Mortos não Morrem

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Apesar da minha estranha obsessão por textos bem escritos, abrirei uma exceção nesse caso, meus pensamentos são confusos, barulhentos e cortantes, então que assim seja.

Meu nome é Camila Brasileiro Borges Caetano Lins, um nome excessivamente grande pra se dar a alguém. Nasci no dia 24 de dezembro de 2000, uma data bem simbólica, que por grande parte da minha infância me incomodou, afinal dentro do mundo que uma criança enxerga, é injusto ela ter que dividir o dia de protagonismo dela, com um mártir de mais de 2000 anos. Eu sou de Maceió/Alagoas, um lugar lindo pra turistas esquecerem a necessidade do protetor solar, onde escolher entre três praias e quatro shoppings são a parte mais divertida de qualquer programação. Eu sou uma ex-estudante de pedagogia idealista, que acredita que assim como nos livros, aquela protagonista insignificante vai conseguir mudar o mundo.

Em sua maioria, histórias são escritas para mostrar a parte mágica e emocionante da situação, afinal de contas quem leria uma história que começa com a protagonista sentada no sofá, comendo farinha láctea com açúcar numa noite de segunda feira? Então fazendo uso da licença poética que me cabe, vou dar inicio ao meu monólogo em seu clímax, e se com sorte eu sobreviver ao fim do relato, você que está lendo possa ter alguma conclusão satisfatória.

Sabe por que se fala tão pouco em suicídio? Não é porque incentiva outros, é porque causa desconforto em quem ouve, afinal a pessoa nunca vai poder soltar alguma resposta vazia e clichê como: "Eu sei como é difícil". A verdade é que um suicida não morre no ato de tirar a vida, nós estamos mortos a muito tempo, só que antes de adquirirmos o direito de usar o titulo que nos cabe, somos preguiçosos, somos tristes, somos fases, somos uma oração não proferida, somos estranhos, somos palhaços, somos chatos... No dia 31 de abril de 2023 eu renovei meu título de suicida e é quem eu sou agora, eu cortei meu pulso esquerdo, simplesmente pela curiosidade de saber se quando era eu a me ferir, doeria tanto quanto dói quando outros fazem, eu tomei de um a dois tipos de venenos, dois frascos de Rivotril, um litro de vinho e me deitei na minha cama na plena certeza de que não aconteceria nada. Minha avó me encontrou alguns minutos depois, eu tinha sangrado o bastante pra estar fraca, os remédios faziam efeito, só mais um pouco e teria acabado. Mas me encontraram, passei três dias numa UTI, danifiquei os tendões do braço cortado e agora a minha mão treme, o mundo a minha volta me envolveu em plástico bolha, com medo que eu quebre e não tem como explicar a eles que pó de vidro não quebra, que é inútil proteger cacos de uma mente partida, de um corpo cansado, de um coração morto.

No hospital eu já sabia o protocolo, em casos assim sempre existe a possibilidade de internação em um hospital psiquiátrico, pra ficar em observação, mas eu era reincidente, eu sei o que eles querem ouvir e eles não querem o trabalho de te internar, sabe quanto demora? Pois é. E passar 15 dias num quarto branco, ouvindo os outros internos gritando, não iria me ajudar e já que insistiam em controlar a minha morte, eu não iria permitir que controlassem minha vida também.

Não é como se estar em casa fosse melhor, os olhares, as perguntas, a vergonha que outros saibam que eles abrigam uma louca... As visitas noturnas para ver se os remédios estão na quantidade certa, as revistas nas bolsas quando sai, a perseguição quando volta... Todo suicida que sobreviveu entende que isso é cuidado, é preocupação, é medo.... Mas também sabe que no momento que cruzamos aquela linha, quando aquele primeiro pensamento disforme se instala, é por que algo já morreu, aquele corte, aquele salto... é a ultima chance de parar de fingir estar vivo.

Suicidas que sobrevivem não são frágeis, não são um relógio em contagem regressiva pra explodir. Diferente do que nos dizem, não somos egoístas, mas obviamente você e seu senso de superioridade, deve ter pensado que nos últimos momentos de alguém, onde ela não consegue ver nela mesma um único motivo pra viver, basta pensar em você pessoa maravilhosa, que isso vai dar um novo sentido a vida.

Por isso eu acho que ainda não estou viva, mesmo com tratamento, medicação, apoio, amigos, família... Algo ainda está morto, viver ainda é uma experiência de dormência, as vezes eu penso se existe algum lugar realmente seguro pra mim, numa igreja? Suicidas não vão pro céu. Em casa? Suicidas são voláteis, quando vão explodir? Com amigos? Suicidas são delicados estarem com pessoas, Estou focando a minha atenção em construir um quartinho do silêncio na minha cabeça, onde nada morreu, onde eu sou uma protagonista idealista que vai mudar o mundo.

Pensamentos de uma SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora