— Um perfume diferente, um que nem sequer havia em casa. Uma conversa inexistente, frases que você não lembrava de ter dito no dia anterior. Mais de uma vez. No início, ignorei muito, por amor; mas, com o passar do tempo, fui me intrigando, mais e mais. Se não me engano, era uma segunda. Acho que vocês já haviam trocado de lugar naquela semana. Não era você, né? Era ele! Eu juntei os pontos durante alguns meses. Passou-se mais um tempo, até que em uma tarde ensolarada, Carlos disse que ia se encontrar com um novo cliente. — Ela dá uma pausa, suspirando. — Ele esqueceu o óculos de sol sobre a mesa. Havia passado só uns 3 minutos de sua saída. Ele ia de táxi, talvez eu pudesse ainda pegá-lo pelo caminho. Então corri, e de longe o avistei entrando dentro de um carro. Só que havia algo errado. Não era um táxi, era um carro escuro, além disso, pegou o sentido oposto do que havia me dito. E sabe de uma coisa, isso ficou me corroendo por dias, semanas, meses; eu já não conseguia dormir, eu precisava fazer alguma coisa. Então, passou-se mais umas semanas, tomei coragem; fui até Ludovico, nosso recepcionista. Ele e Carlos não eram tão próximos, mas percebi que trocavam algumas confidências, algo havia naquela relação. Então fui até ele e, amigavelmente, perguntei se sabia por onde tanto andava Carlos. Se sabia de alguma coisa, alguma informação; já que depois de um tempo, Carlos já não me contava muita coisa de sua vida. Ludovico negou... Mas estranhei sua reação, ele parecia com medo, assustado. Então voltei a insistir, persisti e persisti, negou mais 3 vezes... Mas, na quarta vez, dei uma boa grana. Altíssima! E, finalmente, ele abriu a boca. — ela ri. — Idiota! Engraçado, como ele sabia esse tempo todo, também. A idiota sempre fui eu! — Ela ri, novamente. Mas, dessa vez, com o gosto amargo da derrota em sua boca, ao mesmo tempo que uma lágrima cai de seus olhos. Em seguida, retoma. — Eu confesso que fiquei arrasada, muito arrasada! Mas eu precisava me recompor, eu precisava fazer alguma coisa. Por semanas e semanas, enquanto eu construía algum plano, eu fingia que estava tudo bem. Só tinha um detalhe! Eu ainda não sabia de você. Ludovico só me falou que havia um segundo lar, uma segunda vida. Pensei mil coisas, traições, drogas e outras merdas... — Ela pausa. Ouço um soluço mergulhado em lágrimas. Retoma em seguida. — Em nome do dinheiro, obtive estas informações, o endereço e o silêncio de Ludovico. Carlos não podia saber que eu sabia... Ludovico é um bom homem. — Ela sorrir, sarcasticamente. — Sabe, esperei por mais um tempo, eu precisava me sentir segura disso. Até que, há uns dias, eu fiz o que já deveria ter feito há muito tempo, dei um basta nessa situação.
Acredite quando digo que em toda minha vida, em todos os momentos mais loucos... Nada! Eu disse: nada! Nada me deixou tão inseguro como o dia de hoje.
Ainda abraçada em mim, enquanto permaneço paralisado e sem reação, Marina quebra o silêncio escaldante. Passou-se só 2 minutos, mas parecia uma eternidade. Com suas pálpebras encostadas em minhas bochechas, sinto as lágrimas dela escorrendo.
— Sabe, Rui, nos dias que se sucederam, após tudo que Ludovico me contou, entrei em guerra comigo mesma. — Marina dá uma nova pausa, ouço um suspiro arrastado e preguiçoso. — Após tudo que foi dito, voltei para casa, e até então, ainda não sabia da sua existência, nem dessa troca. Toda dor era um prelúdio do que viria depois, mas fui forte o suficiente para me regenerar. Resiliência é o nome! Já passei por coisas que vocês nunca saberão, mas saiba que são coisas que me fizeram ser a mulher que sou, hoje. Enfim, ao absorver toda situação, eu decidi entrar no jogo dele. — Marina solta uma risada suave. — E este jogo, eu chamei de: se você não me ama mais, minta para mim. Estranhamente, segui em frente. Guardei só para mim. Abracei minha nova realidade, abracei de uma vez. Sabe, Carlos nunca se abria tanto. Acredito que, um dia, ele já gostou de mim, de verdade, nem que fosse um pouco... Assim, penso. Mas o tempo passou voando. Ele mudou. O que antes era pouco, se tornou em nada. Eu não havia entendido sua mudança e, muito menos, seus motivos para permanecer ao meu lado, mas ele nunca se foi. Confesso, aquilo me deixava louca, mesmo que eu não demostrasse meu desconforto. Eu o amava, de verdade. É engraçado, ele nunca quis me apresentar sua família. São tantas coisas, Rui. Como eu sempre dizia pra mim mesma: "é apenas uma instabilidade de alguns dias. Ele vai melhorar logo logo". — Marina respira fundo. — Talvez o "logo logo" fosse você na semana seguinte. Não é, mesmo? — ela ri. — Você soube ser o melhor lado dele, Rui. Eu só não sabia que era você. Pra mim, ele apenas tinha transtorno bipolar: um dia, me desejava; no outro, me congelava. — finalmente, Marina se afasta de mim, em silêncio.
