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Para minha quase irmã mais velha, Taylor. A maior compositora do mundo.

Folklore, track 3.

    Harry tem se sentido desajustado desde que sabe o que significa estar ajustado. Foi em uma manhã qualquer na infância, quando sua mãe, dirigindo a caminho da escola, disse que enquanto ele estivesse lá, mandaria sua calça verde a uma costureira, para "ajustar" o tamanho.

     O que é ajustar?

     Ajustar é encaixar. É ser exato, é estar na medida certa, é harmonia. Quando descobriu que aquelas palavras existiam, ele não se considerou um cidadão ajustado em sua cidade, em sua escola, em sua casa (embora sua família fosse incrível, certamente) e não era visível só para ele. Suas amizades nunca deram muito certo, sua irmã mais velha zombava de seus comportamentos e seus relacionamentos nunca chegaram a ser relacionamentos; Harry tinha algum problema com conceitos. Nada era como era, nada nunca foi como deveria ser. E o pior para ele era que, no mais, ele nunca se surpreendeu com o quão desajustada sua vida soava. Ele nem sequer tentou fazer alguma coisa para mudar aquela estranheza. Ele só deixou ser.

     Ele acha que é por isso que Julie estava tão brava na noite em que tudo acabou. As coisas melhoraram quando se tornou adulto, quando seu físico se tornou atraente, quando sua fala continuou parecendo estranha, mas agora também doce, quando ele parecia ajustado por fora, quando ele soou estável demais aos olhos das outras pessoas, aos olhos de Julie. Julie costumava dizer que se apaixonou porque viu algo diferente nele, mas ele acredita que ela imaginou o que estava vendo. Ele parecia tão calmo que depois soou indiferente, e afinal de contas, ele era. Então ele contou a ela. Julie era uma garota boa demais para viver com alguém que não se deparava com esse fato a cada segundo ao seu lado. Harry sabia que ela era incrível, mas frequentemente se esquecia disso, e nem percebia que esquecia. Ele só... não pensava. Ele não pensava em nada.

     E Julie se enfureceu. Julie chorou - ele odiava vê-la chorar -, gritou, implorou por uma reação dele, mas ela não teve nada. Ela não teve gritos, nem beijos, nem mudanças. Ele assentiu, tentou secar suas lágrimas, o que a enfureceu ainda mais. Então eles decidiram se separar. Não brigaram pelos bens, Harry abriu mão de tudo. Decidiu se mudar para que não fizesse tão mal a ela, decidiu que precisava disso. Sair de lá e buscar algo novo. Abandonar o escritório em que advogava e buscar um novo emprego. Havia dinheiro suficiente para um hotel por dias, até encontrar uma nova casa. E Harry entrou em muitas, mas nunca gostou delas. Entrou nas mais caras e com as mobílias mais bonitas, mas elas nunca fizeram sentido. Os corretores se frustravam, sua mãe telefonava uma vez por dia, tentando convencê-lo a voltar e Zayn, seu único amigo desde a infância, começava a se cansar:

     "É só uma casa, cara. Você não pode escolher qualquer uma? Um apartamento? Você vai morar sozinho!" Ele apertou a faixa do cinto de segurança, indo a frente para trocar a estação do rádio. "Não precisa de nada muito grande, nada muito bonito. Por que é tão difícil? E por que aqui? Você pode só comprar qualquer mer-"

     "Eu acho que escolhi."

     Havia um balanço branco na frente, pendurado em uma árvore enorme. As folhas estavam no chão e nas paredes, alaranjadas. Janelas extensas batiam de frente com a luz solar e deixavam à mostra alguns móveis. O mato não estava alto, mas havia dele por todo canto. Estava em uma pequena montanha, no fim dela, em cima da praia, um pouco afastada das outras casas e ruas. Era como sair no verão para passar as férias. Madeira branca e desgastada, tijolos marcados e rochas próximas à areia. Pelo menos três andares. VENDE-SE, uma placa na porta, um número de telefone embaixo. Harry discou.

     "Olá. Falo com o responsável pela casa no fim da rua 91 em Watch Hill, Rhode Island?" Zayn estava boquiaberto, intercalando os olhos castanhos entre o amigo e a casa de aparência abandonada. "Eu gostaria de comprá-la." Harry disse simplesmente. "Sim, eu tenho certeza. Se você tiver um horário, algo para fech- ah, em 5 minutos, ok! Eu agradeço, tudo bem." Ele desligou alguns segundos depois, olhando para Zayn sem grandes emoções. "Ele chega em alguns minutos para fecharmos."

