5 ANOS ANTES
Abro a porta que dá acesso ao terraço da escola e cubro o rosto enquanto minha visão se ajusta à luz. Mais a frente vejo a sombra de alguém encostado sobre uma mureta.
Marina tem os olhos fixos na paisagem. O prédio de cinco andares nos proporciona uma boa visibilidade da cidade e do pôr do sol no horizonte. A paisagem favorita dela.
Nina evita amizades, pois nunca sabe quando precisará trocar de família, mas acho que eu fui o único que realmente insistiu e fez com que ela abrisse uma exceção e que bom, pois eu também conto todos os meus maiores segredos a ela. A ajudo em suas crises de ansiedade, vou com ela depois da aula uma vez por semana no psicólogo, a ouço gritar o quão insatisfeita está, a admiro sorrir e fingir ser forte quando percebo que não aguenta mais. Gosto de fazê-la esquecer por um momento que seja do caos que é a realidade. Então aqui em cima falamos de tudo, brincamos, rimos, contamos piadas e às vezes não falamos nada.
Sento-me ao seu lado, entretanto ela não parece notar que cheguei. É como se somente o corpo estivesse aqui e os pensamentos há anos luz de distância.
Me remexo mais um pouco, para me aproximar, encosto a cabeça na mureta e apoio os braços no joelho. É melhor não a incomodar, sei como ela valoriza os momentos de solitude. Então espero na posição que acho mais confortável no momento...
Sinto sua cabeça se apoiar em meu ombro antes mesmo de concluir o pensamento.
— Estou com frio — Finalmente diz.
Abro os braços para que ela se aconchegue melhor e não digo muito, pois sei que no momento certo ela vai se abrir sobre o que a incomoda se achar necessário. Entretanto sei que agora apenas preciso mostrar que estou aqui.
Lembro de quando tentei a abraçar pela primeira vez. O tempo estava frio com rajadas de vento e estávamos sem blusa. Observei os pelos dos seus braços eriçados e abracei para aquecer, esperava algum tipo de agradecimento, mas a resposta que tive me surpreendeu:
— O que você está fazendo? — Questiona ainda envolta em meus braços
— Eu...hmm, estou te dando um abraço
Ela ri como se eu tivesse dito algo idiota
— Isso eu sei, mas por quê?
Percebo pelo seu tom de voz a sinceridade da pergunta e estranho, mas respondo a verdade.
— Você está com frio, então vou te aquecer.
Marina assente e eu a aperto mais. Ela não parecia estar acostumada com esse tipo de comportamento. Abraços deveriam ser obrigatórios para todo ser humano.
E desde então, sempre que ela diz que está com frio eu sei exatamente o que fazer, mesmo que esteja de moletom.
— Eu gosto dos nossos encontros ao pôr do sol. — Acrescenta
— Eu também. — Respondo.
Nuvens escuras começam a se formar no céu depois que resta apenas uma fração do pôr do sol. O vento está frio como um alerta para uma possível chuva.
— Eu vi o que aconteceu no jogo hoje — Nina ergue os olhos e me encara
Prendo os lábios e reclino a cabeça. Não queria que ela tivesse notado
— Eu não queria atrapalhar — Acrescenta.
Por que ela sempre acha que é um incômodo pra mim?
— Não foi culpa sua Nina, eu somente me distrai
— Pode admitir, eu sei que é difícil não notar minha extraordinária beleza. — Nina joga o corpo contra o meu me fazendo rir
— Ei, não precisa exagerar também — Rebato
Ela dá de ombros, ainda com um sorriso no rosto.
— Está tudo bem, foi só um treino — Reafirmo. — Me conte como foi seu dia, aconteceu alguma coisa? Estou te achando mais quieta que o normal
Marina se levanta, olhando para o céu e limpando as mãos na calça jeans, como se fosse embora. Parece que levantei um muro gigante e espesso entre nós, seja o que tenha acontecido, com certeza foi algo muito pior do que eu imaginava.
— É melhor irmos antes que a chuva nos pegue — avisa.
— Tem razão — Deixo Nina pensar que realmente vamos embora. Levanto e começo a sentir pingos gelados pelos meus braços.
Ela começa a recolher suas coisas e coloca a mochila nas costas, sem terminar de guardar todo o material, mas antes que alcance a maçaneta da porta eu a seguro exibindo o meu sorriso mais conquistador
Ela sorri enquanto a chuva molha seu rosto.
— O que você está fazendo?— Ela pega um dos cadernos e cobre a cabeça. — Vamos ficar encharcados.
— É essa a intenção
Com uma das mãos em sua cintura a puxo para mais perto e com a outra livro-a dos cadernos e da mochila.
As gotas de água cada vez mais constantes escorrem pela sua pele, seus cabelos, olhos e boca seduzindo meu olhar para cada detalhe.
Ela sorri, ansiando pelo que está por vir e é daquele jeito feliz, me fazendo sentir o menino mais sortudo do mundo.
Seguro uma de suas mãos ao alto e a conduzo em uma dança desengonçada. Começo a cantarolar uma música romântica enquanto contornamos todo o terraço. Rodopiando e indo para trás e para frente. Ela solta altas gargalhadas quando pisa sem querer em meu pé ao mesmo tempo em que somos consumidos pela chuva e as rajadas de vento. Ela joga o corpo para trás enquanto giramos, fecha os olhos e deixa a água escorrer. Marina tinha razão, estamos de fato encharcados, mas vale o preço por sua alegria.
Ficamos assim por um tempo, e não me incomodo com a dor dos pés e muito menos com o frio. Cada sorriso me enche de adrenalina e aquece mais um pouco meu coração.
Ela ergue o olhar novamente quando já não sei mais o que cantarolar e me fita. Seus olhos brilham, a pele cintila, os lábios estão semiabertos soprando sua respiração quente contra a minha pele. Nunca a vi tão bonita! E foi ali, naquele momento. Isento de tudo e todos, encharcado, com o dedo doendo e com frio que eu percebi o quão apaixonado estava. Por que não importava essas coisas, era indiferente o lugar ou em que condições estávamos, desde que estivéssemos juntos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
DEPOIS DO PÔR DO SOL - Romance Cristão (DEGUSTAÇÃO)
Spiritualité! FICÇÃO CRISTÃ ! - ROMANCE Eles só tinham um Motorhome, um notebook roubado e um sonho, mas isso foi mais do que suficiente para embarcarem em uma das viagens mais loucas de suas vidas. Preparados para iniciar essa jornada junto com a Nina? Mes...