Diante de tudo que foi dito, ainda permaneço sem reação, paralisado no meio da sala, como se o peso do mundo se estendesse por todo meu corpo, pesando e pesando. Marina anda em círculos, pensativa, como se uma bomba-relógio fosse estourar a qualquer momento.
Marina retoma a conversa.
— Hoje, no caso, seria a vez dele, não? O dia da troca! — Marina solta uma risada. — Há uns dias, de manhã cedinho, lembra que eu saí? Acho que você não irá lembrar, estava muito sonolento. Mas eu avisei no dia anterior. — ela solta outra risada, uma risada trêmula, muito nervosa. — Sabe, Carlos... Ops! Quero dizer Rui! — Ela ri novamente. — Eu menti... Não fui visitar minha mãe... Eu fui até o local. O segundo lar de Carlos, sua segunda vida. Eu precisava ver com meus próprios olhos. Eu precisava confirmar tudo que Ludovico havia me dito. Sabe, eu não sabia o que ia encontrar... Mas foi muito mais do que imaginei. Veja! Olha onde estamos!
Marina fica eufórica, começa andar em círculos com mais afinco. Eu resolvo me sentar na poltrona que se encontra ao meu lado, ao passo que continuo em silêncio, com os olhos pregados no chão, tentando caçar respostas que não existem.
— Tava na minha cara esse tempo todo. A vida de vocês sempre foi um circo, não é, Rui? — Marina, inquieta, dá uma nova pausa. — Agora, ele está lá, dormindo para sempre!
E naquele momento, sinto um frio subir pelas minhas pernas e dominando todo o resto. Uma fraqueza bate à porta. Sinto meu ar se esvair.
— O que, Marina? O que você quer dizer com isso? Marina, me fale! — me sentindo fraco, eu caio, de joelhos, no chão. E então olho para cima, em direção da face de Marina.
— Isso mesmo que você entendeu, meu adorável Rui.
Me sinto perdendo o controle do meu corpo. As lágrimas surgindo e minhas mãos indo ao encontro da face. Eu não consigo acreditar! É um sonho, só pode ser. É como se tudo passasse lentamente, memórias e mais memórias vão surgindo e me entorpecendo. Já não sou o que eu era há duas horas, me sinto perdido dentro de mim mesmo.
— Eu não queria matá-lo, Rui! Eu não queria! Eu fui até aquele lugar, eu o encontrei. Ele ficou surpreso, mas eu, assustada, aterrorizada, abalada. Eu estava segurando uma arma, por precaução, e disparei acidentalmente. Eu acabei com sua vida. — em pé, em meio às lágrimas sutis, Marina solta aquilo que nunca mais esquecerei. — Mas... foi ali que vi minha libertação. Eu dei a última cartada! — ela fala quase friamente.
Lentamente, Marina se aproxima de mim. Desnorteado, consigo ouvir o som de seus passos, bem abafados. Ela se aproxima cada vez mais e se ajoelha diante de mim; até que, num determinado momento, sinto suas mãos tocando minha nuca e, em seguida, levando a minha face até seus seios e então começa acariciar os fios de meus cabelos.
Já não consigo ouvir direito mais nada do que é dito, é como se eu tivesse fora de mim. Tudo está abafado ao redor. Perdi meu irmão! Perdi meu outro lado! Perdi uma parte de mim!
Marina volta a falar.
— E antes de fechar os olhos para sempre, ele me contou algumas coisas. O combinado, as motivações. Ele tava cansado de mim, enjoado da minha face, dos meus costumes estranhos, do meu amor. Mas... Partir não era uma opção. — Ela dá uma pausa, suspira. Então retoma. — Lembra do nosso joguinho, Rui? Se você não me ama mais, minta para mim! — Marina sorrir, enquanto continua acariciando meus cabelos.
Ao fundo, ouço sirenes, policiais falando e, em seguida, batendo na porta. Não sei quem foi, mas alguém chamou a polícia.
Sinto Marina tirando as mãos de mim e se afastando, lentamente. Com as sombras, no chão, eu a percebo indo em direção da varanda...
— Chamei a polícia para você. Faça bom proveito. Foi bom te conhecer, Rui. — Marina sorrir. — Suas digitais estavam na arma. Lembra de tocá-la, a alguns dias? Eu te vi. Eu estava escondida atrás das cortinas. Usei luvas quando matei Carlos. Agora a arma está lá, com a polícia que chamei para fazer uma visitinha ao seu irmão, também. Neste exato momento, aposto que já estão lá, invadindo o lar doce lar.
E então Marina se joga da varanda, se chocando contra a calçada da avenida, a 20 andares. Só ouço o som de seus gritos e o impacto de seus ossos se partindo em milhões de pedaços. E no meu canto, no chão, atordoado e de joelhos, tudo que percebo, em seguida, é o vento batendo contra as vidraças, as cortinas esvoaçando e o sol fazendo sua grandiosa visita.
— Olá? É a polícia! Tá tudo bem aí? — é tudo que ouço.
Depois dali, minha vida não foi a mesma.