O Imortal Tattoo (2018)

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Era o amanhecer de toda a vida. Com a sopa primordial houveram as primeiras ligações proteicas. As células formaram tecidos, e os tecidos terminaram na vida como a gente conhece, após inúmeras mutações e estágios evolutivos. Depois de toda a base inconsciente, o consciente passou a agrupar informações indispensáveis a sua sobrevivência, e a mente se tornou uma ferramenta da tão dita "vida inteligente". Os animais continuaram na natureza selvagem, lutando constantemente em uma cadeia de predadores e presas.

Os seres humanos abandonaram o comportamento nômade, e passaram a construir. Em mil anos eles formaram templos altíssimos, com seus objetos de adoração estampados em paredes.

Foi há tanto tempo, mas a Tartaruga ainda lembrava claramente. Ele dava dicas aos governantes, escolhia os sacrifícios, contava histórias e era venerado diariamente. Milhões saíam de vilas vizinhas e vinham visitá-lo para ter o ar de sua sabedora. Mas houve um período de queda quando as guerras entre vilas aumentaram. A disputa por território e os recursos presentes neles tomaram proporções além de qualquer um dos exércitos conseguiu suportar. A conclusão da última guerra terminou como um bom jogo de xadrez, onde dois imperadores com adagas frente a frente, até darem seus últimos passos e o encontrarem o coração um do outro com suas lâminas afiadas.

A Tartaruga presenciou tudo. Olhou com tristeza para todos os corpos, o sangue derramado, e as vidas desperdiçadas. Sem rumo ela foi para as aguas de um lago e mergulhou até o lugar mais fundo para se esconder do mal. Ele desceu até não conseguir enxergar, e só depois de tatear pela massa opaca, passou por um buraco no chão que o levou para uma luz distante. Ao alcança-la ele descobriu um reino mais desenvolvido tecnologicamente.

Nesse Paraíso Marítimo ele entrou em contato com pessoas indefinidas quando ao seu gênero, que reproduziam por conta própria, e viviam próximos do centro do mundo em aguas mornas, com guelras em seus pescoços e peitos. Os cidadãos marinhos lhe receberam com louros de algas, doces de corais e páginas com tinta a prova de água sobre sua cultura, epistemologia e profecia sobre aquele que viria de fora e lhes salvaria.

Ele não acreditava nessas bobagens. Tartaruga ficou ali até ser convidado pelo rei em pessoa, que lhe manteve como conselheiro. Tudo foi bom até o Rei incomodar outro movendo tropas para cerca-los e subjuga-los. Tartaruga foi contra, e o Rei lhe ignorou. A guerra foi provocada, e o povo atacado contra-atacou. O Rei culpou a Ele, e atacou de volta com força dobrada. O povo atacado juntou-se a outros povos, e as Guerras Maritimas tiveram inicio. As pessoas que louvavam a Tartaruga se esqueceram dela, e por mais que protestasse em campo de batalha ninguém lhe dava ouvidos. Só entendiam que estavam em guerra. Lutaram com violência exagerada até os últimos dois soldados, muito depois do encontro dos reis que esganaram um ao outro.

Tartaruga sentiu um enorme peso em seu coração. – Será que todo o lugar que eu vou está fadado a isso? – Ele se perguntava voltando a superfície.

As construções dos homens ocupavam espaço o suficiente para as infinitas florestas repletas de árvores parecerem memórias de um sonho. Ele chegou à superfície de uma praia, surpreendido pela rede que lhe acompanhou até aperta-lo junto de diversas espécies de peixe.

O Pescador, um homem barbudo e mirrado, lhe deixou de lado, pegando os peixes e jogando em sacos até eles pararem de respirar. Tartaruga foi levada pelo homem em suas costas dentro de uma mala. Ele o deixou em uma bacia na peixaria para lhe fazer companhia. O Pescador falava uma língua muito parecida com aquela falada pelos antigos povos terrestres e marítimos. O Tartaruga logo associou a maioria das palavras, por mais que sentisse que nunca as usaria para se comunicar. Temeria eternamente que guerras começariam com pessoas cansarem de venerá-lo. E também o Pescador falava o bastante pelos dois. Falava ininterruptamente sobre piadas que ouviu, sobre sua família, amigos, e vida aventureira com o barco que tinha nomeado de "Poseidon".

Em um dia alguns homens de uniforme disseram que iriam recolher o Tartaruga para um local adequado onde teria um tratamento adequado. Os dois homens carregaram a bacia que ele estava até um centro de adoção. O chefe do lugar que, era um senhor de cabelo e bigode branco, lhe deu o nome de Tutancâmon, em homenagem ao faraó. O mesmo cuidou dele lhe dando o que comer, beber e banho todas as semanas.

A rotina de dar banho em animais todos os dias deve ter sido um exagero que ele não poderia ter cometido devido ao seu falecimento depois do primeiro mês que o Tartaruga esteve por lá. O filho do senhor tinha cabelos pretos e uma barba preta e volumosa, e devia estar na casa dos 40 anos. Ele também pegou "Tutancâmon", um nome que achava complicado demais, e lhe renomeou como "Tatu", para simplificar. Ele permaneceu outro mês, mas teve de viajar para ver algum parente ou amigo, e seu filho ficou no lugar dele.

Um jovem de vinte e poucos anos com cabelo grande e barba por fazer. Ele não se importava muito, deixando tudo para dormir horas na cadeira de rodinhas do escritório. Tartaruga não tinha problemas com ele até o Jovem renomear "Tatu" para "Tattoo", o que não fazia nenhum sentido para o animal. Ele futuramente aprendeu que Tattoo era abreviação de tatuagem, uma pintura corporal, o que deixou-o profundamente ofendido. Já tinha vivido milhares de anos, e seu nome deveria voltar a ser algo que impusesse respeito.

Eventualmente o pai dele voltou.

PAI: Filho, como você pode deixar isso!

O homem berrava em pânico ao ver tudo sujo de todas as espécies de coco. Os cachorros deitados nas próprias fezes, os gatos com as areias sujas demais implorando pela troca, e os pássaros sem nenhum alpiste para beliscar.

FILHO: Quê?

O garoto perguntou acordando atordoado depois de uma longa soneca na cadeira. O pai lhe deu um safanão na orelha e passou a limpar tudo com bastante força. Falou para o filho lhe ajudar senão estaria na rua. Os dois limparam todas as seções, até chegarem por último ao único Tartaruga.

O pai deixou-o repousando na mesa de alumínio e fazendo um carinho em sua cabeça enquanto o filho limpava seu aquário resmungando em cochicho.

PAI: Você tá melhor?

TATTOO: Mais ou menos.

Pai e filho se entreolharam com os olhos esbugalhados.

PAI: Você fala?

TATTOO: Claro... Mas prometi que só falaria se precisasse muito!

PAI: E o que você precisa tanto?

TATTOO: Um nome melhor, pelo amor de Deus.  

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