Prólogo | Não é o fim do mundo

4.1K 341 132
                                    

O NOVO PRÉDIO era ainda mais alto pessoalmente e nada convidativo. O porteiro não parecia gostar de estar ali e exercer aquele emprego, e os moradores te encaravam de forma esquisita como se você fosse um ser de outro mundo (Jay torceu para aquilo se dar apenas porque ele era novo ali).

A estrutura interna era ainda mais assombrosa. Certos pontos do piso rangiam independente do quão cuidadoso você fosse na hora de pisar, e as paredes precisavam de uma reforma, visto que a tinta vermelha alizarina estava desbotada e criando mofo nos cantos. Jay temeu tocar em qualquer centímetro daquele local e contrair vinte tipos de doenças diferentes.

Infelizmente, o dinheiro dele só lhe permitiu se instalar naquele muquifo que devia ser muito mais velho do que se somasse a idade de suas avós, bisavós, tataravós...

Recebeu uma chave levemente enferrujada que possuía uma etiqueta escrita "quarto 238". Ou seja, dormiria nos cafundós de Judas. O elevador demorou quase uma eternidade para chegar, tanto que Jay considerou utilizar as escadas, mas só chegaria no seu quarto quando estivesse com uma idade avançada e prezava pela sua aparência jovem. Tinha o dia todo para organizar suas coisas, mas ainda esperou impacientemente o elevador que só tinha capacidade para suportar cinco pessoas.

O silêncio naquele andar era cadavérico, mas só naquele andar mesmo, porque no andar de cima começou a tocar uma música no último volume logo quando Jay foi capaz de escutar seu batimento cardíaco forte e a fricção de suas roupas na pele. Uma música barulhenta de uma banda de rock fazia o prédio tremer, e como não parecia ser particularmente resistente, Jay se afirmou em suas malas (ainda não queria tocar em nada) ali dentro.

- Ótimo, estou num filme de terror. - ele reclamou e arrastou as malas consigo até o final do corredor.

Ao abrir a porta, suspirou aliviado, percebendo que o quarto não era tão asqueroso quanto o resto do local e poderia viver tranquilamente ali sem usar máscara e luvas. A mini sala e a mini cozinha eram praticamente a mesma coisa, o banheiro era limpo apesar de minúsculo, e o quarto era aconchegante apesar do colchão mais duro do que estava acostumado a dormir. Podia lidar com aquilo.

Tentou se preocupar com uma coisa de cada vez. Primeiro, em organizar suas coisas. Foi tirando as roupas das malas e as pondo de maneira inteligente nas gavetas e cabides do armário, os calçados na parte de baixo (felizmente não eram muitos). Quase desistiu da ideia de colocar os pôsteres na parede quando pensou que não ficaria naquele lugar por muito tempo, mas colocou para deixar o ambiente mais confortável.

Quando organizou boa parte das coisas, começou a se preocupar em arrumar um emprego para juntar dinheiro e se mudar para um lugar melhor. Não acreditava em destino, mas por um instante pensou que ele estava ao seu lado se fosse real, pois enquanto estava no táxi, viu um anúncio num pequeno quadro a frente de uma cafeteria, escrito com giz.

"Vagas abertas!!!
Contratamos atendentes que tenham experiência com público
Entregue seu currículo até o dia 20/08"

Tinha dois dias para entregar o currículo e sequer tinha um. Não tinha experiência na área, não lidava bem com o público pela falta de paciência, mas, afinal, quem nunca mentiu no currículo? Podia ser apenas um garçom ou ajudar na área da limpeza, talvez ser um recepcionista que entrega panfletos, para ser útil em alguma coisa. Precisava urgentemente de um trabalho. Não que estivesse falido, mas o dinheiro guardado seria dedicado apenas a compras de necessidades básicas: comida e itens de higiene pessoal.

Torcia para conseguir aquele emprego para não ter que passar muito tempo naquela espelunca e ter uma desculpa para ignorar as inúmeras ligações que seus pais deixavam. Seu pai sempre lhe enchia os ouvidos, dizendo que ele tinha que se tornar um homem igual a ele, forte, independente, que trabalha duro e não se deixa abalar por críticas, e estava certo de que o filho conseguiria. Já a mãe era mais preocupada e o tratava como criança, mesmo que ele já tivesse feito vinte anos e deixado claro que sabe se cuidar sozinho.

Gostava de seus pais, mas eram superprotetores às vezes. A mãe quase o convenceu a não deixar os Estados Unidos e chorou horrores quando Jay começou a reunir as coisas para fazer justamente isso.

"Mãe, ainda podemos nos falar pelo celular, e não vou ficar lá para sempre. Posso viajar para cá nas datas comemorativas, não é o fim do mundo".

Talvez estivesse mentindo para sua progenitora, dado que o dinheiro estava apertado no momento e ainda fingia não ver algumas mensagens que ela mandava por mais culpado que se sentisse.

"Querido, está frio aí? Tomara que tenha levado casacos o suficiente.
Lembrou do guarda-chuva?
Caso se sinta mal, ligue para a mamãe."

Recebia muitas mensagens como estas e isso só fez a culpa aumentar em seu peito. Apesar de não gostar de ser tratado feito criança do fundamental, entendia a preocupação da mãe. Como ficaria tranquila sabendo que o filho estava tão longe?

Resolveu parar de ser insensível e responder cada uma, alegando no fim que a senhora não precisava se preocupar tanto e que ele daria um jeito em tudo logo.

quarto 237 • jaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora