Coragem

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No lavabo, Kyle continuava a berrar feito um louco sem causa e Cartman estava quase pedindo para que Deus tirasse sua vida.

— Qual é o seu maldito problema? Para de gritar! — tentou falar mais alto que ele, ainda com as mãos nos ouvidos.

— Abre a porta que eu paro.

— Não!

— Então vou continuar gritando — foi só o tempo de tomar fôlego que o gordo se pôs a sua frente com a mão sobre sua boca.

— Você deveria ser internado em um manicômio, sabia?!

O ruivo retrucou a fala dele, sua voz estava obstruída pela mão de Eric, mas ele não ligava e continuava falando, mesmo sabendo que o outro não estava entendendo nada. Depois de algum tempo falando muito, porém nada, Kyle finalmente calou a matraca, e Cartman continuava com a mão por sobre os lábios dele.

Verde e castanho, ambos se encaravam enraivecidos. Tão próximos, que podiam sentir a respiração do outro. Eric foi abaixando devagar sua mão e perguntava com o olhar se o perturbado iria gritar novamente, no entanto, o ruivo apenas continuou sério. O contato visual era mantido, a aproximação aumentava, o gordo estava com as mãos apoiadas na pia e...

— O que você está fazendo? — Kyle indagou sentindo a proximidade grande, intercalando a visão entre os olhos do rapaz e seus lábios avermelhados.

— Nada! — falou com desdém, se afastando.

Uma gargalhada forçada foi escutada. O judeu jogou a cabeça para trás teatralmente.

— Você não tem coragem nem para me beijar! — tentava descer de cima do mármore gelado.

— Como é que é, judeu? — o garoto se irritou e voltou para perto do outro, impedindo-o de colocar o pé e a bota de gesso no chão.

— Você é bunda mole, por isso nunca vai se casar — sorria maldoso, com uma sobrancelha arqueada.

— Então quer dizer que está preocupado se eu vou me casar ou não! — abriu um sorriso maior que o dele.

Kyle apenas pensava que havia se expressado de forma equivocada, e começava a raciocinar para rebater a fala de Cartman.

Levantou o dedo indicador, abriu a boca para iniciar seu discurso inexistente.

— Admita Kahl, você já me desejou! — tirava sarro, apreciando toda a situação.

Três pancadas fortes na porta foram escutadas.

— Eu te dou dez segundos para destrancar esta merda, você me ouviu Cartman? — um Stan furioso foi ouvido.

— Era só o que me faltava... — Eric disse com a mão na testa.

— Eu vou arrombar essa porra de porta e chutar sua bunda!

— Calma, hippie! — Cartman falou alto, suspirando pesadamente.

— Não me venha com calma! — Stan chutou a madeira. — Abre isso agora.

— Stan, está tudo bem. Ele já vai abrir a porta — Kyle interveio. O melhor amigo tentou replicar, contudo o judeu não deixou. — É sério, está tudo bem.

— Vamos Stanny! — a voz de Kenny se fez presente, falando calmamente e o moreno continuava parado feito uma pedra. — Vem logo! – o puxou pela blusa, arrastando-o para a sala de TV.

— Você não acha que ele realmente arrombaria a porta da própria casa, não é? — Cartman perguntou forçando o riso.

— Nah, a mãe dele o mataria — falava de cabeça baixa voltando a se arrastar pelo mármore frio da pia para conseguir descer e finalmente sair daquele cubículo asfixiante.

— Você não acha que eu vou deixar você ir assim, não é? — Eric se aproximou dele.

— Dai-me paciência! — levantou o rosto entediado. — O que afinal você quer de mim? — questionou enfadado. Já estava cansado de tentar sair de cima daquela merda de pia e o gordo o impedir.

Seus olhos verdes aborrecidos o encaravam aguardando que ele dissesse novamente que queria que ele o pedisse desculpa, e então o judeu gritaria pelo melhor amigo.

Contudo o que veio a seguir nunca em um milhão de anos havia sido calculado por um ser humano que já havia pisado no planeta Terra, muito menos por Kyle Broflovski. É possível dizer que nem mesmo por Eric Cartman, no entanto o ruivo dissera que ele não era "corajoso o suficiente e blá blá blá".

Com as mãos apoiadas na pia, Cartman foi aproximando o rosto do de Kyle, que foi se afastando, mas não o suficiente para deter os lábios avermelhados do gordo que tocaram os dele. Ambos com os olhos abertos achavam tudo muito estranho. Seus lábios se tocavam, suas respiração trancadas nos pulmões, os olhos assustados e feição estática. Nenhum dos dois ousava mover-se.

Até que Eric beijou o canto da boca dele, passou a pontinha da língua no lábio inferior do judeu, pedindo permissão para seguir em frente, porém Kyle continuava inerte, com os olhos abertos. Já que ele parecia estar morto, Cartman mordeu levemente o lábio dele, sem cortar o contato visual que mantinham.

Aqueles poucos segundos estavam entrando para a lista de Momentos-Mais-Anormais-Da-Vida-De-Um-Ser-Humano, para ambos! E tudo ficou ainda mais estranho quando o ruivo deu passagem para ele beijar-lhe descentemente.

A língua quente dele invadiu a boca do moreno, e as mãos de Kyle que não eram tão ousadas assim, se contentaram apenas em segurar a barra da blusa de Eric, que moveu as mãos para o rosto cheio de sardas, puxando de leve seu cabelo enrolado.

Entregues ao beijo que agora não parecia estranho, mas sim delicioso, o fato de se odiarem não aparentava algo tão grande assim.

Se afastaram para encherem o pulmão de oxigênio e se fitaram atônitos. Cartman retirou as mãos da cintura dele e Kyle da blusa. Seus olhos pasmos encaravam um ao outro pedindo explicações do por quê aquilo tinha acontecido e por quê eles haviam gostado.

Evitando que respostas fossem professadas, Eric entregou as muletas para Kyle, destrancou a porta do lavabo e se retirou em direção à sala, onde todos os outros estavam. Kyle continuou sentado por alguns segundos tentando absorver o acontecido e então com muito cuidado desceu da pia gelada e também fez o caminho para onde os amigos estavam.

Kyle chegou a sala e o jogo já havia começado a cinco minutos. Desnorteado, encarou a cena sem discernir rostos, todavia, Stan se dirigiu à ele a fim de levá-lo ao seu lugar.

— Tá tudo bem? — ele questionou, sentando ao lado do melhor amigo depois de colocar suas muletas encostadas na parede.

— Aham.

— O que aconteceu lá?

— Nada... Por quê?

— O Cartman parece irritado. Quando ele chegou o Kenny fez uma piada com ele e ele nem respondeu só encarou mal humorado e se sentou — o ruivo dirigiu o olhar para Eric que estava compenetrado no jogo. Na verdade ele pensava na merda que havia acontecido minutos antes. Que porra foi aquela?

— Não aconteceu nada — pensou em algo para dizer que convenceria seu amigo de que estava dizendo a verdade. — Ele só queria que eu pedisse desculpas — até que não era mentira. Afinal Cartman o arrastou para o lavabo com esse intuito e não com a intenção de enfiar a língua na garganta dele.

— E você pediu?

— Claro que não! — também não era mentira.

— Então, isso explica o humor da moça ali — acenou com a cabeça para o rapaz que continuava concentrado no que se passava na TV.

— Sim — Isso é mentira!

Em pé de guerra | Kyman!Onde histórias criam vida. Descubra agora