Josh passou a visitar a minha sala com mais frequência depois que descobriu que pegávamos o mesmo trem. Desde o jogo de basquete ele começou a me chamar apenas de Ni, não que isso me incomodasse mas eu tinha medo que toda essa proximidade fosse mal interpretada pelos outros. Durante as nossas conversas eu tinha cada vez mais certeza de que Josh por alguma razão ainda não havia encontrado o meu diário. Ainda.
Ele me disse que teria treino à tarde e não poderia voltar comigo, talvez eu conseguisse invadir o vestiário masculino e abrir o armário dele para pegar o diário em sua bolsa. Eu ia me sentir uma pessoa horrível mas ao menos seria uma pessoa horrível com o meu diário na mão. O sinal tocou e comecei a guardar o material.
De esguelha vi Tyler se aproximar e sentar na mesa ao lado da que o Theo ocupava.
— Nick. Por acaso você está namorando com aquele garoto alto que sempre vem aqui na sala? – pergunta Tyler sendo bem direto.
— Hum!?
— Não seja tão intrometido – defendeu Theo chutando a mesa que Tyler estava sentado.
O fato dele não ter negado por mim me fez pensar que seria melhor ele ter ficado calado. Me viro para trás ficando de frente para eles.
— Tudo bem – digo para Theo. — Mas porque está me perguntando isso de repente?
— Ah, sei lá. É que vocês parecem bem íntimos e eu nunca o vi chamar pelo seu nome.
— Você está com ciúmes? – provocou Theo.
— Lógico! Como se não bastasse ter que dividir o Nick com você agora tenho que ver ele saindo com esse tal de Josh.
— Nós somos apenas colegas de escola que pegam o mesmo trem, acho que a nossa relação se limita somente a isso – respondo ignorando a dimensão real disso.
— Bom, se não tem nada, acredito que esteja tudo bem vocês serem só amigos.
Theo me encarou com uma expressão de quem estava escondendo algo.
— O que foi? – indaguei.
— Nada não – respondeu ele porém o seu olhar não me passava muita confiança.
Me despedi deles na porta da sala e me esgueirei até o vestiário masculino da quadra de basquete. Eu parei diante da porta e respirei fundo algumas vezes para que as minhas mãos parassem de tremer. Da distância em que estava podia escutar a fricção dos tênis contra o piso da quadra. Só precisava de alguns minutos. Passei para dentro do vestiário e deixei a porta entreaberta para ouvir as vozes caso alguém aparecesse.
As luzes estavam desligadas. Olhei com atenção todos os nomes até encontrar o de Josh. Eu havia surrupiado a chave dele alguns dias antes quando "acidentalmente" trocamos as chaves por engano. Procurei na minha mochila e puxei o chaveiro com a chave do meu apartamento, eu havia colocado ela junto para não perder. Minhas mãos estavam suando e tive a brilhante ideia de esfregar na calça para secar, mas a droga do chaveiro engatou no bolso e caiu no chão com um tilintar.
O sol estava quase se pondo e parou de refletir a sua luz na sala. Me ajoelhei tateando o chão e senti a ponta dos meus dedos encostar no chaveiro de gatinho. Encaixei a chave mas não a girei. A claridade das lâmpadas que se acenderam fez o meu corpo travar e retirei a chave guardando no bolso do blazer.
— Ni? O que você está fazendo aqui?
— Er... eu... é que... – gaguejei tentando formular uma boa justificativa.
— Deixou alguma carta no meu armário? – brincou ele esticando o braço para apoiar na porta do seu armário.
Ele usava uma faixa na testa para impedir que a sua franja caísse nos olhos. A proximidade me deixou em transe e me deteve entre ele e o armário. Minha mente me fez recordar o calor do abraço de Josh. Por que estou lembrando disso agora? Porquê? Já haviam passado alguns dias.
— Eu só fiquei um pouco preocupado com o fato de você voltar sozinho e o clima mudou de repente, não sabia se você tinha trazido um... guarda-chuva – a minha voz soava mais aguda e nervosa do que eu gostaria mas se tornou lenta e baixa quando Josh prendeu uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Você é tão atencioso. Não quer namorar comigo Ni?
