entrelaçar

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Helena

Acordei abruptamente ao sentir algo pesar em meu pescoço, me tirando todo ar de uma hora para outra. Em primeira instância, pensei ser mais um dos inúmeros pesadelos que tinha durante à noite, porém, quando meus olhos se acostumaram com a escuridão reparei no braço pálido abraçando minha nuca de forma possessiva.

Clara estava ressonando perfeitamente, como sempre. Deitada de barriga para baixo, vestida com a camisola de seda vermelha cujo tecido subira um pouco me mostrando uma bela visão de sua bunda e coxas, enquanto os cabelos estavam espalhados pelos lençóis.

Não tive êxito em minha primeira tentativa de respiro longe dela, já que a mulher só murmurou e me apertou ainda mais contra seu corpo. Prendi à risada enquanto ficava ainda mais sem ar. Tentei mais uma vez, me afastando devagar, o coração pesando quando um biquinho fofo se formou em seus lábios e tudo que ela fez após isso foi se virar para o outro lado, agarrando a minha almofada contra o peito e o nariz.

Sei que encarar é estranho, mas não pude me segurar. Não enquanto tinha uma perfeição de mulher à minha frente, dormindo esparramada na cama que adora dividíamos. Minha deusa particular. Passei os próximos infinitos instantes observando aquele contorno de luz sonolento esparramado pelos lençóis de um milhão de fios que Clara adorava se vangloriar. Só acordei de meus devaneios quando um barulho oco ecoou vindo do quarto de Rafa.

Clara sequer se moveu, então calcei os chinelos, abri a porta com as pontas dos dedos e caminhei de ponta de pé pelo corredor escuro. Crispei os lábios ao ver a fina linha de luz escapar pela porta fechada do quarto do menino. O relógio analógico pregado na parede da cozinha informava já se passar das três da manhã. Rafael, à essa altura, já deveria estar dormindo para se preparar para a aula de amanhã.

Pelo visto, ele não estava.

Com os nós dos dedos, bati duas vezes na madeira, obtendo uma resposta abafada.

- Tá tudo bem! Foi só o grampeador que caiu.

Não me contentei.

Devagar, passei a mão pela maçaneta, colocando apenas metade da cabeça para dentro do quarto de Rafael. Arqueei as sobrancelhas ao vê-lo sentado de costas para mim, perto da porta entreaberta da varanda. Me sentindo subitamente amedrontada por um jovem garoto de dezenove anos, caminhei à passos hesitantes para dentro do quarto dele, encostando a porta após minha passagem.

- Ouvi um barulho. Tá tudo bem por aqui?

Ele aponta para algo jogado em cima da cama. Sigo seu dedo indicador, dando de cara com a câmera antiga entre os lençóis.

- O filme acabou – ele responde, a voz meio chateada, ainda sem se virar.

Mordisco meu lábio inferior.

- Estava querendo tirar foto uma hora dessas? – solto a primeira coisa que vem a minha cabeça, parada meio sem jeito no meio do quarto dele.

Apesar de basicamente morar ali - desde algumas semanas - mal entrava no quarto de Rafael. Gostava de preservar sua privacidade, e o respeitava. Por isso, ainda era tão estranho estar aqui, sem saber muito bem como reagir.

- A lua tá bonita – ele diz, brincando com os polegares em cima do colo - Só queria tirar uma foto antes de ir me deitar.

Aceno brevemente com a cabeça, mesmo sabendo que ele não poderia ver minha ação. Com cuidado, coloco sua câmera entre minhas mãos, percebendo que ele me fitava com o canto dos olhos, parecendo curioso com minha ação.

Em um instante, algo estala dentro da minha cabeça e ele parece perceber, me fitando com as sobrancelhas levemente cerradas. Estendo a mão para o garoto, pedindo por um segundo e desapareço corredor à dentro, tateando o sofá da sala no meio da escuridão. Sorriu vitoriosa ao encontrar minha bolsa esparramada em cima do estofado e, melhor ainda, o que estava guardado ali desde o dia anterior, quando encontrei algo que Rafael poderia gostar e comprei. Pego a caixinha amarela e caminho de volta para o quarto dele.

One shots - Clarena editionOnde histórias criam vida. Descubra agora