Capítulo 5

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   Dois dias se passaram desde que eu deixei o meu diário cair na bolsa daquele garoto. E com o início das provas ficava cada vez mais difícil para eu conseguir me aproximar dele. Às vezes eu ia espiar os treinos do time de basquete mas as bolsas deles sempre ficavam trancadas no armário. Eu seria uma pessoa tão ruim se arrombasse um armário? Ele sentava na mesma mesa do refeitório com o seu grupinho todos os dias. E chegava no mesmo horário. Atrasado. Eu nunca via quando ele ia embora. Estava começando  a me sentir um stalker.
   — Nick você está escutando? – pergunta Lauren virando o meu rosto para ela.
   — Estou. Amanhã, certo? Às 14:00 horas? – respondo só até a parte em que escutei.
   — Isso. Parece que você estava realmente escutando, diferente do Theo – resmungou o encarando.
   — Eu irei esperar pelo Nick na estação. Não se preocupe estaremos lá – garantiu Theo.
   — A treinadora nos fez ensaiar uma coreografia nova e as meninas estão pouco insegura com isso. Tenho medo de fazermos feio na frente do outro time.
   — Você é uma boa líder com certeza conseguirá guiá-las.
   — Concordo com Theo, ninguém é páreo para os comandos de Lauren Stanley – falei sacudindo um pompom imaginário e eles riram.
   — Obrigada meninos.
   Depois que o sinal tocou voltamos para a sala, por mais que eu quisesse permanecer ali vigiando cada movimento de Josh ao mesmo tempo não estava a fim de escrever uma autocrítica. O que eu não conseguia entender era o porque de Josh demorar tanto para falar comigo. Ele provavelmente já havia lido. Será que está esperando o momento certo para me zoar? Soltei um gemido e apoiei o rosto sobre a mesa.
   — Nick você está bem? – perguntou Theo cutucando a minha costa.
   Eu virei para ele e forcei um sorriso.
   — É, acho que estou.
   Ele me encarou como se não acreditasse mas não me obrigou a falar nada e concordou com a cabeça, aceitando a minha resposta. O senhor Benson entrou na sala e antes que eu me ajeitasse na cadeira ele disse que podíamos voltar juntos se eu quisesse e assenti.
   Eu não havia feito progresso algum para recuperar o meu diário e não sabia por onde começar. Talvez fosse melhor pedir para Lauren me apresentar ao Josh mas, será que eles eram próximos o bastante para isso? Não ousaria soltar outro gemido e chamar atenção de Theo. Passei os últimos horários da aula planejando como fazer essa aproximação. Mesmo que ele tivesse visto, o que ganharia me zoando? Quando o encontrasse novamente seria direto e pediria o diário.
   Tyler insistiu para ir conosco e Theo acabou cedendo para que ele parasse de reclamar no seu ouvido. Estranhamente Theo parecia mais tolerante com relação a Tyler. Era quase certo dizer que voltaram a ser amigos, e bem, possivelmente eu fui o elo entre eles. Eu não sabia muito sobre o passado deles mais se seriam amigos, desejava que tivéssemos um convívio no mínimo pacífico. E acho que eles também não queriam me ver no meio dessa tensão entre eles.
   — Porque eu não posso ir lá? O Theo já esteve na sua casa – protestava Tyler ao chegarmos na plataforma.
   — Er... que eu... ele... – encarei Theo desesperado por ajuda.
   Não sei se estava preparado para que mais alguém visse os meus mangás, ainda que esse alguém fosse o Tyler.
   — O apartamento de Nick é meio pequeno e você costuma ser espaçoso demais – conclui Theo e eu suspiro.
   — Humpf. Eu não me importaria de ocupar o mesmo espaço que Nick – provoca Tyler segurando o meu queixo com a ponta dos dedos.
   Theo tirou a mão dele de mim e o puxou pela gravata.
   — Já disse para não encostar nele – falou Theo por entre os dentes.
   A paz entre os dois não durou muito. Acho que a relação deles era um misto de amor e ódio. Tyler não conseguia ficar um segundo sem irritar Theo. Era fácil vê-los perder a compostura quando saíamos juntos.
   — Adoro sacanear você – diz ele com uma risada autêntica.
   Ouvi o barulho nos trilhos e olhei para a direção oposta.
   — É o meu trem. Nos vemos amanhã.
   — Posso vir te buscar também – sugeriu Tyler.
   — Não você não – estrilou Theo.
   — Anh... esses lugares costumam ficar um pouco lotados então acho melhor você guardar um espaço para a gente na arquibancada.
   — É claro, eu guardo um para você.
   — Eu também irei. Mas se não tiver espaço, posso sentar na perna de Nick – diz Theo com um brilho nos olhos. — Você não se importa, certo?
   — Ah, nã...
   — Nem pensar! Eu guardo dois lugares – retrucou Tyler.
   Theo parece ter vencido essa. Ele abriu um sorriso de lado. Não passava de provocação. Eles agiam como perfeitos rivais de um mangá bl. Sacudi a cabeça para afastar esses pensamentos e me distanciei deles. Olhei para trás uma vez e os vi se encarando, bom, eu espero que ao menos consigam chegar em casa sem nenhum hematoma. Quando as portas se fecharam eles acenaram e eu retribuí.
   Meus olhos começaram a pesar e o movimento do trem estava me fazendo cochilar. As portas se abriram e eu despertei. Um garoto com suéter amarelo e calça azul-marinho entrou e parou ao meu lado. Ele usava um tênis de cano alto, típico de jogador de basquete. No blazer que ele carregava na mão li o nome escrito. Colégio West. Gelei. Era ele. Josh!
   — Oi – cumprimentou ele sentando do meu lado.
   — O-oi – gaguejei nervoso.
   Não pode ser. Ele não iria querer conversar sobre aquilo ali, iria!? Se eu fingisse um desmaio será que funcionaria? Não. Eu não podia desmaiar antes de recuperar o meu diário.

