Como é linda a vista das montanhas quando você as olha pela janela de um carro, ainda mais quando se está triste e pensativo. As curvas que elas fazem, subindo e descendo como uma constante montanha russa. Vejo uma pequenina casa em meio a uma clareira, toda feita de pedras e barro, com uma chaminé muito graciosa saindo fumaça. Do lado de fora estavam duas crianças frenéticas, correndo em círculos atrás de um cachorro. Acredito que se divertiam muito. Um pouco mais ao fundo, próximo a uma pequena horta, havia um casal, estavam abraçados olhando as duas crianças brincando. Pareciam todos muito felizes.
Por um momento imaginei viver uma vida assim, simples, humilde, feliz e.........normal – sinto um nó em minha garganta e um aperto em meu coração ao pensar isso. Mesmo depois de tantos anos, ainda não superei. Balanço a cabeça de um lado a outro, na intenção de expulsar esses pensamentos ruins, não é o momento de me inundar com isso... Não hoje, muito menos agora!
Tudo é muito diferente da minha terra natal, e agora, a paisagem que vi quando cheguei a este país não é a mesma.
Ouço uma voz à distância, bem ao fundo, alguém falando incansavelmente em espanhol, não que eu não compreenda o que está sendo dito, mas o grande problema é que eu estou muito distante, perdido em meus pensamentos.
- Hey Hugo, você ouviu? Vamos passar um tempo juntos, eu sei, mas não precisa se preocupar, vamos passá-lo bem. – diz Sergio, ao ver a solidão estampada em minha cara – Vai dar tudo certo!
- Sim, eu sei Sergio. – solto um meio sorriso, tentando tranquilizá-lo – É só que eu me sinto um tanto envergonhado de te meter em toda essa bagunça.
- Cabrón, tranquilo, você não me meteu em nada – diz dando uma pequena risada – e nada disso é culpa sua. Venga chico, vamos passar bem.
Eu vejo que ele também está preocupado com esse período que vamos passar juntos, já faz muitos anos que ele vive sozinho e ao final, ele não tem obrigação nenhuma de me ajudar, já que ele apenas é o namorado da minha tia Adriana.
Sergio vive em um pequeno apartamento em Cardedeu, uma cidade próxima de Barcelona. Eu ainda não conheço o lugar, porém minha tia, antes de se despedir, me disse para não esperar grandes coisas dali.
- É uma pequena cidade de interior Hugo, então não vá com muitas expectativas, okay? – me avisa ela, enquanto me dá um tapinha em minhas costas e se despede de mim – Ainda mais você que é um garoto da cidade. – Sorri e vejo o quanto ela se esforça para me deixar tranquilo em relação a essa mudança.
- Admito que tudo que eu preciso agora tia, é um lugar tranquilo e um quarto só para mim – sorrio de volta dando o meu máximo para não transparecer a minha tristeza, apesar de que um quarto só para mim não é uma má ideia.
- Te conhecendo do jeito que te conheço, sei que um lugar tranquilo não vai te fazer bem – me olha fazendo uma pequena careta e com a mão no queixo, escondendo um pequeno sorriso – o que você precisa é de uma caneca de cerveja, uma boa conversa e uma discoteca.
Aqui na Europa eles chamam as boates de discotecas. É engraçado, porque pelo nome parece que você vai entrar em um salão com um globo de espelhos pendurado no teto, bastante cores e luzes, pessoas com calça boca de sino e danças estranhas, bem típico dos filmes dos anos sessenta. Mas na realidade nada mais é que um bar com música alta e gente se movimentando de um lado para outro, sem nenhuma dança muito elaborada.
- Tia, eu já sei que lá não vai ter nada do que estou acostumado, até porque quem vai me acompanhar para as discotecas? – lhe digo sorrindo, e dessa vez é real – Você é a pessoa que sai comigo para beber uma boa cerveja, com uma boa conversa, mesmo que seja em qualquer lugar.
- Hahaha, eu sei que sou maravilhosa – me responde com um grande sorriso no rosto e noto que ela está realmente falando sério, o que me diverte – e que não há ninguém tão divertida como eu lá, mas fica tranquilo que daqui uns dias estarei por lá e vamos a Barcelona nos divertir.
