6. Infiltración

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   Talvez Roier não devesse ter animado tanto Cellbit. Assim que viu o estado do pequeno apartamento, se deu conta de que o pessimismo do cabeludo seria muito melhor para lidar com a situação.

   Enquanto Cellbit gritava com o seu vizinho desleixado, Roier, Bobby e Richarlyson exploravam o apartamento. Era um lugar bem pequeno para o que Roier imaginava ao ver a casa de sua família. A sala e a cozinha eram juntas. Logo que entraram pela porta eles deram de cara com a pequena cozinha. Havia um balcão com cadeiras altas o separando da sala, que era logo à frente. Não havia nem uma mesa, apenas as banquetes serviam para as refeições.

   Havia uma trilha de água que tinha escorrido do seu ponto inicial, passando pelo tapete da sala, e chegando próximo a cozinha. Seguindo o rastro, encontraram a porta ainda fechada do quarto. Roier não achou sábio abri-la e invadir a privacidade do outro. Por isso ficou por ali mesmo.

   Bobby e Richarlyson observavam o lugar com curiosidade. Roier era a mesma coisa, mas um tanto preocupado. Olhou para a estante ao lado da porta e viu os livros molhados e inchados. A madeira do móvel estava estufada com tanta água. O tapete que cobria boa parte da sala estava encharcado, dando um cheiro ruim a todo o lugar. Sorte que Cellbit não tinha uma televisão, se não seria mais uma perda. Que bom que todos os seus aparelhos tecnológicos estavam em sua pasta, na casa da família.

   — Filho da puta, mano. — Cellbit resmungou diversos palavrões enquanto fechava a porta. Estava tão inerte a sua raiva que nem olhou ao redor. Ele nem havia visto o estrago ainda, já que a primeira coisa que fez ao chegar foi falar com o síndico e depois com o vizinho. Num acordo, Cellbit deveria listar todos os bens perdidos que seu vizinho o indenizaria, além de todos os custos extras para secar as coisas que não haviam dado perda total. Mas ele nunca poderia pagar o incômodo daquela situação.

   — E aí? O que deu? — Roier perguntou.

   — Ah, ele vai pagar. Mesmo assim… — Cellbit deu de ombros, não querendo continuar a lembrar do vizinho.

   Assim que olhou novamente para Roier, Cellbit viu sua estante. Ela ainda pingava água em seus livros preciosos. A maioria que foram presentes de sua mãe, com dedicatórias fofas. Cellbit correu para a estante, tentando salvar algo de lá. As páginas estavam molhadas, alguns tinham as letras manchadas e não tinham mais salvação. Os que estavam mais distantes do rastro de destruição, ou seja os mais dos cantos, davam ainda para serem secos. Mesmo assim, Cellbit sentiu o coração pesar com a perda de diversos clássicos. Não pelos livros, mas pelo o que representavam. Pelas palavras escritas a mão na contracapa, que Cellbit nunca mais poderia olhar.

   — Filho da puta! Filho da puta! — Gritou, tirando os livros dali e os levando para o balcão da cozinha. Cada vez mais desesperado tentando achar aquele bendito livro. Onde estaria? Onde? — Cadê? Cadê?

   — O que tá procurando? — Roier seguiu o que o dono da casa fazia e começou a levar os livros para o mesmo lugar.

   — O meu livro… "Estudo em vermelho" ele é… — Na última pilha que Roier trazia, lá estava ele. A capa dura e vermelha com detalhes em dourados. Uma versão que pertencia a Arnaldo Theoris e que, quando morreu, sua mãe deu para Cellbit com uma carta que Cellbit nunca tirou do meio do livro.

   Pegou o livro desesperadamente. Ele estava um pouco úmido, e a ponta de todas as páginas estavam molhadas. Apesar de algumas folhas terem sido borradas, a carta e o livro em si continuavam intactos. Suspirou por ainda ter seu livro mais precioso consigo. Os livros eram as coisas mais importantes na casa. Os tapetes, camas ou roupas eram fáceis de substituir. Mas as dedicatórias eram insubstituíveis. Apesar de ainda estar muito chateado com os outros livros, sua alma se acalmou um pouco quando teve "Estudo em Vermelho" em suas mãos. Ele não sabia o que faria se o perdesse também. Prometeu que nunca mais o deixaria por aí.

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