   — Era você naquele dia, não é? – perguntou ele de repente.
 

  Eu engoli em seco. Ele realmente ia falar disso ali! Respirei fundo.
   — Bom, sim. Mas naquele dia eu e o Theo estávamos com pressa e não vi você na porta. Me desculpe por aquilo – respondi, enrolando para criar coragem.
   Ele me encarava com a testa franzida como se eu não tivesse entendido a pergunta. Mas sorriu. E não sei se ele estava rindo de mim ou de qualquer outra coisa que lembrara.
   — Eu não sabia que você também pegava esse trem – disse completamente surpreso. Já fazia quase um mês e essa era a primeira vez que nos encontrávamos.
   — Hoje saí mais tarde da escola, então acabamos nos encontrando. Normalmente eu pego uns dois antes desse.
   — Entendo.
   — Você é amigo da Lauren?
   — Ah. Sim, sou. Vocês se conhecem?
   — Sim. Eu sou o capitão time de basquete e ela é a capitã das líderes de torcida, nos vemos com frequência nas reuniões como a de hoje – respondeu cobrindo um bocejo com a mão.
   Como pude esquecer de algo tão óbvio? É lógico que eles eram próximos. Meu olhar desviou de seus para a mochila em sua perna.
   — Você... a sua bolsa... não é a mesma de quando esbarrei em você? – minha voz vacilou.
   — Não. Eu só uso aquela durante os treinos.
   Quase dei uma gargalhada. Não havia a menor possibilidade de recuperá-lo naquele instante ou talvez ele nem tivesse chegado a ler. Josh se levantou antes que eu pudesse falar sobre o diário.
   — Cheguei.
   — Mas já? Espera, você também desce nessa estação? – perguntei me dando conta de onde estávamos.
   — Sim. A minha casa fica a uns 10 minutos daqui.
   — Hum – murmurei em resposta enquanto o seguia para fora do trem.
   — O que houve?
   — Nada. Só tive a impressão de que o trem andou mais rápido hoje. Acho que é porque fiquei conversando com você e não vi o tempo passar.
   Eu só podia ter alguma coisa de muito errado. Como eu conseguia conversar tão distraidamente com um garoto que acabei de conhecer e que está em posse do meu diário? Meio que me sinto inquieto perto dele. É completamente diferente de quando estou com Mattheo e o Tyler.
   — Será? Podemos fazer isso de novo amanhã – sugeriu ele se virando para me encarar.
   — Amanhã!?
   — Você vai para a competição de basquete, né?
   — Vou – Lauren me odiaria se eu não fosse.
   — Certo. Te encontro aqui na plataforma amanhã.
   — Combinado.
   — A minha casa fica para esse lado – diz ele apontando para o lado contrário de onde moro. — então, tchau.
   — Tchau.
   — Ah. Pode me chamar de Josh – fala, parando no meio do caminho e eu assenti. Apesar de não ser uma novidade para mim.
   — Nickolas. Nick – grito de volta para ele que acena de longe.
   Meu celular vibra e eu olho a barra de notificação e volto a bloquear a tela ignorando mais uma mensagem.
   O meu apartamento está uma completa bagunça. Os mangás de Hirano and Kagiura recém-lançados estão espalhados pela minha cama. Eu virei a noite lendo e por pouco não perdi a hora. Quatro horas era tudo o que tinha para organizar o meu apartamento, me arrumar e depois ir encontrar com Josh.
   Quando o vi parado de frente para os trilhos corri até ele, o que era um esforço já que a calça e o casaco não ajudavam muito. Josh estava com uma camisa azul claro e um casaco azul-marinho por cima. E usava os tênis cano alto, porém os de hoje eram totalmente brancos diferente dos de ontem que tinham uns detalhes pretos.
   — Desculpa, acabei acordando tarde.
   — Não se preocupe. Eu não teria problema em esperar mais um pouco.
   — Mas aí você chegaria atrasado.
   — Chegaríamos em cima da hora. E daria tudo certo se o outro time atrasasse – diz Josh contando com a sorte.
   — Então como o capitão do time de basquete, você ainda teria problemas?
   — É – admitiu ele. — Que bom que você chegou.
   Eu ri da expressão de alívio e gratidão estampados no rosto dele. O nosso trem chegou fazendo voar poeira e eu fechei os olhos imediatamente. Quando os abri, Josh estava parado a centímetros de mim. Por ser mais alto do que eu, ele evitou que a areia trazida pelo vento entrasse nos meus olhos colocando o seu corpo na frente do meu.
   — Você está bem?
   Sua voz sai baixa e rouca próxima ao meu ouvido e eu não consigo achar a minha, então faço que "sim" com a cabeça e entramos no trem.
   Quando chegamos Theo ficou nos encarando por alguns segundos em silêncio, e como na maioria das vezes, eu não sei o que está pensando. Ele era melhor em ler a minha mente do que eu em ler a dele. O medo de que ele entendesse tudo errado me paralisou. Theo já tinha visto os meus mangás de romance bl e naquele momento podia estar pensando exatamente nisso.

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