Capítulo 9 - Uma novidade "incrível

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— Acho que nunca vou poder pagar o que devo a você, V. E eu não estou falando da redação. Estou falando de amor – ouço Betty dizer.

— Para mim, escrever também é um ato de amor, Betty. Quem escreve ama aquele que vai ler... – reflito.

"Só que Archie nunca iria ler...". Penso

— Você é muito adulta, Verônica. Adulta demais...

— É que eu tenho sessenta anos, Betty, mas sou conservada. – digo irônica – Agora deixe de bobagem e continue com o amor e suas dívidas... ou dúvidas, sei lá.

— Nada de dúvidas! Eu estou apaixonada mesmo. A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi você ter me convidado para aquela festa. Conhecer Archie foi...

Com a expressão mais interessada do mundo, ouvi o relato de minha amiga.  estavam no ponto do ônibus, cheio de gente, e a loira falava baixo, como segredo, como culpa, como num confessionário. Descrevia cada passo daquela noite inesquecível, cada dança, a
pressão do rosto de Archie junto ao seu, as palavras sussurradas ao ouvido.

O único segredo que faltava era Archie debruçando-se sobre mim no jardim. O único segredo que faltava era aquele beijo. Mas Betty nunca deveria saber disso. Por que estragar-lhe a felicidade?
Bastava que uma de nós fosse infeliz.

— Nos braços dele, eu...

Dentro de mim, por trás do sorriso interessado, a descrição feita por Betty ganhava mais detalhes, cheios de calor, de cheiros e contatos.

— Meu único medo, V, é que, para ele, eu não tenha passado de um presente de aniversário, de diversão para uma noite... – fala cabisbaixa e passo o braço por seus ombros em forma de consolo –
Mas eu quero aquele garoto! Nem sei o que ele pensa de mim, mas é ele quem eu amo. Preciso me encontrar novamente com ele! – diz e me lembro do pedido de Archie.

— Que tal amanhã? Às quatro horas, em frente ao cinema, na esquina da... – digo controlando minha voz para esconder minha tristeza.

— O quê?! De que você está falando? – me interrompe confusa.

— Bobinha! Eu não disse que tinha uma novidade incrível para te contar? Pois esta é a novidade.

— Você... você falou com Archie? Sobre mim? – pergunta surpresa.

— É claro que falei. Nós somos amigos, não somos? Somos... – procuro uma palavra – confidentes!

— O que foi que ele disse? O que foi que ele disse, Verônica? – pergunta entusiasmada.

Sorri, gozando carinhosamente a ansiedade de Betty.

— Hum... mais ou menos o que diria Cheryl sobre a Toni...

— Desde quando Cheryl e Toni se declaram abertamente por aí além das provocações? – pergunta confusa.

— Desde quando elas assumiram namoro... E...

— Pera! Choni se assumiu? – me corta entusiasmada – Quando isso ocorreu?

— Ah, Betty, isso não é importante agora – tento fazê-la voltar ao assunto.

— Tá boom! – resmunga – Mas depois você vai me contar tudo! – estreita os olhos para mim e dou um pequeno riso concordando – Então... o que ele disse, V?

— Acho que você vai preferir que ele repita tudo pessoalmente, não vai? O importante é que ele quer encontrar-se com você. No cinema. Amanhã às...

— Ai, ai, ai! A minha mãe não vai deixar! – me corta novamente me lembrando desse detalhe.

— Diga que você vai ao cinema comigo. Passo na sua casa lá pelas três e meia. Eu tenho mesmo de dar um pulo numa livraria. Na saída do cinema nos encontramos e voltamos juntas – vejo brilho surgir em seus olhos

— Meu Deus! Meu Deus! – exclama animada – Você é incrível, Verônica! Não sei o que eu faria sem você. – me abraça e retribuo me sentindo contagiada por sua alegria apesar de tudo. – Amanhã de manhã, diga a ele que... – espera o quê? Eu falar com o Archie?

— Eu? Não acha melhor você mesmo dizer? – digo sem graça, não estava pronta para encarar a realidade... ter que ver a felicidade de Archie ao saber que se encontrará com Betty... O que eu sentiria? O brilho nos olhos de Betty eu consigo suportar, sei que está contente por eu estar lhe ajudando... mas eu suportaria o brilho nos olhos de Archie por se encontar com ela e não comigo...?

— Não sei se poderia, V. – vejo suas bochechas se tornando vermelhas – Ai meu Deus! Veja! Já estou vermelha só de imaginar ter que falar com ele... quando eu o encontrar, vou ficar muda como uma porta! – rio de seu despespero

— Então escreva um bilhete. Basta sorrir e colocar o bilhete na mão dele.

— Eu bem que gostaria. Ah, se eu pudesse, eu colocaria nesse
bilhete tanta coisa, como se... como se...

— Como se o bilhete fosse um buraco de fechadura através do qual Archie pudesse conhecê-la melhor por dentro. – penso alto completanto

— É isso! Você sempre diz as coisas certas, V!

"Eu também tenho um buraco de fechadura, Betty. Mas Archie quer espiar pelo seu..."

— Comigo é diferente. Eu sou péssima com palavras, Verônica. – esfrega os braços – Archie riria de um bilhete escrito por mim... logo ele, que sempre foi o primeiro da classe. Não é isso o que dizem?

— Pelo menos foi isso que a mãe dele disse para a minha.

— Eu não posso bancar a burra com ele, Verônica. O que eu vou fazer?

Com um longo suspiro, penso no que poderia ajudá-la... deveria mesmo entregar meu poema a ela? Afinal Archie leria o meu amor, e não dela! Balanço a cabeça, é a coisa certa, Betty também o ama, só não sabe demonstrar...

Lentamente, abro o fichário. E lá estava a folha, com o poema feito na aula de física: Nos teus braços me abandono,
ao teu lado sou mulher...

"Você vai receber o meu poema, Archie..."

— Aqui está, Betty. – aponto a folha em sua direção – Um texto de meu estoque. É só copiar com sua letra e colocar seu nome. Tudo o que você quer dizer ao Archie está aí. – Betty  pegou a folha, meio receosa.

— Como pode ser? Eu... nem sei o que dizer...

"Você nunca sabe o que dizer, minha querida..." rio de meu pensamento

— Pode deixar que eu digo por você.

— Mas... será que o que está escrito aqui serve para o Archie?

— Como uma luva. – foi feito sob medida para ele.

O ônibus encostou naquele momento e começou a engolir a fila de estudantes.

— Obrigada, V. Você é demais! – me abraça e eu coloco meus braços sobre seus ombros a afastando sorrindo.

— Corra, se não, você perde o ônibus.

— Passe na minha casa às três, não quero me atrasar.

— Tchau, Betty.

Fiquei vendo o ônibus se distanciar, levando minha amiga, e a declaração de seu amor, que serviria para aumentar ainda mais a paixão de Archie por Betty

"O condenado à forca prepara sua própria corda..." Pensei

— Em que merda eu me meti! – bato em minha testa.

Os Olhos Errados - VugheadOnde histórias criam vida. Descubra agora