ZEITGEISTRIATRA (2018)

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Humberto se deitou no divã. Em frente dele estava o Dr. Baltazar, seu primeiro Zeitgeistriatra. Ele tinha demorado a contatar o serviço. Sempre teve curiosidade, não poderia negar. Sua amiga indicou o Doutor depois de uma virada significativa de sua vida após a primeira consulta. Humberto usava um blusão amarelo desbotado com uma listra branca manchada no meio por cima de uma camisa social quadriculada. Também vestia calças jeans com barra boca de sino e sapatos sociais de couro marrom claro. Seu cabelo era enorme, e parecia mais a peruca para a fantasia de um Beatle depois que eles passaram a fazer um sucesso considerável. O que mais saltava aos olhos era o rosto vermelho pela alergia a lâmina de barbear.

DR.: Bom dia

HUMBERTO: Bom dia.

DR.: Primeira consulta?

HUMBERTO: Certamente.

O Dr. Anotou algumas coisas na folha sulfite em uma prancheta antes de voltar sua atenção para o paciente.

DR.: Eu gostaria de confirmar algumas informações antes de começarmos.

HUMBERTO: Justo.

DR.: As calças?

HUMBERTO: Jamais! Elas são bem largas, dá até para por minha palma do lado da coxa.

Abriu a cinta de fivela de latão e fez questão de demonstrar que conseguia. O Dr. Anotou mais um pouco na prancheta. Surpreendê-lo pareceu deixá-lo ansioso e imprevisível. Humberto, em seguida, tirou um iô-iô do bolso.

HUMBERTO: Posso?

DR.: Claro. Sinta-se a vontade.

Enquanto brincava com o iô-iô o Dr. tratou de tocar nas feridas.

DR.: Idade?

HUMBERTO: Vigésima Terceira Primavera.

DR.: Sexo?

HUMBERTO: Varão.

DR.: Fuma?

HUMBERTO: Só tabaco no cachimbo.

DR.: Meio de locomoção?

HUMBERTO: Bicicleta.

O Dr. Cochichou algo enquanto anotava. Humberto não conseguiu ouvir, mas guardou o iô-iô no bolso. Sentou-se no divã ajeitando os óculos fundo de garrafa para ouvir melhor.

DR.: Usa celular?

HUMBERTO: Não.

Dr.: Certo. Qual o seu problema?

HUMBERTO: Doutor há muito tempo sinto que não devia ter nascido nessa época. Eu tento conversar sobre filmes clássicos, mas ninguém tem paciência de assisti-los. Sempre que eu ligo uma música na vitrola para a degustação de vinhos meus amigos caçoam de mim... Toda a vez que indico um livro a um amigo, ele para na metade, e me diz que essas edições de sebos só trazem traças e nenhuma leitura empolgante... Dizem que sou antiquado e que eu deveria me atualizar... Todas as vezes que saio com alguém sinto que perdem o interesse, ou imaginam que estou interpretando algum personagem... Eu não aguento mais... Hoje chegou o dia que cansei e falei para o espelho "eu preciso de ajuda".

Ele não chorou, por mais marejados que os olhos tivessem.

DR.: Com que frequência essas degustações acontecem?

HUMBERTO: Mensalmente. Mantemos uma rotatividade em vinícolas locais, e uma vez ao ano acordamos em algo estrangeiro. Seja fora da cidade, ou até mesmo do país.

DR.: Quando você precisa viajar onde você compra as passagens?

HUMBERTO: Nos aeroportos ou nas rodoviárias.

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