14- O trabalho duro está correndo em direção a uma mina

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    Havia se passado muito tempo, mas não sei ao certo quanto tempo foi. Eu e Max passamos nossos dias presos dentro desse ônibus, pois qualquer coisa nos assusta, qualquer barulho é motivo para ficarmos em completo silêncio, afim de sobreviver. Que forma mais terrível de viver.

Nas últimas semanas, nós chegamos a sair algumas vezes, e até arriscamos ir para a cachoeira e tomar um banho. Estávamos péssimos, e isso era nítido. A falta de roupas limpas fez com que a gente lavasse as que usávamos, o que não foi muito agradável, já que tivemos de ficar completamente despidos até que pudéssemos usá-las novamente.

  Os dias nesse mundo estão sendo cada vez mais difíceis, e apesar de Max e eu já sermos bem próximos, ultimamente ele não fala comigo sobre quase nada e está bem distante, nem mesmo olha nos meus olhos e sempre vira de costas para mim quando vai dormir. Eu não sei o que fiz para ele, mas acho que foi algo terrível.

   Estava um clima insuportável. Ele estava sentado de frente para mim, mas do outro lado do ônibus, enquanto eu o encarava em busca de respostas, mas certamente aquilo não iria adiantar, por isso resolvi me pronunciar.

── Será que você pode falar comigo? ── minha voz saiu consideravelmente alta, levando em conta o tempo que eu fiquei em silêncio. Foram quase duas semanas sem uma conversa decente.

── Dá pra fazer silêncio? Eu tô cansado da sua voz ── eu estava mesmo entranhando seu comportamento. Ele só foi assim nos primeiros dias que nos conhecemos.

── Mas eu não disse uma palavra nas últimas duas semanas! ── resmunguei.

── Mas você fala muito até quando tá calado ── ele parecia arrependido sempre que dizia algo, mas continua falando.

── Claro, me desculpa, não irei mais falar ── meu tom de voz soou mais indignado do que deveria. ── Não quero prejudicar a audição da vossa alteza Max, o rei da indiferença ──

Ele chegou a me olhar por cerca de três segundos antes de abaixar sua cabeça novamente.

── Cala a porra da boca ── a forma como ele falou...parecia mesmo arrependido. Então por que tá agindo assim, Max? Pensei.

── Vem cá, qual é o seu problema? Eu tô aqui pra você o tempo inteiro e do nada você começa a me tratar como um ninguém? Max, você disse que me amava ── eu não queria parecer fraco, mas a minha voz saiu embargada. ── Você não me ama mais, é isso?

E o seu olhar encontrou o meu. Seu olho também estava marejado, mas ele não me explicou nada, só ficou em silêncio e me olhando, então iria recorrer a única coisa que faria ele falar comigo.

Me levantei e caminhei para a porta do ônibus, a qual eu abri e saí para fora. Contei dois segundos até ouvir a sua voz pronunciar meu nome depois de tantos dias. Antes que eu tomasse qualquer outra atitude, senti sua mão agarrar meu braço e me puxar de volta para dentro do ônibus. Eu não sou de me gabar, mas sabia do poder que eu tinha sobre ele.

── Vai me contar por que tá agindo assim? ── ele suspirou e deslizou os dedos por entre os seus fios de cabelo.

── Porque eu te amo, Sky ── fiquei confuso.

── Se me amasse estaria ao meu lado, e não agindo como se eu fosse a pessoa mais horrível de conviver ── passei por ele a caminhei para os assentos do ônibus, me sentando em um deles.

Max ficou em silêncio por bastante tempo, e eu não questionei, afinal, tinha muita paciência.

── Pensei que se eu começasse a agir assim, faria você me odiar ao ponto de querer me matar ── ele proferiu, não me olhando diretamente. ── Então você poderia viver no meu lugar

Minha boca se entreabriu e eu não consegui dizer nenhuma palavras, estava tão surpreso que eu simplesmente desaprendi a falar. Não sabia se aquele era um ato romântico ou idiota. Talvez os dois.

── E em nenhum momento você pensou em como eu iria me sentir com isso? Eu fiquei me martirizando, pensando em todas as coisas que eu poderia ter dito para te magoar ── comecei a falar, e diferente dele, meu tom de voz estava bem baixo. ── Você é um idiota, Max

E ele finalmente veio em minha direção e se ajoelhou na minha frente, apoiando as mãos em meu colo. Seu olhar implorava perdão, e ele nem precisou dizer nada para que eu soubesse disso.

── Agora eu reconheço que te deixei mal, que fui um tolo e não pensei nos seus sentimentos ── ele juntou suas mãos como quem vai rezar. ── Me desculpa, Skyzinho. Eu amo você ──

── Apenas isso? Me ama? Me surpreenda mais um pouco ── era nítido que eu estava fazendo de propósito.

Ele respirou fundo e alcançou as minhas mãos com as suas antes de olhar nos meus olhos.

── O amo tanto que poderia reconhecê-lo por um toque, por seu cheiro. Poderia reconhecê-lo mesmo estando cego, somente pelo ruído de sua respiração ou pelo som de seus passos. Poderia reconhecê-lo na morte, no fim do mundo ── eu fiquei a ouvir suas palavras, e meu coração de acelerou. Eu jamais havia ouvido algo que soasse tão sincero quanto isto.

Meus olhos, exalando amor, se mantiveram presos a sua face. Meus dedos tocaram gentilmente seu rosto, e eu afastei a mecha de cabelo que cobria a parte que ele considerava deformada, mas para mim, era como uma obra de arte.

Um sorriso sucinto passou por meus lábios enquanto eu me perdia nos seus.

── Essas palavras são de Pátroclo sobre Aquiles, não suas ── eu sussurrei, ainda desconcertado.

── É que ele conseguiu descrever exatamente como eu me sinto com você, então faço das palavras de Pátroclo, filho de Menécio, suposto amante de Aquiles, minhas palavras para você, meu Sky ── era inevitável não sorrir. ── Você me perdoa, meu amor?

Segurei seu rosto entre as minhas mãos, e deixei um selar no topo da sua cabeça.

── Claro que sim

Ele sorriu ladino e continuou a me olhar. Não sabia bem, mas tinha algo mais ali, eu estava sentindo.

── Agora que estou perdoado, deixe-me perguntar...── sua face voltou a ficar séria. ── Quer ser meu namorado?

Eu deveria estar esperando muito tempo por aquela pergunta, pois meu peito se encheu de alegria, e eu não conseguia parar de sorrir.

── Se eu não te perdoasse, quanto tempo esperaria para fazer essa pergunta? ── queria apenas deixá-lo ansioso pela minha resposta.

Ele parou pra pensar alguns segundos.

── Até te encontrar na próxima vida, creio eu ── sua voz estava trêmula. Ele estava nervoso. ── Então...

── Sim, eu quero ser o seu namorado

E eu beijei o garoto que me trouxe a vida, na semana que um de nós vai morrer.

Jogador 59 - [LGBTQIA+]Onde histórias criam vida. Descubra agora