Concordo com a cabeça, me despeço dela com um abraço apertado, da Tia Helena e do Lucas, meu primo. Entro no carro, coloco meu fone de ouvido e escolho a playlist mais triste que tenho no Spotify, já estou pronto para viajar.
Volto dos meus pensamentos e percebo que Sergio continua falando sobre algo relacionado a animais, quartos, janelas... Tento me sintonizar novamente, porém não consigo. O interrompo e peço desculpas e também o peço para reiniciar a conversa.
- O que eu estava falando Hugo, é que você tem que tomar cuidado com os gatos – reinicia, sem se importar com a minha falta de atenção, realmente ele é uma pessoa muito amável e paciente – eu não costumo deixar as janelas abertas, então sempre que você estiver no seu quarto, fique atento nisso, vale?
- Sí señor – respondo sorrindo e coloco a mão na testa, simulando um sinal de continência – Anotado. E pode ficar tranquilo que eu irei cuidar bem deles, da casa, da cozinha, de tudo.
- Ah, quanto a isso eu tenho certeza. – me retorna com um sorriso bastante acolhedor, mesmo conversando bem alto, como os espanhóis costumam fazer – Sua tia não nega esforços em te elogiar por seu cuidado e sua presteza, e eu jamais me esqueço das comidas que você faz, sempre muito boas e bem feitas.
Me envergonho um pouco e sorrio. Eu adoro cozinhar, aprendi quando tinha apenas 6 anos de idade por necessidade, porém se tornou uma das minhas maiores e melhores terapias. O que eu mais amo na culinária é a capacidade que ela tem de tranquilizar qualquer situação e ambiente. Nada deixa as famílias mais unidas do que uma mesa de jantar cheia de pratos bonitos e deliciosos.
- Não é para tanto – respondo sentindo que estava ficando um pouco vermelho, não estou acostumado com elogios – só faço o que eu gosto e como eu gostaria que fizessem pra mim.
- Pois sim, é muito rica a sua comida. – diz enquanto está passando pela fronteira entre Andorra e Espanha – Mas agora vou te deixar descansar um pouco, creio que estes últimos dias para você não devem ter sido fáceis. Você quer falar sobre isso?
Olho para baixo, vejo minhas mãos tensionando uma contra a outra, meus olhos enchem de água e eu apenas balanço a cabeça em forma de negação. Não consigo sequer responder, verbalizar o que sinto, então continuo assim por alguns segundos e olho para ele.
Ele retorna a olhada e me dá outro daqueles grandes sorrisos bastante acalentadores e diz:
- Tudo bem, quando quiser. Teremos bastante tempo pela frente.
Consigo soltar um pequeno pedido de desculpas, mesmo a voz saindo um pouco afogada, mas ele assente e se concentra na rodovia. Coloco meus fones de ouvido novamente para funcionar e volto àquela playlist - curioso como quando estou assim tenho a tendência de ouvir as músicas que me derrubarão mais. Talvez assim eu me recupere um pouco mais rápido, ou não – recosto minha cabeça na janela do carro, a música está tocando e as lágrimas começam escorrer lentamente em meu rosto, sinto a sensação de calor que elas deixam em meu rosto e logo o frio da angústia que fica em meu coração vai se dissipando. Aparentemente quando choramos as dores vão embora. Na realidade ela não estava indo embora, eu apenas estava adormecendo.
Adormecendo lentamente ao som de um piano e os ruídos do vento. Mal sabia eu que isso me levaria a sonhar - sonhar não, ter um pesadelo – não apenas "um pesadelo", mas sim o maior pesadelo que eu já tive em minha vida, já que é uma recordação do momento mais traumático que eu já vivi.
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Aquilo Que Já Partiu Ainda Deixa Marcas (ROMANCE LGBTQIA+)
Teen FictionNo vibrante cenário de uma cidade de Barcelona, onde amizade e descobertas se entrelaçam, Hugo, um jovem com a mente cheia de sonhos e sentimentos confusos, se vê envolvido em um turbilhão emocional quando conhece Mario, um rapaz enigmático e cativa...