Capítulo V - Inesperado (pt. 2)

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Depois do alarme, os dois "mosqueteiros" desaparecidos voltaram e nos encontramos, mesmo a porta da sala de aula.
Aquele grupo não era típico, pelo contrário, era muito fora de normal em São Tomé e Príncipe. Eram os esquisitões, mas aprendemos a compreender um ao outro.

Por exemplo, o Nilo também vinha de uma família problemática, em que o pai passava sua grande parte do tempo em bares e quiosques bebendo e conhecendo novas mulheres. Ele até admirava o pai antes de perceber o ciclo de sofrimento da sua mãe, que chegou ao ponto de ser roubada e agredida pelo seu pai.

Começou a andar conosco quando percebeu que ao contrário do resto da escola não o julgavam por ser um namoradeiro. E, também porque se desentendeu com o seu anterior grupo de amigos, que até faziam videos de humor para internet: 'Os Santola Laugh'. Todos olhe chamavam de ' Os Princesos'. Teve conflitos com a Flora, de quem, na qual estava interessado em conhecer mas não deu em nada, só amizade mesmo. E, quando ficou a saber que ela era gay, então, começaram a ter atritos.

Ele achava que ela era concorrência, mas no final, acabaram por fazerem as pazes e dar tréguas, sobretudo da vez em que a mãe do Nilo, Sra Amado ter ficado doente com a malária e a Flora ter receitado estranhas folhas que lhe curaram. Até hoje anda conosco e planea cursar em Desportos.

A Flora, que se tornou órfã de mãe quando mudara para as ilhas, há 12 anos atrás, e, também uma pessoa incomum: gostava de escrever contos, onde publicava no seu blog, porém, outros mais pessoais que eram sobre uma terra fabulosa imperada por sete tribos mágicas, que antes era um só continente que foi dividido em sete por ser muito mais poderoso. Ela era definitivamente, criativa. E, definitivamente adorava sua câmera fotográfica. Assim, como também gostava conhecer curandeiros e culturas místicas do país, tais com o Jambí*, uma dança espiritual, que era executada somente nas roças ou lugares afastados da cidades.

Os curandeiros ou médicos tradicionais das ilhas já não eram tão respeitados como outrora. Ela era caucasiana mas passava-se absolutamente por mestiça ou parda, pelo tempo que morava em São Tomé.

Vinha agora com uma cara mais séria e olhos verdes tristes.
- Finalmente a última aula! - disse o Nilo.
- Vocês também vão a visita de estudo? - perguntou a Flora.
- Eu vou. Já combinei com a Márcia - respondeu o Nilo.
Ela ignorou-o, e entramos na sala de aula.
No final daquele dia, de aulas, perto das 6 da tarde,escurecendo, voltamos todos para casa, a Flora estava muito calada, quando, de repente, o Nilo perguntou-lhe:

- O que se passa, Flora? Problemas de amor? Fala aqui para o doutor!
- Não é nada! É pessoal, mesmo! Deixa para lá, amanhã já passa! Não se preocupem! - disse, sorrindo - Nilo, virás ao aniversário do Eron?
O Nilo entrou no quintal da casa da família dele, já fazendo barulho e sinais de que tinha chegado da escola. Mora alí com os irmãos, primos e as tias. Era uma casa movimentada. Saíram as primas mais pequenas, Neide e Katia correndo, sorridentes, para abraçar o primo.

- Nilo, oce vem da escola! Nilo, oce da escola!?- perguntou a Kátia de 4 anos. Pareciam que estavam cantarolando, e não conversando.

A casa do Nilo, era amarela, de alvenaria, com dois pisos. Também um quintal com relvado não muito cuidado. Uma das tias estava na varanda do primeiro piso olhando as ruas.

- Sim, mas você não cumprimentou os meus amigos, Kátia?! Já disseste "Boa tarde ao Eron? - disse o Nilo.

- Não! Ba taldi, Eron! - balbuciou a priminha do Nilo

- Agora, a Flora!
- Boa taldi, Fora!
- Não, é Flora! Como flor! Flora"
- Flora! - disse a menina.
- Heee, falaste bem! Vou te dar um bobo frito" (doce típico das ilhas, feito com bananas fritas em óleo de côco).
-Vais ao aniversário do Eron amanhã? - questionou Flora.
- Quantas vezes me perguntas isso hoje? Claro que vou, sou mais do que o aniversariante, sem mim aquela festa vai ser um funeral! - afirmou o Nilo.
- Testa a minha paciência e vais ver um funeral a sério! Brincadeira hihihi - brincou a Flora.
Saímos deste o bairro do Liceu até ao nosso bairro Dolores. Minha casa ficava 2 quarteirões da Flora.
Bairro Dolores era um bairro diferente dos outros bairros santomenses, lá moravam sobretudo estrangeiros entre angolanos, libaneses, franceses e ingleses, e apesar disso era bom e sossegado. Com discoteca muito frequentada: Disco Platina, onde entrara poucas vezes.

A minha mãe não gostava que trouxesse miúdas para casa, já até conversou comigo sobre gravidez na adolescência, que era comum nas ilhas. Deixava a Flora vir mas ficávamos no quarto de porta aberta ou com alguém por lá. Ao chegar no bairro viu que a Flora não se despediu dele e o seguiu até casa. Entraram em sua casa, saudaram a todos, mas só me apareceu ninguém.

- Podes mostrar-me a tua última pintura!? - falou a Flora.
Oh, eu também sou um artista: pinturas. Aprendeu um pouco com alguns pintores locais  vendiam  pinturas e peças de artesanato para turistas como souvenirs, enquanto trabalhou com a sua mãe nas férias,  num projeto artístico chamado "Tela Branca". Eles emprestavam-na o estúdio para gravações do seu canal "As Ilhas do Meio Mundo".

Ultimamente tem andado a desenhar, estranhas criaturas e cenários, às vezes, nem se lembra, quando ou como os pintou. A Flora é única que se interessa pelas suas obras, talvez por ser a única que sabe deste meu talento escondido. Fomos ao meu quarto. De repente, a luz foi-se. Mais um apagão no seu bairro, ao menos. A Flora era uma das poucas que não precisava preocupa com isso. Tinha gerador elétrico de reserva. As falhas de energia elétrica eram algo comum, nas ilhas.

Infelizmente, a realidade de alguns países africanos: baixa e instável produtividade elétrica com direito a debates no parlamento mas nunca uma solução definitiva. Era um dos grandes problemas que os cidadãos  reclamavam dos governos que entravam e saíam mas não resolviam aquele problema. Já passavam das 19 horas. E estava escuro e a Flora esbarrou-se contra mim, ela se aproximou e me beijou intensamente. Apesar de falha eléctrica, houve muita eletricidade naquele momento.

Foi tão surpreendente, que parou o tempo e podiam ouvir suas batidas cardíacas.
E foi naquele inacreditável momento que eletricidade voltou e a D. Yola os  mãe flagrou no doce beijo.

*Jambí - danças dos espíritos executada por curandeiros, em volta de uma fogueira, com relatos de possessões e atividades paranormais

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*Jambí - danças dos espíritos executada por curandeiros, em volta de uma fogueira, com relatos de possessões e atividades paranormais.

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