pois, claro, em um assunto dessa estirpe na família, um dos agregados não poderia se envolver ativamente.

"Claro, Selin hanim. Assim como deve ser", concluiu Seyfi o assunto, dando duas batidinhas condescendentes no ombro esquerdo de Selin. "Vamos? Aydan hanim deve estar à sua espera."

Ao invés de atravessarem o enorme umbral que sustentava a porta igualmente grande dos Bolats — com dois garanhões arredios lutando em apenas suas patas traseiras —, Seyfi a encaminhou para o alpendre de Aydan, onde ela recebia apenas as visitas mais incômodas. Os sussurros entre os círculos sociais mais altos eram os de que Aydan Bolat nunca permitia o acesso direto à sua casa de pessoas que não vibravam na mesma sintonia que a mulher supersticiosa.

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