Nós paramos em uma lanchonete depois de ter comprado todo o material e Tyler não conseguia parar de rir. Eu cobri o rosto com o cardápio. Seria muita maldade da minha parte pedir para o Mattheo dar um soco nele?
— Eu não acredito que você achava que eu fosse gay – disse ele entre risos.
Sério. Eu quero muito dar um soco nele, mas acho que isso só iria fazer ele rir ainda mais.
— O que queria que eu pensasse? Você agia como se estivesse flertando comigo o tempo todo – respondo com as bochechas vermelhas.
— Foi por isso que falei para você ficar longe de Tyler – diz Theo com uma expressão cansada.
— Ora Mattheo, você ainda se lembra? – provocou Tyler com um olhar sedutor.
— Não mencione esse meu passado negro.
— O que aconteceu? – indaguei curioso.
— Já que você está tão interessado eu lhe conto.
Enquanto ele se virou para me encarar, Theo apoiou os braços na mesa e encostou a cabeça, ficando com o rosto voltado para baixo.
— Eu conheci Lauren e Theo no ano passado, nós estudávamos na mesma turma em outra escola. Por mais inacreditável que pareça nós dois éramos melhores amigos.
Continuei o observando atentamente para que ele continuasse a história. Theo ainda permanecia imóvel curvado sobre a mesa de madeira.
— Nós três saíamos juntos com frequência e por mais que eu estivesse com eles, eu não conseguia evitar a sensação de estar sozinho. Era como se faltasse algo que preenchesse esse vazio – diz ele fazendo uma pausa.
Olhamos para Theo que estava quieto. Me perguntei se ele já havia adormecido.
— Foi quando eu conheci a Alyssa, ela estudava na escola que frequentamos hoje. No começo éramos só amigos e com o tempo eu comecei a me interessar mais por ela. Com a nossa proximidade eu descobri que ela gostava de mangás yaoi e acabei lendo alguns para tentar entendê-la melhor.
— V-você leu!? – perguntei incrédulo.
— Só uns três. A Alyssa ficava toda empolgada sempre que lançava um volume novo de garotos delinquentes – disse ele com uma risada fraca. — E então, percebi que estava me apaixonando por ela.
— Eu vou ao banheiro – avisa Theo se levantando.
Tyler o observou passar entre a cadeira dele e a parede que nos separava do corredor em que ficava os banheiros.
— Sem perceber eu acabava agindo como esses personagens quando eu estava perto do Theo. Ele ficava nervoso e todo envergonhado, as reações dele eram muito fofas. Sei que é estranho um garoto achar o outro fofo, não deveria ser, mas é. Eu passei a provocá-lo por causa disso, mesmo que eu sempre acabasse apanhando dele no final. Eu não queria ter causado tantos problemas para ele.
— Como assim!?
— Eu não fazia isso quando tinha outras pessoas em volta, mas alguns garotos da nossa turma acabaram vendo. E começamos a ouvir indiretas e ser alvo das piadas maldosas.
Senti um aperto no peito e me lembrei da sensação de ter todos falando sobre mim na minha antiga cidade.
— Eu já estava namorando com a Alyssa, mas por ela ser de outra escola quase ninguém sabia sobre o nosso relacionamento. E a Lauren estava começando a ganhar mais confiança em si mesma, eu não queria que isso a afetasse. Então eu decidi me afastar dos dois, pensei que se estivesse longe o bastante não teriam mais motivos para implicarem com o Theo.
— Mas não foi o que aconteceu, não é? – palpitei.
Ele balançou a cabeça em negação antes de continuar.
— Me distanciar dele causou justo o contrário. Foi como se eu tivesse soltado a mão do Theo para que ele encarasse sozinho todas as consequências da besteira que eu fiz. Ele era o meu melhor amigo e eu fui aquele que mais o machucou. Eu bati nos garotos que o perseguiam e fui expulso. Talvez fosse melhor assim. Só não imaginava que Lauren e ele haviam pedido transferência para outra escola.
— E então, vocês se reencontraram e agora estão na mesma sala – concluí e ele concordou.
— Aparentemente o Theo não guardava nenhuma mágoa. Por eu ter me tornado o representante de turma ele falava comigo normalmente, apesar de sempre se manter indiferente. Eu me surpreendi quando ele me chamou no dia em que conheci você. Eu tentei não demonstrar o nervosismo que estava sentindo e agi com a mesma frieza que a dele. E daí ele fez aquele comentário sobre você ficar longe de mim e eu não resisti a tentação de provocá-lo – diz Tyler rindo, provavelmente lembrando da cena.
Eu não ousei rir. Não com Mattheo parado atrás dele. Me distraí com a conversa que não percebi a quanto tempo ele estava parado lá.
— Que fique claro, eu não o odeio – disse, fazendo o Tyler sobressaltar-se.
— Você... é... o quê? – começou Tyler enquanto Theo sentava.
— Eu apenas queria evitar que Nick passasse pelo mesmo mal-entendido. Mas acho que exagerei na preocupação e fui injusto com você.
— Entendo. Você só costuma ser superprotetor demais – provoca Tyler e percebo que ele adora irritá-lo.
— Acho que em breve o Nick não vai mais precisar da minha proteção – rebate Theo.
— O que? – pergunto confuso.
— Nada não. Tyler se já terminou de contar a história é melhor irmos, temos que deixar Nick na estação e descansarmos para os preparativos do festival.
— Eu também? Posso mesmo ir com você? –
— Claro – respondeu se levantando. — Você é o único delinquente confiável que conheço.
Eu abri um sorriso discreto enquanto saíamos da lanchonete. O desentendimento e o clima de tensão entre eles não passava de uma falta de comunicação.
— Isso não me pareceu um elogio, soou mais como uma forma de falar mal de maneira indireta.
Mas talvez Tyler não conseguisse passar um segundo sem alfinetar Theo.
— Pense o que quiser. Mais a culpa é sua por sair por aí arrumando brigas com os outros. Você podia ao menos ter me contado.
— Porque? Teria sido diferente? – perguntou Tyler andando mais atrás da gente.
— Com certeza teria – sussurrou Theo, porém não saiu baixo o suficiente para eu não escutar.
Entregamos o material da decoração para as garotas no dia seguinte e os dois grupos de garotos se dedicaram no preparo de bebidas e comidas. As semanas passaram rápido mas conseguimos deixar tudo pronto para o festival. O tempo que passei ao lado de Tyler me fez conhecer uma outra versão dele. Um líder sério e responsável.
As garotas fizeram os últimos ajustes nas roupas dos meninos e terminaram de decorar a sala que nós arrumamos para elas. Estava parecendo uma cafeteria oriental muito aconchegante. Mas não sei se isso seria o bastante para ganharmos.
Ao pensar nisso, as palavras de Josh ecoaram nos meus pensamentos. "Apesar da competição entre as turmas, não esqueçam de se divertir." Será que eu conseguiria vê-lo durante o festival? Eu mal tive tempo de pensar direito sobre nós, mas eu lembro de só me sentir atraído por garotas até agora. É claro que eu gostava do Josh mas... como entender a intensidade desse sentimento? Eu precisava chegar a uma conclusão logo.
Eu estava do lado de fora da sala terminando de colar os cartazes quando fui envolvido por um abraço. E senti a leve pressão contra a minha nuca, onde a sua cabeça estava apoiada. Eu estava de costas e não dava para ver o rosto de quem era, mas não seria necessário, o perfume que Josh usava era inconfundível.
— Posso te sequestrar? – diz ele com o tom de voz baixo, próximo ao meu ouvido.
Um arrepio percorreu o meu corpo por baixo das camadas de roupa e torci para que ele não percebesse. Ainda tínhamos alguns minutos antes de começar o festival e eu queria ficar esse período com ele. Tenho medo de falar e ser traído pela minha voz, então assinto balançando a cabeça.
Josh me larga e eu me viro para ele que faz um maneio de cabeça para que eu o siga. Os corredores estão mais barulhentos e cheios do que de costume, que temos que andar com os ombros praticamente colados para não esbarrar nos outros. Josh parece não se importar com a possibilidade de alguém nos ver tão próximos e sinto quando ele une o dedo mínimo ao meu, entrelaçando.
Chegamos no terraço da escola e ele me encarou com um sorriso travesso nos lábios.
— Aliás, você está muito bonito – diz ele, o que me faz lembrar que estou com roupa de garçom.
As garotas fizeram cinco dos coletes na cor cáqui com as lapelas preta e detalhes nos bolsos da mesma cor e os outros cinco eram preto com detalhes cáqui nos bolsos. Nós optamos por usar camisas brancas e as gravatas combinavam com a parte que ficava perto do pulso.
— O-obrigado.
— Eu queria ter te procurado antes – diz ele com um olhar triste.
— Você devia estar ocupado com os preparativos da sua sala, porque se preocupar com isso?
— É normal sentir falta de estar perto de quem a gente gosta, não?
Eu realmente senti falta dele, mas será que podia considerar que esse sentimento igual ao de Josh?
— Ni? – chama ele e percebo que estou segurando a sua camisa.
— Ah, sinto muito – digo o soltando. — Eu não quis... fiz inconscientemente.
O que raios eu estava fazendo!? Josh se aproximou de mim e nós recuamos até eu estar com as costas contra a parede.
— Deixa eu ficar assim, só um pouco – pede ele com os braços em volta da minha cintura e a testa apoiada no meu ombro.
— Huh. Tá.
Ficamos ali parados em silêncio. Nunca considerei a hipótese me apaixonar por um garoto, até encontrar Josh. E agora estava começando a cogitar a possibilidade de um relacionamento. Eu continuava repetindo para mim mesmo que não podia ser isso. Mas como transmitir o que eu estava sentindo por ele? Como nomear esse sentimento?
Por mais que eu também queira não posso responder agora. Não posso machucá-lo com uma resposta sem certeza. Não quero acabar me arrependendo depois. Eu quero poder entender melhor o sentido de "gostar" do Josh. Quero ser capaz de responder a ele sem que haja mais dúvidas.
— Acho que quero pensar mais sobre você, ainda estou um pouco confuso com o que estou sentindo. Eu só preciso de algum tempo.
Ele apertou de leve o abraço e ergueu a cabeça. O seu rosto estava extremamente próximo ao meu.
— Tudo bem. Eu fico feliz que não tenha esquecido o que lhe disse, pode pensar o quanto precisar.
Minhas mãos subiram até as suas costas e eu as mantive ali.
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Diário para dois
Teen FictionA adolescência é uma fase de constantes descobertas, e para Nick é ainda mais complicado. Após ser abandonado em uma nova cidade por seus pais que decidiram sair de férias e fugir de seus problemas, ele decide que dessa vez fará com que a sua presen...