     "Fechar? Você nem olhou a casa por dentro. Por que a escolheu? É enorme! E por que tão aleatoriamente? Por que essa cidade?"

     "Eu não sei. Eu senti que deveria." Harry piscou os cílios longos, suspirando de olhos na casa. Zayn se calou imediatamente.

     O corretor chegou algum tempo depois, agitado e um pouco indiferente. Harry e Zayn saíram do carro e o acompanharam.

     "Essa casa está parada há cerca de 200 anos. Meu avô era corretor, depois meu pai e agora eu. Nós vendemos muitas casas, mas nunca vendemos essa. E nunca conseguimos descobrir o porquê." Zayn escutava com atenção. "Às vezes, não conseguia nem abrir. A chave era a mesma. Às vezes não conseguia nem fazer com que meus clientes entrassem. Esse lugar acabou com muitas das minhas vendas. Se ela decidir não abrir hoje, eu peço desculpas, mas tenho outros imóveis definitivamente bons."

     Mas a porta abriu rapidamente, sem nenhum conflito. O corretor disse por meses a suas filhas que ele mal encostou a chave na fechadura e a porta se movimentou, como se alguém destrancasse por dentro, como mágica. Zayn também notou, mas Harry não se surpreendeu. Harry estava ansioso, medroso. Algo na casa o fazia balançar. Nada que tentasse para-lo. Algo que queria levá-lo adiante.

     "Meus homens tentaram derrubar o lugar, fazer algo novo. Nunca conseguiram quebrar um único centímetro, remover uma caixa do lugar. Os vizinhos costumavam dizer ao meu pai que um rei passava suas férias aqui com sua família, e que o filho deles estava sempre perto das rochas com uma garota, a vizinhança não gostava muito dos jovens, mas ninguém nunca realmente os viu. O cara deve ter morrido e o garoto assumiu o controle, eles nunca mais voltaram. A casa ficou por aí até que meu avô fizesse negócio. Eu abaixei o preço até onde pude, fiz propaganda por toda a cidade, mas toda vez que alguém se interessava, algo acontecia. Sendo muito sincero com vocês, algumas vezes ratos apareciam durante a visita, expulsavam os compradores, e depois que iam embora, ninguém nunca achava os animais. Eu ainda acho que não há rato nenhum."

     "Qual é a história?" Zayn perguntou.

     "Acho que há algo aqui de que as pessoas se esqueceram. Ninguém faz mais que fofoca, ninguém sabe mais que boatos. Se fossem mesmo realeza, estariam em livros e fotografias, mas não há nada. É como se as informações desaparecessem assim que colocamos o pé para dentro. A única coisa que temos é a mobília, realmente semelhante a da época. Mas é uma casa normal, apenas um pouco antiga. Não acredito nisso, mas, quem sabe? Havia um rei, um pequeno sucessor que gostava de se fantasiar, namorada, amigos inconsequentes. Algo assim. Mas estou cansado dessas histórias. Só quero vender essa casa logo."

     O mato estava vivo, as flores se abriam, as árvores cresciam. Nenhum centímetro foi tirado do lugar. O que Harry sentiu ao olhar a casa de férias foi diferente do que sentiu ao olhar todas as outras casas. Harry não sabia dar nome a sensação. Era como ter as medidas de sua calça ajustadas. E suas calças sempre caíram perfeitamente bem em seu corpo, mas todo o restante do mundo nunca mais se encaixou.

     Ele assinou o contrato algumas horas mais tarde. A visita ocorreu bem, sem animais e desavenças. Zayn o ajudou a colocar as coisas para dentro antes de partir para a cidade vizinha onde morava, sem questionar mais sua escolha. Harry não quis retirar a mobília e viu o anoitecer sentado nas rochas depois de deixar o terno preto no sofá empoeirado. Desabotoou os primeiros botões da camisa social e dobrou as barras da calça. Assistiu o mar correr, ir e voltar, sem muita vontade de se misturar com a água. Quando o sono o cercou, ele entrou na casa e dormiu no sofá mesmo, sem sequer conhecer os quartos.

     O tecido envelhecido do sofá o recebeu bem até demais para uma primeira noite num lugar desconhecido, mas ele já não sabe se foi o sono que não deu lugar ao medo ou qualquer outra coisa. Ele apagou antes de conseguir concluir esse pensamento, e a única coisa de que pôde ter certeza no dia seguinte é que não dormia tão bem assim a centenas de anos.

The Last Great American Dynasty || l.s. Onde histórias criam vida. Descubra agora