2

35 6 27
                                    

Após alguns minutos de caminhada, finalmente cheguei em casa. Era exatamente três horas da manhã quando coloquei os pés na rua onde moro, cercada por casas enormes. Olhei ao redor, a sensação de ser observada me sufocava. As pessoas aqui têm uma fama terrível de bisbilhotar a vida alheia e, pior ainda, sempre contavam tudo para meus pais quando me viam fora de casa àquela hora, o que era ridículo. Ao abrir a porta, me deparei com uma missão quase impossível: entrar sem fazer barulho. Meus pais não tinham ideia de que eu saíra, principalmente sem a permissão deles. Se soubessem, eu teria um destino certo: Humilhação.
Destravei a porta com cuidado, olhando para dentro do escuro como se ele pudesse me trair. Fechei a porta e tirei os sapatos, subindo as escadas lentamente, cada passo era um desafio. No andar de cima, a porta do quarto deles estava fechada, o que significava que estavam dormindo. Passei pelo corredor em frente ao quarto do meu irmão, torcendo para que ele não escutasse meus passos. Mas, ao contrário, fui eu quem ouviu demais: a cama rangia, acompanhada dos gemidos da “namorada” dele.
— Eu mereço...
Sussurrei para mim mesmo. Meu irmão era apenas um ano mais velho e, aos dezoito, vivia o que provavelmente eram os melhores anos da vida dele. Ele sempre foi o preferido dos meus pais, enquanto eu cresci sendo tratado como um acidente, uma gravidez indesejada. Para eles, ele foi planejado até o último átomo. Entrar no meu quarto e trancar a porta foi um alívio. Olhei para o relógio: três e dez. O tempo parecia ter sido desperdiçado. Tomo um banho rápido e troquei a roupa por um short de tecido fino, confortável o suficiente para dormir, e me deitei na cama, fixando o olhar no teto.
Meus pensamentos flutuavam: como tudo poderia ser diferente se eu tivesse coragem de sair desse lugar? Criar novas raízes, escapar desse ambiente tóxico que só me trazia ansiedade e pensamentos negativos. Mas não havia ninguém para me puxar para fora, e eu só podia aguentar até o dia em que decidisse desistir de vez. Na manhã seguinte, ao chegar na escola, o rosto de ressaca dos alunos me fez lembrar da festa de ontem. Quando a garota do trizal passou por mim, desviei o olhar e segui para a sala de aula. O dia estava frio, uma garoa fina acompanhada de um vento gelado que, estranhamente, me trazia tranquilidade. Chegando à sala, sentei-me no meu lugar. Era aula de artes e a professora anunciou uma tarefa em dupla. No meu caso, eu e a parede. Os outros alunos rapidamente rearranjaram as carteiras, mas a professora apenas me lançou um olhar, sabendo que eu preferia a solidão a perder tempo com quem não se importava. Coloquei os fones de ouvido e comecei a trabalhar, a música invadindo minha mente e trazendo uma paz temporária. Essa calma, porém, foi despedaçada quando a professora à frente me chamou.
— Kevin? Está me escutando? — perguntou a professora.
— Ahn... Sim, desculpa.
Respondi, sentindo o calor da vergonha subir.
— Ok, preciso que você seja a dupla do nosso novo aluno. Por favor, explique a ele a tarefa, pode fazer isso? — Ela apontou para o garoto ao lado dela. Ele era alto, com uma pele clara e cabelos castanhos claros espetados, alguns fios caindo sobre o rosto. Usava brincos em ambas as orelhas e, admito, era estiloso.
— Sim, sem problemas. — Respondi, puxando uma carteira ao lado. Ele se sentou e se apresentou.
— I ae, cara. — Ele estendeu a mão. — Eu sou o Levi.
— Kevin! Prazer, Levi. — Apertei sua mão, notando as veias bem definidas em seu braço e o sorriso atraente que revelava suas covinhas.
— Você veio de outro lugar? — perguntei, puxando assunto, mesmo sabendo que deveria explicar a matéria.
— Na verdade, sou daqui, apenas mudei de colégio. — respondeu ele. — Sinceramente, não faço ideia de como me virar por aqui. — Ele sorriu, e acabei sorrindo de volta. O que estava acontecendo comigo? Eu não costumava demonstrar simpatia.
— Fique tranquilo, se quiser, posso te mostrar o colégio depois. A gente pode fazer um tour. — disse eu.
— Gostei da ideia, fechado então! Ele sorriu novamente, lançando um olhar que me fez sentir algo estranho, vergonha, talvez?

Se eu Ficar? Parte 1 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora