1. Ultimato

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Catarse - Catarse é uma palavra utilizada em diversos contextos, como a tragédia, a medicina ou a psicanálise. Significa "purificação", "evacuação" ou "purgação".
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   Tudo o que Cellbit queria era sentar-se em sua mesa, comer um delicioso sanduíche e ver cinco idiotas tentarem resolver puzzles extremamente fáceis da Scape Room. Porém, assim que se sentou na cadeira, seu celular começou a vibrar. Não era do feitio do homem atender ligações desconhecidas, mas os dias estavam tão estranhos que resolveu atender.

   Como ele queria ter deixado aquela ligação cair na caixa postal. Não o levem a mal. Sua cabeça estava tão cheia esses dias que, lidar com mais um problema o faria enlouquecer. Cellbit tinha certeza de que, se não atendesse, um de seus irmãos seria o encarregado da vez.
"Porque meu nome começa com C" pensou ao se dirigir apressadamente para o Colégio Nostradamus, a escola de seu irmão mais novo.

   Aquela definitivamente não era sua semana. Nunca pensou que seria tão difícil cuidar de uma criança. Achou que seria mais fácil ainda por serem em cinco. Mas estava completando errado, e a segunda-feira provou isso a ele, mostrando que ele nunca deveria dizer algo assim novamente.

   Aquele fatídico começo de semana já havia iniciado de maneira caótica. Mais uma prova de que Cellbit deveria ter ido para seu apartamento ao invés de permanecer na casa que cresceu.

   Para iniciar, Cellbit havia dormido mal naquele sofá pequeno da sala, já que sua mãe havia transformado o seu antigo quarto em um escritório/biblioteca. Cellbit havia adorado quando viu pela primeira vez, mas odiou e amaldiçoou cada autor de livro daquela estante enorme quando sentiu sua nuca latejar. Mas também não se atreveria a ir se deitar com qualquer um dos meninos. Sentia medo que qualquer um deles o desse um soco no rosto, consciente ou inconscientemente.

   De bônus, quando começou a dormir, ouviu Forever gritar que estavam atrasados. E daí sim se iniciou o Apocalipse em forma de família. Era óbvio que todos os relógios não despertariam. Era óbvio que Richarlyson se aproveitaria para faltar mais um dia, devido a falta de pontualidade de seus responsáveis — mesmo ele já tendo acordado, não fez menção de avisar a ninguém o atraso. Era óbvio que o pequeno faria da vida dos Cinco um inferno, inventando todos os motivos do mundo para não ir para a escola. Mas já bastava. A desculpa da perda familiar já não colaria mais.

   "Vai fazer três semanas" pensou Cellbit, sentindo um vazio inexplicável. Foi trazido a realidade com aquele baque. Olhou para o celular vendo se faltava muito tempo para o Uber chegar, se focando ao máximo no pequeno carro em sua tela para não pensar naquilo. Quando a trajetória do carro ficou tediosa e sua mente se lembrou de imagens perturbadoras, Cellbit se distraiu tentando se lembrar da cômica história de segunda.

   O que havia acontecido mesmo? Ah, sim… Forever saindo de seu quarto ainda vestindo as calças, exibindo para Cellbit sua cueca de corações vermelhos. O irmão riria se não estivesse tão emburrado. Além de ser segunda, o homem havia dormido mal e sua cabeça doía pela falta de cafeína — já que na casa de sua mãe não tinha café.

   — Cellbo, acorda aí. A gente tá atrasado, porra! — Forever tacou uma almofada na cara de Cellbit, que aproveitou para tampar seu rosto da claridade que vinha do quarto de Forever.

   Cellbit até pensou que seu irmão se jogaria em cima dele e faria alguma brincadeira para fazê-lo levantar. Era o que ele fazia toda vez, afinal. Porém nada veio. Pensando que seu irmão teria ganho a maturidade que o faltava, se aconchegou o melhor possível e tentou voltar a dormir. Ele até pensou que conseguiria, mas o barulho estridente de uma colher de pau se batendo contra uma panela foi ouvido. A cada nova "baquetada" a cabeça de Cellbit vibrava.

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