Capítulo II - Trópicos (pt.2)

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Outra manhã ensolarada como era habitual no mês de março, em São Tomé e Príncipe. Acordei acordou cedo. Com os berros da mãe e os seus irmãos despertando a casa com subtileza de um exército sob ataque. Às 6 e meia da manhã, naquela segunda feira, embora já estivesse acostumado áquele 'ritual matinal'.

 
Já faziam 23°C logo pela manhã. E a Flora como sempre já lhe esperava lá fora. Eramos vizinhos e amigos desde os nossos seis anos, contudo, ela é sete meses mais velha do que ele.

- Mas tu dormes e acordas com as galinhas ?! - brinquei com a Flora.

Iam sempre juntos à escola como bons amigos de infância. Fossem a pé ou de transporte, que o pai da Flora os fornecia. Cujo o motorista, o Sr. Medina, antigo taxista de respeito que agora trabalha para o Hotel Lótus Tropical e para o Dr. Thunberg, pai da Flora, só algumas horas ou serviços.

O pai da Flora, o Dr. Amadeus Thunberg era um engenheiro da exploração petrolífera Vanguarda Energy de uma companhia multinacional Vanguarda Corporation. A corporação tinha negócios associados a exploração petrolífera até produção de tecnologias que eram muitos essenciais e comuns no dia-a-dia, como por exemplo, telemóveis (celulares) e carros.

O Dr. Thunberg quase nunca estava em casa, pior ainda, nunca estava em terra. Contudo, proporcionava a Flora uma vida confortável em São Tomé. Obviamente, ela detestava o trabalho do seu pai, como defensora fervorosa do meio ambiente que era.

E, ela me contava sempre que discutiam por causa do trabalho dele. Ficavam horas conversando, sobretudo as potenciais consequências da ganância tecnológica humana sobre a natureza. Das teorias científicas de várias áreas.
Falava pouco da sua mãe, tudo o que eu sabia sobre a mãe dela, é que ela era australiana e biologa e amante de bichos como ela. Isso justificava muitas a sua bravura e a paixão tresloucada da Flora por insetos, coisa que os outros jovens, mesmo sendo de uma terra tropical, com riqueza natural, ainda não conseguiam entender a sua coragem.

- BOM DIA, ALEGRIA!!! Moçu ê kuma bo sá?!* (Rapaz como estás?) - exclamou vivamente a Flora, com o seu sotaque islandês que cada ficava mais reduzido. E continuou:
-Então, estás animado para o teu aniversário de 18 anos?!

- Bom dia, mina* (Bom dia, moça)... Nem por isso mas tou mais animado com o término das aulas. Já não posso mais! - respondeu-lhe o Eron, em tom dramático - Teu sotaque tá cada vez mais incrível.

-Não é todos os os dias que se faz 18 anos!? Já tens tudo tratado para ir para estudar em Portugal como escolheste!

-Já pareces a tia Faty e mãe kkkkkk... Vou fazer engenharia! Já tá tudo em processamento na embaixada, agora só me resta terminar o ano com boas notas e esperar. E tu!? Vais estudar na Islândia?! - respondeu o Eron, que já sabia que a sua amiga, as vezes, obsessivamente, organizada e metódica.

- Nope!! Meus planos são outros: quero viajar para saber mais do mundo e de mim! E tu devias fazer o mesmo! Não tens vocação para engenharia. És de artes!

- E quem tem dinheiro para viajar pelo mundo? Pfff artes não dão dinheiro, Flora! - respondeu o Eron, surpreendido com a resposta da Flora, em pausar sua vida estudantil.

- Há sonhos que valem dinheiro, mas dinheiro nenhum vale um sonho! - disse ela.

E, era assim a Flora, uma moça caucasiana dos olhos verdes claros, caracóis da cor do mel, óculos dourados, brincos também dourados em forma de lua, ela mesma em si já era meio aluada, uma hora era a pessoa mais cabeça de vento que já conheci na vida e na outra era uma a mais profunda de todos os meus amigos. Era uma boa aluna e tinha boas notas. Contudo, a melhor aluna da turma era a Luena Bunga, filha de um empresário angolano de renome Felipe Bunga.

No início, as pessoas achavam estranho uma moça branca andar sempre com moços negros. Os rapazes achavam-na muito atraente, e francamente exótica por ser diferente da maioria, sobre tudo no Liceu Nacional, todos os estudantes estrangeiros frequentavam estrangeiros especialmente europeus frequentavam a escola Escola Privada de São Tomé e Príncipe, que facilitava a integração dos estudantes, posteriormente, nas universidades europeias.

 
A Flora era obcecada pela suas regras, e para aqueles descarados como o Nilo, que se atreveram a desafia-la, tirando-a fotos ou filmando-la, para o Tik Tok, mesmo depois que ela ter dito que não consentia, tiveram de lidar com infestações de animais como aranhas nas suas mochilas.
Ela nunca se importou em ser diferente e sempre foi desbocada quando se punham com conversas parvas sobretudo sobre raças e nacionalidades. Sobretudo quando iam ao Mercado Municipal da cidade, sintam-se o centro das atenções das fofocas dos mercadores.
Dizia que: "as folhas que nascem tanto na Islândia como em São Tomé são verdes porque o sol nasce para todos sem olhar diferenças."

Foi assim que fiquei sabendo que a Islândia era uma ilha muito verde e linda mesmo estando norte e longe do Equador, e quis conhecer mais a Europa.

O Nilo era filho de pais negros e ainda assim nasceu albino e sua mãe lhe diz que era da parte do seu bisâvo. 

- Se África é o berço da Humanidade, será que os brancos surgiram da noite para o dia como eu na minha família de uma geração para outra  ou vou mais lento, ao longo do tempo?" - questionou o Nilo. 

- Claro que não, Nilo! - respondeu a Flora - Foi um processo demorado! O processo da evolução humana é uma coisa demorada com milhões de anos, idiota! 

De vez em quando o Nilo deliberamente fazia perguntas estúpidas, e era assim que nós ficavamos horas a fio, debatendo teorias e conceitos científicos como esquisitões que erámos. Aprendia mais assim conosco do que nas aulas em que só estava de corpo presente. 

- O Eron  parecia um papel saído de uma impressora estragada...- disse o Nilo, gracejando.

Houve uma pausa par  ver a minha reação. Olhamos uns para os outros, segurando o riso. Todos nos rimos. Pensar que se fosse há dois anos antes, a minha reação seria diferente.

Sofria de vitiligo, uma doença  que marcava  tanto a minha pele como o meu ego, e que me levava a episódios de depressão. Miúdos imbecis da minha escola, se divertiam com isso. Um dia, o Djanilo saiu em minha defesa e até brigou feio com o Anselmo, chegando ao ponto de agressões. E, foi a partir daí que começamos a dar-nos bem e a estar juntos sempre. 

Eram fanáticos pela saga do Harry Potter da J. K. Rowling. Eu e a Flora fazíamos uma maratona de filmes da saga de 6 em 6 meses, no final de cada semestre.
O Nilo, nem tanto. Bem tentava acompanhar esta paixão ou obsessão, mas ficava aquém das expetatitvas.  A Flora definitivamente era a nossa Hermione Granger. Sabichona, preparada e marrona.*Nos autointitulavamos "Os Mosqueteiros Griffindors". Ideia do Nilo que adorava as adaptações da obra de Alexandre Dumas.


* Fôrro - língua nativa mais falada em São Tomé e Príncipe

*Marrona - estudiosa 

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