O meu coração começou a palpitar impossivelmente rápido e senti o rubor tomando conta do meu rosto e me afastei dele. Não precisava que Josh me visse corar por causa do que havia dito.
— Uhg, não.
Josh começou a rir. Ele só estava me provocando.
— Vamos voltar juntos?
— Tá. Eu vou te esperar na entrada – respondi saindo dali.
Quando conversava com ele eu meio que me sentia sufocado. Não era para eu ficar tão desconcertado. Será que eu sou assim? Balancei a cabeça. Não fazia sentido. O Josh vivia cercado de garotas bonitas, não tinha como ele estar interessado em mim. Eu nunca pensei nele dessa forma mas ele falou aquilo do nada, e com aquela expressão. Parecia um pedido tão real.
O barulho dos pingos da chuva interromperam os meus pensamentos. Ótimo. Agora eu teria que andar até a estação com o ombro colado ao de Josh. Ele era mais alto então concordamos que seguraria o guarda-chuva. A minha respiração estava acelerada, as palavras dele não paravam de se repetir na minha cabeça. Acho que é a primeira vez que não sei explicar o que estou sentindo. Como ele conseguia agir tão normalmente depois do que disse? O que eu podia esperar, era só uma piada afinal.
Já estávamos no trem quando Josh voltou a conversar comigo. Ele passou o caminho todo se preocupando em nos desviar das poças de lama.
— Então, vai me dizer o que estava fazendo em frente ao meu armário?
— E-eu... nada. Eu só achei que acabaríamos nos encontrando se eu fosse até lá.
— Não imaginei que você sentia tanta falta de mim quanto eu sentia de você – disse ele com um sorriso malicioso nos lábios.
— Você não deveria dizer essas coisas em público e ainda mais quando não se está em um relacionamento – virei o rosto para frente corando.
— Você está certo. Sinto muito.
Ele ficou calado por um instante, porém, não parecia magoado era mais como se ponderasse algo em silêncio.
— Depois do período de provas, pode ser? – eu não entendi do que ele estava falando mas me vi concordando.
Descemos do trem e Josh parou diante de mim, mas não me abraçou como das outras vezes em que se despedia. Ele afasta a franja da testa e estica a mão até o meu rosto sem me tocar.
— Espero conseguir parar de pensar em você para me concentrar nas provas – ele recua a mão e acena. — Tchau Ni.
Ele virou de costas e se afastou. Uma despedida nunca doeu tanto, mesmo sabendo que veria ele depois de alguns dias. O que estava acontecendo comigo? Josh tinha muitos amigos, porque sentiria falta de mim? Porque me disse aquelas coisas?
Na manhã seguinte quando cheguei na escola encontrei com Lauren saindo da minha sala. Ela reclamou que Theo estava ocupado ensinando Tyler e brigou com ela por estar distraindo eles. Era raro ver Lauren ficar chateada por alguma coisa, ou talvez não estivesse totalmente independente de Theo. Eu prometi que a levaria para tomar um sorvete depois da escola e isso a animou. Espero que ela não tenha entendido o meu convite como um encontro.
Os dois pareciam bem concentrados nos livros quando eu sentei na cadeira à frente deles. Tyler tirou o pirulito da boca e sorriu para mim e Mattheo bateu com algumas folhas na cabeça dele para que prestasse atenção no que explicava. Theo se abaixou para tirar uma pequena sacola de papel da mochila e me entregou.
— O Josh passou mais cedo aqui na sala e pediu para lhe entregar isso.
Eu abri a sacola e vi um caderno de capa verde. Não lembrava de ter emprestado nada para ele e nem dele ter dito que me emprestaria algo. Estranhamente aquele livro me era tão familiar. Não era possível! O Josh estava devolvendo o meu diário!? Quase me engasguei o que me fez tossir.
— Você pegou um resfriado? – indagou Theo.
— Não acho que seja isso.
— Posso ver? – perguntou Tyler.
— Não – respondi enfiando a sacola com o diário na mochila. Definitivamente não.
