Bom dia, acordo, tenho certeza que abri os olhos mas mesmo assim... ainda está tudo escuro? E também não escuto o bom dia.
Explorando um pouco( coisa que não durou mais de 1 segundo) já descobri ser o lugar mais claustrofóbico que estive em toda minha vida, se é que ainda estou vivo.
Tinha um corte que se abria e então lá pela metade do meu corpo voltava a se fechar. Estava deitado, com medo( acho que medo seria pouco, mas não há palavras melhores que me venham a cabeça)mas ainda sim confortável, por causa do acolchoamento. Acho que a esse ponto está óbvio que estou a 7 palmos do chão.... o ar quase inexistente cada vez se rarefeitando mais, enche meus pulmões como se não tivesse mais para onde fugir, desesperado( além da certeza de que me ocorre naquele momento, este será uma das últimas vezes que isso ocorrerá).
Quantos minutos mais será que vou durar aqui, nesta vida opaca e enegrecida de tão solitária? Isso, eu me pergunto sem pronunciar palavras por lembrar que não posso gastar o ar restante nesta cabine da cegueira em que se enxerga. Eu chuto que seja por volta de uns dois a três minutos no máximo, mais que isso sei que não será. E de qualquer jeito qualquer tentativa idiota e tola de tentar sair da minha tumba como um zumbi de cinema daria, obviamente, em um épico fracasso que me deixaria cada vez mais perto da morte lenta mesmo que não dolorosa a qual fui submetido. Decido só deitar e aproveitar, não aproveitar nesse estado em que me encontro não se passaria de nada além de puro romantismo, só esperarei, num estado que não considero mais como a preciosa e jogada por muitos fora, vida.
1 minuto. Ao som de uma música fúnebre, inaudível, que n passava da minha imaginação me pregando truques, isso me lembra ainda mais do meu futuro tão breve; me pergunto como fui parar numa situação tão angustiante, a própria morte que me abraçava, para ser sincero, nada me vem a mente. As vezes eu só dormi demais, o que seria uma tragicomédia perfeitamente tramada pelo meu despertador( eu sempre desconfiei que ele me apunhalaria pelas costas), me forço a dar uma última risada dessa vez audível, mesmo que leve e forçada. Ou as vezes se aproxima mais de uma tragédia propriamente dita, mas prefiro ficar com ficar a primeira alternativa para pelo menos manter meu senso de humor, já que não posso fazer nada. Como será que teria sido meu funeral? Teria recebido flores? Sem dúvidas perguntas que não serão me respondidas pelo resto de minha vida.
2 minutos. Acho que de qualquer forma não me adianta ficar pensando em como viera a parar deitado ao lado de séries de fileiras de corpos que permanecerão na lembrança de alguns por nada mais de 2 ou 3 décadas ao máximo. De qualquer maneira eu sou só mais um no meio deles, pois não tenho certeza se aquilo que estaria vivendo poderia ser chamado de vida. Ser mais somente mais um já não é uma coisa que me cause lá estranhamento, vivi a vida toda assim de qualquer maneira, acordando todo dia pro mesmo lugar, acordando todo dia o mesmo dia, a mesma vida. Não demorou tanto quanto eu pensava que demoraria quando era mais novo, passou um dia, uma semana, um mês, um ano, uma vida num caixão.
Eu não aguento mais, prefiro morrer de imediato do que passar mais alguns segundos com esta cãimbra que acaba de se instalar na minha perna.
Nada, enxergo tanto quanto um cego, mesmo pensando ter uma linha tênue de diferença. Um cego viveria, viveria de forma que mesmo que nao pudesse enxergar, cheiraria, escutaria melodias e sentiria coisas que não fossem apenas um fundo acolchoado, um terno que por não enxergar considero ser preto e um topo de madeira reforçado. Mesmo com meus olhos abertos não vejo, mesmo pensando, não faço sentido , mesmo sentindo, não existo há um tempo cujo já nem sei ao certo, não tenho prazeres, teria, mas já passaram de bonde dando tchauzinho, e me restou só as angústias, não tão calorosas quanto as que acabaram de me deixar. Eu já estou começando a sentir o meu ar acabando, e com ele a minha vida. Meu tempo extremamente contado. Definitivamente estava morto desde que me ocorrerá o que me teria acontecido neste dia fatídico. As pessoas que uma vez vieram ao meu enterro provavelmente já começaram a tomar o ritmo "normal" de sua vida. Agora preciso me acostumar que ao em vez de só não enxergar nem existirei e com isso encerro ou melhor, enterro a minhas últimas palavras junto com minha vida. Em voz alta falo forçada e arrastadamente: b-boa... noite....
Mesmo que antes ainda estivesse vivo antes, agora tenho certeza que já fui.
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Ars ludus
Non-Fictionuma compilação de histórias de angústia, filosofia e amores. Exposição do absurdo focado em sentimentos e perguntas levadas as vezes até ao ridículo.