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     Era um pouco escuro por dentro. Espaçosa, sofás vermelhos, livros e mesinhas espalhadas. Tapetes estampados e cadeiras de madeira. Os lustres piscavam, a maioria das lâmpadas estavam queimadas, mas Harry se acostumou. Durante o dia, a luz solar adentrava o lugar todo e ficava lindo. As janelas tão grandes inicialmente fizeram Harry hesitar a um lugar tão exposto, mas não parecia passar tanta gente por lá. Havia uma lareira ao lado do sofá com resto de carvão queimado, apagada há muito tempo.

     A cozinha levava a mesma constituição. Harry não sabia se o fogão funcionava ou não. Não havia geladeira, ele comprou um pequeno freezer e deixou por lá. A água corria normalmente. Aparentemente era uma casa constantemente limpa, mas não reformada. E Harry não sentiu vontade alguma de reformar, ele achava que jamais conseguiria conhecer todos os quartos e trocar todas as luzes queimadas, ele sabia que faxinar aquele canto seria terrível e exaustivo, ele sabia que poderia ter escolhido qualquer outra casa de um quarto, no máximo dois. Ele não sabia o que o levou a escolher aquela, mas aparentemente foi aceito, então aceitaria também.

     Não passava muito tempo dentro de casa, preferia as rochas e a praia mansa, mas nunca molhava os pés. Sem sentir que precisava vasculhar algo, nunca teve muito interesse em descobrir o que estava em sua frente. Escolheu o último quarto em que entrou, uma cama de casal com lençóis vermelhos, poltrona, armários, prateleiras repletas de livros e um baú ao lado da cama, trancado. Ali ele resolveu procurar. Abriu um, dois, três, todos romances de muito tempo atrás, costurados a mão com capas sujas e coloridas, mas ele precisou parar de mexer quando começou a espirrar. Abriu a janela com vista para a praia da parte mais alta da casa e guardou suas roupas, mas decidiu que o cavalete deveria se manter na sala. Harry não usava muito o quarto, nem mesmo para dormir. Às vezes ficava na janela, olhando, mas apenas às vezes. E sem saber como acontecia, ele de vez em quando dormia e acordava no sofá. Se levantava, comia e caminhava pelas rochas. Gostava de assistir a praia, mas nunca desceu até lá. Então voltava, posicionava o cavalete onde batia sol e pintava. Pintava na sala, nunca no quarto. O quarto era pequeno e não muito arejado. A sala tinha mais cor, era mais viva, fazia mais sol e estava mais perto do restante do mundo, um pouco mais seguro.

     Apesar do tamanho da casa e da vida que levava, Harry não se sentia sozinho. Havia sempre algo para mantê-lo entretido, e apesar do silêncio, não era ruim. Ele ainda podia escutar as ondas quebrando e os pássaros correndo. Ele escutava o vento soprar, bater nas telhas e balançar os lustres. Escutava os grilos e seus vizinhos. Uma casa tão imensa deveria soar assustadora, mas na verdade o acolhia muito melhor que qualquer lugar pequeno em que já morou. Ainda era severamente desnecessário, sim, e ele pensou em alugar alguns quartos para hóspedes, mas descartou a ideia logo em seguida.

     Zayn bateu em uma terça-feira à tarde, entrando antes que Harry abrisse, carregando uma grande caixa de transporte de animais: "Como você está?"

     "Eu estou bem, e você?" Ele tentou espiar. "O que você tem aí? Formando sua família?"

     "Isso é para você." Zayn se agachou no chão, abrindo a caixa e esperando que ela saísse. Apenas o focinho foi exposto de início. "Você me preocupa às vezes. Não quero que passe tanto tempo sozinho. Tem um saco de ração no porta-malas do carro, mas sei que dinheiro não é um problema para você. E ela sabe usar o banheiro apenas fora de casa, embora você tenha cômodos sobrando onde ela poderia urinar. Leve-a na praia, ela vai gostar."

     "Está me dando uma cachorra?"

     "Ela é quieta como você. Vocês vão se dar bem." Zayn expôs os dentes brancos em um sorriso largo e irônico, assistindo o amigo dar a mão para a cachorrinha cheirar, acariciando-a alguns instantes depois. "Você está realmente ok?"

     "Eu nunca tinha pensado em ter um animal de estimação. Obrigado." Harry sorriu. Zayn sorriu de volta, revirando os olhos.

     "Estou aqui para isso." Eles assistiram ela sair da caixa, aos poucos. "Não é um filhote, ela tem cerca de 2 anos e alguns meses."

     Uma cachorra de estatura mediana, pelo preto e olhos castanhos avaliando atentamente sua nova casa, cheirando os pés de Harry.

     "Ela tem um nome?" Harry achou que estava meio esverdeada, mas provavelmente era impressão.

     "Sadie."

     "Olá, Sadie."

     Ela lambeu as calças dele e Zayn pareceu satisfeito. "Eu tenho que ir. Você tem certeza que está bem?" Eles trocaram olhares e, um pouco frustrado, Zayn sabia que não precisava insistir. Conhecia o amigo de infância bem demais para saber que ele não mentia, e que embora fosse estranho, ele realmente parecia alegre naquela casa enorme e vazia de presença. Nem mesmo parecia vazia de presença.

     "Certeza." Harry sorriu acuado, abraçando o amigo antes de deixá-lo partir. "Nós poderíamos jantar a qualquer momento. As portas estão abertas para você, sabe disso."

     "As minhas também, Haz. Você sabe que pode largar tudo isso a qualquer momento e ficar comigo, mas você parece gostar de verdade daqui, como nunca gostou de nada, então estarei satisfeito em te ter em casa para um almoço a qualquer momento, ok?"

     Quando ele se foi, Harry se sentou no chão e conheceu Sadie. A cachorra era um pouco tímida, deitou ao seu lado e o encarou por algum tempo. Encarou mesmo, olho no olho, castanho no verde. Harry se acostumou com facilidade, acariciou sua cabeça e improvisou uma pequena fita vermelha em seu pescoço. Ele tinha uma companhia agora. Ele a levou para conhecer a casa antes de sair. Quarto por quarto, deixou que ela cheirasse todos os cômodos e corresse quando necessário, ela gostava das janelas e se enfiava debaixo das camas, fechava os olhos quando se dava com um fleche de sol e girava ao redor do novo dono. Harry se familiarizou com ela rapidamente.

     Ao chegar em seu quarto, Sadie pulou abruptamente e correu até a janela aberta, latindo alto. Harry se esgueirou e examinou as rochas e a praia, mas não havia nada lá. Sadie não parecia brava, apenas agitada, e desceu as escadas correndo. A porta aberta permitiu que ela fosse até as rochas, procurando por brincadeira, e Harry chegou a tempo de gritar para que voltasse, mas sua voz sumiu quando ele viu um gorro no chão, quase desaparecendo entre as pedras, e que se foi por completo assim que ele se aproximou.

The Last Great American Dynasty || l.s. Onde histórias criam vida. Descubra agora