De madrugada, de pé no corredor entre a minha cozinha e minha sala uma sombra me cortando transversalmente e batendo no show me distorcendo um pouco. O relógio tique-taqueia, feito de engrenagens, pilhas, os ponteiros, as engrenagens.... As engrenagens, várias engrenagens. Amanhã eu já tenho trabalho novamente, eu, novamente, vários de mim. Roda, tique, roda, taque, roda,tique..... segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, segunda.....
A ciclicidade, feita somente do melhor do mais monótono da rotina mais mortífera o possível e existente. Acordo, vou ao trabalho, volto do trabalho, encosto minha pasta ao canto então vou dormir e amanhã, adivinhe, uma grande surpresa, a ciclicidade bate a minha porta quase a derrubando, me invadindo toda e completamente.
As vezes me convém o pensamento de que sou composto como um relogio, pilhas -quase acabando-, ponteiros gastos e cansados além de engrenagens, muitas engrenagens, só mais uma engrenagem, foi o que me tornei com a passagem do tempo vivendo nesse mundo feito de engrenagens, um mundo de engrenagens onde não se aceita os "não engrenagens".
A ciclicidade acrescida a obediência. Trabalho numa fábrica de pilhas que junto a fabrica de ponteiros formará futuramente os relógios -além de destruir nosso planeta, com o ar que emitimos pela chaminé, cinza como um dia chuvoso-. Minha função é checar a qualidade do produto, checo uma a uma, checada, próxima, checada, próxima, checada. Já estou acostumado, fui ensinado assim, sou feito para obedecer ordens, sempre fui tão pequeno lutando por uma igualmente pequena oportunidade de brilhar, no meio de um gigantesco campo, mais uma gramínea.
Me acostumei também a minha rotina, gostaria de mudar, fiz tudo certo, não sei por que hoje não sou bem sucedido, mas estagnado estou e não sei o que escolher ou como agir. O tempo passa mais rápido, relógio criou perna e saiu correndo, mesmo voltando o ponteiro para trás, ele aumenta exponencialmente sua velocidade. Essa minha realidade, isso que eu vivo, nessa grande máquina, uma engrenagem.
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Ars ludus
Non-Fictionuma compilação de histórias de angústia, filosofia e amores. Exposição do absurdo focado em sentimentos e perguntas levadas as vezes até ao ridículo.