Helena
- Amor?
Passo a língua por meus lábios para limpar o excesso de vinho.
- Hum? - Clara levanta os olhos para me fitar com atenção.
- Será que nós precisamos de um gato?
Arqueo as sobrancelhas pelo questionamento abrupto.
Clara, deitada no meu colo com os cabelos esparramados pelo meu short de lycra ainda da academia, bebericava sua taça de vinho com um biquinho fofo nos lábios de cinco em cinco minutos, os olhos ângulosos me fitando curiosamente. Meu coração se contrai dolorosamente no peito.
A luz da lua cheia brilhava contra a pele pálida de Clara, as ruguinhas ao redor dos olhos quando ela sorria, a breve covinha na bochecha esquerda. Tudo nela parecia perfeitamente feito para me atrair.
- Sinto informar, mas adotar um gato não é a resposta para todas as nossas perguntas, Clara, amor – rebato, sorrindo de lado.
Ela estala a língua contra o céu da boca, largando a taça de vinho do lado oposto ao que estava.
- Mas a casa tem estado tão vazia desde que o Rafa e a Kate resolveram morar juntos. E quando você sai para trabalhar e eu volto do trabalho e você ainda não está aqui - derreto pelo biquinho formado em seus lábios róseos - Acho que um gato é o mínimo que poderíamos ter agora.
Solto uma risadinha por sua linha de raciocínio.
Como um ímã, minha mão alcança seus fios lisos, deixando um carinho arrastado ali. Puxo o edredom para cobrí-la quando uma brisa gélida atravessa a janela e Clara se apruma em meu colo. Ali estávamos nós, após um dia longo de trabalho – cada um no seu – jogadas contra o carpete que arrastamos divertidamente até a varanda, fitando a lua cheia em uma sexta-feira à noite como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Clara tinha a blusa social meio aberta, as orelhas vermelhas pelo vento gelado e olhos brevemente caídos pelo tanto de vinho que tomara.
Linda...
- Podemos começar com um peixe, o que você acha? – digo, sugestiva, mas tudo que Clara faz é encolher o nariz – Isso é um não?
- Um peixe é ok.
- Ok não é bom o suficiente – ela se remexe no meu colo, puxando minha mão antes em seus cabelos, em direção ao seus lábios, desferindo um selinho casto em minha palma.
- Seus pais chegam quando mesmo?
Suspiro pela mudança drástica de assunto.
- Clara...
De repente, ela pula do meu colo, se colocando sentada em minha frente.
O assunto ‘pais’ ainda era um tanto quanto complicado, e minha namorada sabia bem. Por conta disso, suas abordagens sempre eram extremamente cuidadosas, ainda mais quando eles resolviam, de última hora, vir me visitar. Dessa vez, Clara tinha minhas mãos carinhosamente entre as suas e um olhar amoroso nos olhos. Me senti segura antes de qualquer coisa.
- Daqui quatro dias.
- Eles podem ficar aqui, se...
- Não mesmo! – ela morde a língua com minha interrupção. Acaricio sua bochecha com carinho – Eles arrumam um hotel, meu bem, não se preocupe.
- Eu só... – Clara hesita, coçando a nuca sem graça – Nada. Deixa pra lá.
Observo suas bochechas tomarem uma coloração rosada quando ela se encostou na parede ao meu lado, os dedos entrelaçando aos meus.