Capítulo Dois

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ENQUANTO ARRUMAVA minhas malas na cômoda granda que tinha, ouvi batidas na porta. Era Susannah, que sorriu ao me ver e me envolveu num longo abraço, daqueles que demoram tanto que a gente fica se perguntando se falta muito para acabar, preocupada com quem é que vai se afastar primeiro.

━━ Você se esquivou de mim ao entrar. ━━ Ela finalmente me soltou e se afastou um pouco para me observar. Então balançou a cabeça, perguntando: ━━ Quando foi que você cresceu tanto? Quando se tornou essa mulher fenomenal?

Eu sorri dando um pequeno suspiro. Estou feliz que ela ache isso, mas ao mesmo tempo não. Uau, tá realmente acontecendo.

Abri um sorriso, constrangida.

━━ Ah, eu continuo a mesma...

━━ Você sempre foi linda, minha querida, mas agora... Ah, olhe só! ━━ Ela balançou a cabeça, parecendo atordoada. ━━ Está tão, tão bonita. Vai ter um verão incrível. Incrível. Um verão inesquecível.

Respira fundo.

Susannah sempre falava com muita convicção, então acabava soando mais como um decreto, como se tudo fosse se tornar verdade só porque ela estava dizendo.

A verdade é que Susannah estava certa. Foi um verão realmente inesquecível. A cada ano, eu sempre achava que o verão seria diferente, que minha vida ia mudar. Naquele, ela finalmente mudou. Porque eu mudei. E eu odiei isso.

•••

Me joguei no sofá olhando em volta, matando a saudade.

Foi aqui nesta casa que eu dei meu primeiro beijo. Eu tinha treze anos. Era uma das raras noites em que os meninos não estavam todos juntos: Steven e Jeremiah tinham saído para uma pescaria noturna com uns garotos do fliperama, Belly saiu com as mães na sorveteria, me convidaram, mas por algum motivo eu não quis ir.

Então eu fui pra piscina, com meu típico maio de natação, e me surpreendi ao ver Jeremiah sentar na borda rindo de mim boiando com os braços e pernas abertas.

━━ Já voltou? ━━ Perguntei nadando até ele.

Tentei manter a voz neutra, sem demonstrar muita empolgação ou ansiedade. Tinha me assustado, talvez tenha ficado tempo demais lá e nem percebido.

━━ Steven apostou com uns garotos mais velhos que ele conseguiria subir na parte dos adultos e pegar uma bebida sem ninguém perceber. ━━ Ele contava. ━━ Mas aí tivemos que sair correndo de lá, por que o dono viu. ━━ Deu de ombros. Cheguei finalmente onde ele estava então me apoiei na borda da piscina ao lado dele.

━━ Mamãe e Susannah estavam fazendo bolinhos, quer ir ver se podemos comer o recheio cru? ━━ Perguntei sapeca e ele concordou rindo.

Quando entramos na cozinha o pote estava ao lado da pia e o forno ligado, cada um pegou uma colher e começamos a comer, provavelmente faz muito mal, mas éramos crianças que adoravam a massa crua, tinha gosto de pão gelado, eu acho.

Jeremiah estava me olhando com os olhos espremidos, parecendo pensativo.

━━ Você já beijou? ━━ Ele pergunta direto.

Eu atrapalhada disse:

━━ Não... Bom um garoto da minha escola já quis, mas eu fiquei com vergonha e sai correndo. ━━ Ele riu. ━━ Porque?

━━ Só queria saber se minha futura esposa já tinha beijado outro. ━━ Fez a piada raspando a colher no grande pote. Mas daí ele soltou e cruzou os braços me olhando. ━━ Quer que eu te beije? ━━ Perguntou me fazendo engasgar, eu tussi tanto, mas ainda podia ouvir ele rir. ━━ Quer? ━━ Repetiu.

Eu não sabia o que dizer então só dei de ombros, ele riu mais de mim e se apoiou no balcão que nos separada e inclinou o corpo encostando seus lábios aos meus.

Eu lembro de surtar, e ficar com medo de ficar estranho, porque logo depois eu sai correndo igual uma criancinha assustada, bom, eu era. Mas então no dia seguinte ele me serviu cereal e disse:

━━ Não se preocupa, podemos esperar até o casamento pro próximo beijo, se você quiser.

Eu sabia que era uma piada, e ri. Jeremiah sabia como quebrar um clima. Eu não me apaixonei por ele, as brincadeiras dele não eram sérias e eu entrava na onda só pela piada.

Durante todo o fim daquele verão eu e Jeremiah ficamos próximos, mas daí no outro eu quis aproveitar pra ficar com Conrad, que iria pro acampamento de futebol, odiava isso, ele ter que ir por muito tempo e durante o verão, a única vez que eu o via. Mas o pai dele insistia.

E nos outros dois verão eu também me concentrei em Conrad, já no outro o Steven e eu estávamos loucos por aqueles desafios, apostamos sobre tudo por dias, quem comia mais, quem dormia mais, quem ficava mais tempo sem respirar, quem pulava mais alto... Enfim, daí teve o divórcio dos meus pais.

Belly me incomodou por meses por eu ter beijado, de selinho, ele, mas eu não me importava. Éramos amigos, crianças que cresceram juntos e que eram praticamente adolescentes. Belly talvez estivesse aliviada, por eu não gostar de Conrad também, já que no mesmo verão que eu e Jeremiah damos um selinho, ela se magoou com Conrad, que nos levou no calçadão só porque queria ver outra garota, na visão dela pelo menos, já que ele olhou pra garota por dois segundos antes de ganhar dois ursos de pelúcia para mim e Belly.

A casa de praia era como um paraíso, quando eu era criança parecia um castelo de tão grande, e meu quarto uma torre que eu dividia com minha irmãzinha, não mais depois da reforma de aumentar os quartos que a Susannah fez. Em uma ponta ficava o quarto da minha mãe, o da Susannah com o Sr. Fisher, além de um quarto de hóspedes vazio. Na outra ponta, ficava o meu quarto, mais dois quartos de hóspedes e o que os meninos dividiam - Belly sempre reclamava que queria ir lá com eles, já que eles, querendo ou não, excluíam a gente um pouco. Mas eu sempre dava um jeito, e levava um pote de sorvete com duas colheres para dividirmos, quando mais sabores, melhor ficava o humor dela depois.

Depois que crescemos, os garotos pararam de dividir quarto. Steven foi para o de hóspedes no lado dos adultos, e Jeremiah e Conrad ganharam cada um seu próprio quarto no meu lado da casa, enquanto eu fiquei com o quarto ao lado da Belly. Desde o começo, eu, Belly e os meninos dividíamos o banheiro daquela parte. Minha mãe tinha um só para ela, e o da Susannah ficava na suíte. No nosso banheiro havia duas pias: Jeremiah, Steven e Conrad dividiam uma, e eu e Belly, a outra.

Quando éramos pequenos, os meninos nunca baixavam o assento do vaso e, depois de grandes, também não - irritante. Mas algumas coisinhas tinham mudado. Antes, eles quase sempre deixavam o banheiro todo molhado, fosse porque faziam guerra de água, fosse por desleixo. Depois que começaram a se barbear, enchiam a pia de pelos, e a bancada ficava tomada por desodorantes, cremes de barbear e colônias pós-barba.

Eles tinham mais colônias do que eu tinha perfumes - mesmo parecendo impossível. Eu enjôo de perfumes muito rápido, então vou trocando. O que eu uso agora tem um cheiro de baunilha com limão, parece estranho na teoria, mas é bem docinho. De qualquer forma, eu não deixava meu perfume no banheiro, junto com os produtos dos garotos. O vidrinho ficava na cômoda do meu quarto.

𝕮𝖗𝖚𝖊𝖑 𝕾𝖚𝖒𝖒𝖊𝖗Onde histórias criam vida. Descubra agora