Quando chegasse no meu apartamento deixaria o meu diário na gaveta da escrivaninha. Decidi não levá-lo mais para a escola e nem escrever nada por um bom tempo.
— Humm – murmurou ele. — Porque sinto uma diferença de tratamento aqui?
— Em breve o que você irá sentir é esse livro na sua cabeça – ameaçou Theo. — Mantenha-se focado.
Apesar de estar tenso eu ri da dedicação do Theo em ensiná-lo.
Como os dois passaram a estudar juntos em todos os intervalos que tínhamos e Theo disse que não me queria por perto por desconcentrar o Tyler, eu comecei a passar todo o meu tempo livre com Lauren. E ela adorava poder estar com ao menos um de nós. Eu me sentia realmente grato por Lauren não se incomodar, pois Mattheo, Tyler e ela eram únicos amigos que eu tinha.
Sendo uma garota tão gentil e extrovertida não conseguia entender como Lauren ainda não tinha um namorado. Não que essas fossem as únicas qualidades dela e nem que toda garota necessariamente precisasse de um namorado. Na verdade eu admirava a independência e a força que tinham para fazer qualquer coisa que quisessem. Era difícil ser uma garota, e elas eram incríveis.
Que bom que eu tinha ela como amiga ou me sentiria sozinho nessas horas. Ela me envolveu em um abraço quando nos despedimos no refeitório e eu retribuí. Estávamos ficando cada vez mais próximos e eu era completamente encantado pelos os seus olhos verdes. Lauren era muito bonita.
O período de provas tinha acabado e mais de uma semana havia passado. Não esperava ver Josh até o momento de nos encontrarmos na entrada da escola para ir à estação, mas ele se antecipou e estava parado em frente a minha sala.
Você sabe que os seus pulmões precisam de ar, então você o dar. Mas quando o vi parado ali, eu senti que precisava de algo mas não sabia o que.
Ele observou os outros alunos sair e ao olhar para mim sorriu. Seguimos pelo caminho de sempre para a estação.
— Parece que o trem vai atrasar – comenta ele após o aviso da mensagem programada. — Vamos conversar um pouco.
Nós sentamos em um banco afastado das outras pessoas e ele estava com uma expressão séria.
— Eu achei o seu diário e meio que acabei lendo.
Um arrepio percorreu o meu corpo e permaneci calado sem saber como deveria reagir a isso.
— Foi por isso que você se aproximou de mim?
Eu virei para encará-lo e o rosto de Josh estava inexpressivo, mas não havia dúvidas de que se sentia usado.
— N-não. Quer dizer no começo pode ter sido só por isso mas depois... você parecia ser tão diferente do que eu imaginava que eu... quis me tornar seu amigo.
— Ahn... Ni, eu andei pensando e, sabe... – começou ele.
— O que?
— Eu gosto de você, Nickolas. O pedido que lhe fiz no vestiário era válido.
Minhas bochechas começaram a arder e desviei o olhar. A sua confissão me surpreendeu. Ele estava falando sério daquela vez?
— Huh. Er... não sei o que eu... – o barulho do trem se aproximando interrompeu a minha fala.
— Você não precisa se sentir pressionado a me responder agora. Apenas já estarei feliz se você considerar pensar sobre o assunto.
O meu cérebro estava embaçado e os meus sentimentos uma completa confusão. Depois de alguns segundos digo a única coisa que me parece certa.
— Eu irei pensar, prometo – respondi me inclinando por cima de nossas bolsas que nos separavam.
Josh está corando e cobre a boca com uma das mãos, concordando com a cabeça. Ele pega a sua bolsa e se levanta, eu fiz o mesmo e entramos no vagão.
Ainda não sei se sinto o mesmo por ele no sentido literal de gostar, do tipo estar "apaixonado". Talvez... eu realmente deva começar a pensar no que eu sinto pelo Josh.
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Diário para dois
Teen FictionA adolescência é uma fase de constantes descobertas, e para Nick é ainda mais complicado. Após ser abandonado em uma nova cidade por seus pais que decidiram sair de férias e fugir de seus problemas, ele decide que dessa vez fará com que a sua presen...