04 | Vermelho muito vermelho

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QUANDO LEU O bilhete, Jay foi rápido em abrir a porta e espiar pelo corredor para tentar encontrar o tal vizinho misterioso e chorão, mas não havia ninguém ali.

Ou, era o que ele pensava.

Demorou a notar uma cabeleira vermelha passando entre a fresta da porta do quarto à direita, que fora trancada novamente. O americano arregalou os olhos e quase tropeçou nos próprios pés ao tentar alcançar o garoto, mas já era tarde. Ele havia se escondido novamente.

— Espera, por favor! — ele pediu, mas não obteve resposta.

Sua ideia foi retribuir o bilhete do vizinho, e assim tentou. Voltou para seu quarto e procurou um pedaço de papel e lápis ou caneta para poder escrever, mas não havia nada. Nada mesmo, teria encontrado facilmente porque não havia bagunçado tanto aquele espaço, ainda haviam algumas peças de roupa enfiadas na mala, e ele mal tinha tempo para revirar tudo devido ao trabalho.

Sua solução foi escrever um bilhete no trabalho e entregá-lo ao vizinho na próxima noite, quem sabe roubar um dos blocos de nota e uma caneta da gaveta atrás do balcão. Escreveria cem pedidos de desculpas para amenizar a besteira que tinha feito em, provavelmente, magoar seu vizinho ao pedi-lo para chorar mais baixo.

E como não houve mais choro, conseguiu dormir tranquilamente e acordar bem para mais um dia de trabalho. Como todos os outros, ele se arrumou e sobrou um pouco de tempo, então decidiu ficar enrolando mais até que seu horário chegasse.

No corredor, encontrou Heeseung, de novo escorado na parede, mas dessa vez ele não mexia no celular, apenas encarava o nada, afundado em seus pensamentos. Só notou a presença de Jay quando o mesmo se aproximou, ficando a poucos centímetros de distância.

— Ontem você ouviu, não ouviu? — foi a primeira coisa que Jay perguntou.

— Os barulhos vindos do quarto de Sunoo? — Heeseung respondeu com outra pergunta, mantendo um tom de sussurro.

— Ahn? Não, não ouvi nada. Mas vi um garoto entrando no quarto dele. — o americano descreveu a aparência do desconhecido.

— Aposto que era Sunghoon. Agradeça por não ter ouvido o que ouvi durante boa parte da noite, cara.

Jay conseguiu deduzir exatamente do que se tratava e não achou que precisava dizer mais alguma coisa sobre.

— Eu meio que consegui ver o vizinho do quarto 237 — ele disse e atraiu o olhar curioso de Heeseung —, quer dizer, mais ou menos. Só vi o cabelo dele, um vermelho muito vermelho.

— Os gemidos do Sunoo incomodaram até mesmo o vizinho do 237, então? — o mais velho brincou e Jay falhou em tentar conter o riso.

Como da última vez, Jay se despediu do Lee e seguiu seu caminho até a cafeteria, tomando cuidado para não ser atropelado pelo “aborrescente” Nishimura Riki enquanto saía do prédio.

Enquanto andava, Jay não saberia explicar o quão internamente feio se sentiu por se perguntar como alguém tão fofo e delicado quanto Sunoo poderia ter uma vida sexual, enquanto ele mesmo falhava em flertar com mulheres. Toda vez que se via próximo a uma mulher que julgava ser extremamente bonita e dentro do seu tipo ideal, Jay tremia e sequer conseguia falar. Seu cérebro não conseguia formular nenhuma frase correta e se ocupava mais admirando a mulher.

Jay não ouviu mais a música alta do andar de cima e pensou que alguém tinha finalmente dado um jeito em Riki, então se reclamassem dos barulhos vindos do quarto de Sunoo também, seria ligeiramente constrangedor. Algo como “com licença, senhor. Por obséquio, poderia gemer mais baixo? Há pessoas tentando dormir”. Ele se envergonhou pelo Kim.

O americano escolheu um momento onde não se ocuparia com as tarefas de preparar pedidos ou limpar algo para poder escrever seu bilhete, não sendo cuidadoso para impedir que Jake lesse cada palavra e murmurasse um “hummm”.

Por um momento, sentiu-se uma criança do fundamental escrevendo uma cartinha para a menina que gosta, enquanto seu melhor amigo assiste à cena e fica te zoando eternamente. Do jeito que Jake era, poderia ter gritado para todo mundo ouvir “Jay está apaixonado, Jay gosta de uma garota!”

— Para quem é, hein? — o australiano ficou o rodeando, insistindo para que contasse.

— O cara do 237. Não te falei sobre ele? — o americano largou a caneta.

Jake pensou um pouco e percebeu que, dos mil e um assuntos que conversaram naquela semana, o morador do 237 não foi um deles. Ficou feliz em ter algo novo para debater com Jay.

— Eu não sei qual o problema com ele, mas o ouço chorar todas as noites. Todas. Sem exceção. 

Em seu bilhete, escreveu: “Desculpa, fui muito grosseiro. Você precisa de ajuda?”

— Ontem eu me irritei e pedi para ele chorar mais baixo, e ele me passou um bilhete pedindo desculpa. – ele continuou — Mas, e aí, como andam as coisas com Heeseung?

Jay não gostava muito de falar sobre si ou algo que poderia considerar pessoal, se confiasse muito no indivíduo ele poderia fazer um esforço, mas não era o caso de Jake. O australiano desviou o olhar e esboçou um sorriso envergonhado, coçando a nuca.

— Por que não nos aproximamos antes? Ele é tão legal, Jay. – um brilho surgiu nos olhos escuros dele — E inteligente, e engraçado, e bonito.

O americano não pôde deixar de sorrir com a declaração do colega e apenas concordou com a cabeça, sabendo que os sentimentos de Heeseung poderiam começar a ser correspondidos.

Chegando a noite, Jay se sentiu culpado por pegar papéis e caneta da cafeteria sem permissão, chegou a pedir perdão mentalmente por tal ato mesmo não sendo religioso. Como se estivessem cometendo um crime rigoroso, Jake o acobertou e disse que assumiria a culpa em seu lugar caso algo acontecesse, uma forma de retribuir depois de Jay tê-lo ajudado a se aproximar de Heeseung.

Como de costume, ambos os garotos voltaram juntos para o prédio, com Jake falando até pelos cotovelos durante a caminhada, a espera do elevador, e a viagem do elevador. Jay nunca se importou em não ter ninguém para conversar e, por vezes, se sentir sozinho em Seattle, mas estava contente em finalmente ter alguém como Jake por perto. Óbvio que não se atreveria a dizer isso em voz alta, pois nunca fora o tipo de pessoa afetuosa que demonstra sentimentos com palavras ou toques, Jay era mais do tempo de qualidade e atos de serviço.

Eles se despediram quando as portas do elevador abriram no andar de Jake, e Jay foi para o andar de cima, agradecendo, mais uma vez, não encontrar ninguém no corredor. Odiava ter que explicar a mesma coisa mais de uma vez, e não queria ter que contar a Heeseung ou Sunoo (mesmo não se conhecendo direito) o porquê do bilhete, depois de já ter contado a Jake.

Provavelmente, o australiano faria isso em seu lugar, abrindo a boca para Heeseung.

Enquanto andava pelo corredor, antes de ir para seu quarto, ele enfiou o bilhete por baixo da porta do quarto 237 e o empurrou até que sumisse de sua visão.

quarto 237 • jaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora