Eu sempre fui um pouco controlado e nunca gostei de sair correndo pelos corredores da escola mas essa era uma exceção. Eu precisava falar com o Theo. Corri até a sala de aula o mais rápido que podia desviando dos outros alunos. Quando cheguei à porta os meus pulmões gritavam por ar. Respirei pela boca para tentar recuperar o fôlego e tentei relaxar antes de caminhar na sua direção. Ele estava sentado na mesma carteira de sempre e seu olhar parecia perdido em pensamentos enquanto olhava pela janela. Ao ouvir os meus passos Theo se virou para mim e sorriu.
— Você parece exausto. Não me diga que perdeu o trem e teve que vir para a escola correndo? – provocou ele, dando aquele sorriso de lado e quase me distraí.
Olhei ao redor para me certificar de que não havia ninguém perto o suficiente para escutar a nossa conversa e sentei na carteira vaga à sua frente.
— Sobre ontem eu...
— Passou mal por causa do macarrão instantâneo? – indagou ele, me interrompendo.
Ele tinha uma expressão tão tranquila que me fazia ficar ainda mais nervoso.
— Ou é sobre aquilo? Foi mal, eu prometo que não tranco mais você no seu próprio apartamento quando for lá novamente – diz mantendo o tom de voz baixo.
De alguma forma Theo ainda queria voltar lá. Senti a tensão nos meus ombros se desfazer um pouco, não esperava que ele estivesse preocupado com isso.
— Na verdade... é sobre os mangás que você viu – digo, sem coragem para encará-lo.
Eu não planejava contar para ninguém sobre o tipo de mangá que eu passei a ler enquanto ainda estudava na outra escola, mas agora sentia uma tremenda necessidade de esclarecer as coisas. Comecei contando que costumava estudar em uma escola só para garotos e que em um quarteirão próximo tinha uma escola mista. E quando ia para casa sempre encontrava com uma garota no caminho. Nós acabamos nos aproximando e eu me apaixonei por ela, porém não tínhamos muitos assuntos em comum. Eu percebi que toda vez ela trazia em suas mãos alguns mangás e quando perguntei ela me disse que eram BLs. A garota por quem me apaixonei era uma fujoshi.
Eu comecei a comprar alguns volumes para conversar com ela sobre isso, mas não imaginava que eu realmente fosse acabar gostando do gênero. A gente saia juntos para ir à livraria comprar os novos lançamentos. Estava decidido a me declarar mas ela não apareceu no nosso encontro e eu perdi a coragem. Quando nos encontramos de novo algo nos meus sentimentos havia mudado, eu olhava para ela e via apenas uma amiga. Um dia combinamos de parar na lanchonete depois de sair da escola porque ela queria me perguntar algo que a estava deixando curiosa, mas eu não fui. O encontro era no mesmo dia em que eu... preferi não contar o resto da história para ele.
Theo não falou nada e nem esboçou qualquer reação e então os seus lábios se entreabriram mas voltaram a se fechar. Ele esticou o braço por cima da mesa e segurou a minha mão.
— Desculpe, eu só fiquei um pouco surpreso com eles. Não imaginava que garotos também se interessassem por esse tipo de mangá.
— E-eu só gosto de ler esse tipo de história, mas eu mesmo não sou assim então se... –
— Tudo bem – diz ele cortando a minha fala sorrindo e apertou de leve a minha mão. — Lembra do que eu te disse ontem? Eu estava falando sério.
"Você vai precisar de muito mais do que isso para se livrar de mim." Foi o que ele me disse. Theo não pretendia se afastar mesmo com o que descobriu. Eu retribuí o sorriso. Estava tão feliz e tão grato. Me endireitei na cadeira quando o sinal tocou e puxei o diário verde da mochila.
Conversar com alguém sobre o motivo de eu ter me tornado um fundashi foi libertador, no entanto, eu ainda não era capaz lhe contar toda a verdade. Theo fazia eu me sentir confortável durante as nossas conversas, ele nunca teve problemas em segurar a minha mão nem com as pessoas envolta. Meu coração estranhamente batia mais forte quando ele me encarava por tanto tempo.
Desde aquele dia duas semanas haviam se passado e eu sempre me perguntava se eu deveria ter dito aquelas coisas para ele. E se de repente ele não quisesse mais ser o meu amigo? E se ele estivesse só sendo gentil? Não importava quantos "e se" passasse pela a minha cabeça Mattheo tirava eles de lá com um simples oi.
— Aí estão vocês! – gritou Lauren caminhando em nossa direção.
Ela deu um abraço apertado em cada um de nós, embora eu tenha tido a impressão do meu ser mais demorado. Acho que Theo também percebeu mas forçou um sorriso quando nossos olhares se encontraram.
Nos sentamos em uma das mesas vazias do refeitório. Lauren ocupou a cadeira vaga ao meu lado e Theo acabou tendo que sentar de frente para mim. A proximidade dela comigo sufocava um pouco e me deixava sem jeito perto do Theo.
— Vocês não podem marcar nada para o dia da minha apresentação, eu quero os dois na primeira fila me assistindo – comentou Lauren empolgada.
— É, mas você está lembrada que não é sua apresentação e sim uma competição de basquete? – diz Theo a provocando.
— Seu estraga prazeres. Você ao menos podia fingir que se importa – retrucou ela fazendo uma careta.
Ela era a capitã das líderes de torcida do time de basquete o que a tornava ainda mais popular entre todos os grupinhos da escola. Lauren simplesmente falava com todo mundo.
— Não se preocupe dará tudo certo e eu certamente virei lhe apoiar – confortou Theo.
Lauren ficou de pé e esticou os braços sobre a mesa para alcançar o cabelo dele e bagunçá-lo. Ele se afastou dando unas tapinhas na mão dela que voltou a se sentar.
— Ei, e você Nick? – ela me encarou com olhos suplicantes.
— Eu não gosto de estar em lugares muito cheios e barulhentos – digo e ela continua me olhando esperançosa, esperando eu terminar a frase. — , mas já que você vai animar a torcida, acho que consigo suportar algumas horas disso.
— Perfeito! O meu melhor amigo e Nick estarão na arquibancada isso me deixa menos nervosa – diz ela com um gritinho.
Theo e eu nos entreolhamos e rimos. Lauren era extrovertida o suficiente para conversar e rir sozinha e nós adoravamos ouvir ela falar. Apesar do sorriso no rosto dele, no fundo eu sabia que a palavra "amigo" o machucava bastante. Ele nunca me disse nada e eu também nunca perguntei e não precisava, estava claro que ele gostava de Lauren.
Eles eram amigos desde o maternal e Lauren não o largava para nada, ela era totalmente dependente dele. Theo a protegia de tudo e não se incomodava em fazê-lo, contudo, quando ganhou autoconfiança ela não precisou mais dos cuidados dele. O próprio Theo me falou sobre como eles haviam se conhecido e agora Lauren era a garota mais popular da escola. Isso me assustava às vezes porque eu sentia que os garotos me olhavam torto por andar com ela. Mattheo os encarava de volta e passava os braços por cima de nossos ombros. Ele era a pessoa menos autoritária que já conheci, no entanto, mais protetora.
— Não esqueçam, será no próximo sábado na quadra da escola – falou ela antes de ser levada pelas garotas da sua turma.
Permanecemos no refeitório terminando o nosso almoço. Theo entrelaçou os dedos nos meus pressionando uma das minhas mãos contra a mesa para que pudesse roubar comida do meu prato. Mesmo relutante ele ainda era mais forte que eu.
Triiiimmm.
— Já é o segundo sinal, é melhor irmos logo para a sala – diz ele pegando a sua bandeja.
— Tem razão. Ou o senhor Benson nos fará escrever uma autocrítica.
Tyler correu até nós quando entramos na sala e passou o braço por cima dos meus ombros me apertando.
— Ah, então era com ele que você estava, devia ter imaginado. Procurei você por toda a escola à toa – ele riu. Sua risada soava agradável aos ouvidos.
— Me procurou?
— Tire as mãos dele – diz Theo me puxando para o seu lado.
— Você sempre monopoliza o tempo de Nick. Ele não é seu.
— Muito menos seu – retrucou Theo.
— Mas poderia ser – disse abaixando a cabeça para me encarar e eu desviei o olhar. Ele sempre dizia coisas que podiam ser mal interpretadas.
— Pare de provocá-lo.
— E-er... calma vocês dois. Está todo mundo olhando – digo e sinto minhas bochechas queimando.
— Desculpe – pede Theo.
— Você assustou ele.
— Eu já pedi desculpas. E, afinal, o que você queria com o Nick?
— Nada demais. Apenas chamar ele para ir na pista de boliche comigo.
— Tudo bem – concordei animado.
— Só vocês dois? – perguntou ele e Tyler assentiu. — Eu vou também.
— É claro que vai – diz Tyler com um sorriso.
Triiiimmm.
— É o último sinal, melhor sentarmos – lembrou Theo.
— Certo. No final da aula a gente sai juntos – falou Tyler tirando uma mecha loira da testa.
Os dois faziam eu ter sensações estranhas. Havia uma disputa interna entre eles que eu não sabia exatamente como se originou mas de certa forma eu estava no centro dela.
Só consegui me concentrar nos primeiros minutos da aula. Tirei discretamente o diário da mochila e anotei o que estava sentindo.
Theo se levantou e recostou na mesa vendo Tyler se aproximar. As aulas já haviam terminado.
— Eu vou ter que passar na sala do comitê estudantil antes – avisa Tyler.
— Tá bom. A gente vai ficar te esperando lá embaixo – responde Theo.
Ele assentiu e saiu. A sala aos poucos ia ficando mais silenciosa. Eu estava terminando de colocar as coisas na mochila quando Theo apertou de leve o meu ombro.
— Vamos ou ficará tarde – disse indo em direção à porta.
Joguei os objetos pequenos dentro da mochila e fechei. Eu não tive tempo para guardar dois livro e o diário e resolvi levar na mão. Com a cabeça baixa não vi quando três garotos pararam em frente a porta. Os meus braços absorveram a maior parte do impacto ao esbarrar com um deles, me fazendo recuar alguns passos.
— Ai. Desculpa – disse e apertei os livros contra o meu corpo.
O garoto era loiro e mais alto do que eu, ele usava um casaco de time que não conhecia. Ele murmurou um pedido de desculpas.
— Você está bem? – perguntou Theo.
— Sim, estou.
Viramos para a esquerda no corredor e soltei um lado da mochila para guardar os livros que carregava. Meus pés pararam de se mover.
— O que houve?
— Não está aqui – digo. Será que naquela hora... !? Eu saí correndo em direção a nossa sala.
Os três ainda estavam parados diante da sala, eles conversavam com uma garota da turma. Não havia nada no chão. O caderno de capa verde caiu justamente na bolsa do garoto com quem esbarrei. Ele parecia distraído, se eu me aproximasse devagar talvez conseguisse pegar de volta. Respirei fundo e caminhei em sua direção e estiquei o meu braço até a sua bolsa, faltava só mais um pouquinho.
— Nick? – chamou Theo, com o susto eu soltei o caderno.
O garoto se virou e olhou para mim e demonstrou algo como surpresa. Eu estava perto demais. Eu era um comoleto idiota! Já estava com ele nas mãos. Não tinha a menor chance para eu recuperá-lo agora. Se eu pedisse ele podia acabar vendo o que tinha dentro.
— Nick, acabei de receber uma mensagem de Tyler, ele está nos esperando – diz Theo atrás de mim.
Eu balancei a cabeça sem condições de falar. Deixei Theo me conduzir pelo corredor até a entrada da escola. Meu coração estava disparado. Se aquele garoto encontrasse o meu diário dentro da sua bolsa eu estaria perdido. Perdido!! Seria difícil desmentir o que eu escrevi ali. Eu tinha que pegar ele de volta de qualquer jeito.
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Diário para dois
Teen FictionA adolescência é uma fase de constantes descobertas, e para Nick é ainda mais complicado. Após ser abandonado em uma nova cidade por seus pais que decidiram sair de férias e fugir de seus problemas, ele decide que dessa vez fará com que a sua presen...