07 | Brincadeira de péssimo gosto

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DORMIR ATÉ MAIS tarde foi uma benção que renovou o estado de espírito de Jay, e ele ainda demorou para levantar da cama e tomar um banho quente para fugir do frio que a chuva que batia lá fora ocasionava.

Jay abominava, com todo seu ser, sair enquanto estava chovendo. A sensação de ensopar as roupas e o cabelo, tremer de frio com os pés mais gelados que um caminhão de sorvete era uma sensação tenebrosa. Em sua visão, chuva foi feita para ficar no conforto de casa, sob as cobertas, aproveitando um filme com pipoca e chocolate quente.

Estava largado no sofá, deitado em uma posição totalmente inusitada, até escutar vozes familiares no corredor, uma mais aguda e uma mais grave, misturando-se entre o diálogo que mudava constantemente de tom.

Não sabia se era a melhor das ideias e não queria ser intrometido, mas achou que não custaria nada tentar ajudar o trio a se reconciliar, então abriu gentilmente a porta e se esgueirou para fora, vendo Sunoo e Riki caminhando até o elevador. O japonês parecia não ter peças de roupa de outra cor a não ser preto, e o outro nunca retocava a tinta rosa do cabelo.

Não conseguiu chegar antes que as portas do elevador se fechassem e rosnou de raiva pela sua lerdeza, decifrando nos números e nas setas acima para onde os dois garotos iriam. 

Seria a primeira vez que Jay utilizaria as escadas do prédio porque não queria esperar um milhão de anos por aquele maldito elevador, e descer escadas era sempre uma tarefa muito mais fácil do que subir.

Ele desceu, desceu e mais desceu bem mais rápido do que imaginou até chegar ao saguão e encontrar quem procurava.

Ambos encararam Jay se aproximar. Sunoo sempre carregando aquela expressão doce com um sorriso convidativo, enquanto Riki tinha a cara fechada e talvez nem soubesse o que era sorrir, encarando o estrangeiro como um personagem de A Família Addams. Seria intimidador se ele não fosse só mais um adolescente chato e teimoso.

— Com licença – ele pediu —, vocês eram próximos de Jungwon, não eram? 

Sunoo e Riki se entreolharam e demorou para que o Kim balançasse a cabeça em concordância, permitindo que Jay continuasse:

— Eu sei que não deveria me meter, mas Jungwon disse que sente falta de vocês. 

Os olhos de Sunoo se arregalaram e ele desviou o olhar, esfregando a mão no pescoço ao mesmo tempo em que Riki arqueou a sobrancelha numa expressão debochada.

— Não sei o que aconteceu, ele só disse que Riki mudou muito e que espera que Sunoo esteja feliz com Sunghoon agora. 

A sensação de ser apenas um louco voltou para atingir Jay em cheio quando ele finalizou sua fala e o japonês riu, insistindo no tom debochado enquanto Sunoo se mostrava desconfortável.

— Ele te falou isso? Ah, 'tá. – o mais novo negou com a cabeça — Conta outra, cara. Não quero saber de Jungwon, então fica quieto.

Jay ficou surpreso com a repentina mudança de humor, mesmo que já conhecesse um pouco da personalidade do japonês, não esperava que ele fosse tão grosseiro assim, ainda mais se dando pelo fato do garoto não o conhecer. Ser rude já é um fator que influencia seu nível de atratividade, mas, ser rude com desconhecidos é ainda pior e o torna muito mais deselegante do que desrespeitar as regras do prédio ao tocar músicas estouradas até tarde da noite.

Sunoo deu pequenos passos para trás, afastando-se lentamente até passar ao lado dos dois rapazes e se retirar do local. Riki parecia ter fogo nos olhos enquanto encarava friamente o americano.

— Não fale de Jungwon para mim, muito menos para Sunoo. – ordenou apontando o dedo indicador para o rosto de Jay.

Sentiu-se ofendido quando se lembrou de ter visto em algum lugar que é desrespeitoso no Japão apontar dessa forma, sendo mais comum apontar usando a mão inteira, com todos os dedos esticados. “Adolescente do caralho” – pensou.

Riki saiu também e o único olhar que capturava Jay era o do porteiro que, sentado na cadeira, observou a cena inteira sem proferir uma única palavra, transmitindo pena pela situação e pela forma como Jay havia ficado.

— Você não sabe, meu jovem? – questionou e se inclinou para frente, apoiando os cotovelos sobre os joelhos.

Qualquer mínimo movimento do homem emitia um barulho agonizante das chaves balançando e se batendo penduradas ao redor da calça.

— Não sei do quê? – rebateu.

— Yang Jungwon... – continuou, a respiração aflita — já morreu.

Um enorme ponto de interrogação se desenhou sobre o rosto de Jay, que pensou ser uma piada de péssimo gosto do homem, mas essa ideia foi descartada quando notou a expressão angustiada em ter de tocar no assunto. Seu modo de respiração automática foi desligada quando o coração bateu forte, tentando não demonstrar tal sentimento.

— Ele cometeu suicídio há uns meses. Desde então, o quarto 237 não é mais utilizado. 

— Isso é mentira! Eu o vi! Ele tem cabelo vermelho, e me manda bilhetes!

Isso é mentira, mortos não mandam bilhetes, rapaz. Mas o cabelo, sim, é vermelho, porque ele se afogou na banheira de sangue.

Jay não soube como reagir, apenas ficou estático como uma moldura encarando o homem sem saber o que dizer ou como assimilar todas as informações. Se teoricamente Jungwon estava morto, como ele o escrevia bilhetes? Havia outra pessoa dentro daquele quarto se passando por Jungwon? Era a única explicação, pois fantasmas (ainda mais escritores) não existem.

— Merda. – sussurrou para si mesmo e voltou para a escadaria, não se importando com a quantidade de degraus que teria de subir.

A dor se espalhou por suas pernas quando finalmente chegou ao andar que precisava e foi diretamente agarrar a maçaneta do quarto 237, tentando girá-la e empurrar a porta com o ombro e falhando em todas as vezes. Aquela droga de porta estava sempre trancada.

Ele bateu na porta e chegou a chutá-la, mas nada aconteceu além da chuva se intensificar lá fora, fazendo sua mente revirar com o barulho alto que o desconcentrava.

Antes, ficava ansioso para receber bilhetes de Jungwon, mas, naquele momento, quando outro passou por debaixo da porta, ele só queria atear fogo naquele papel e nos outros guardados dentro de seu apartamento.

Não queria acreditar naquela maluquice e, para sua infelicidade, quase tudo batia corretamente. O fato de ninguém nunca vê-lo, de ele nunca falar nada, a reação de Riki e Sunoo quando ele mencionou Jungwon. Mas então, por que ele conseguia chorar, escrever, e conseguiu vê-lo naquela noite, afinal?

De todo modo, abaixou-se e, com as mãos trêmulas, abriu o papel respeitando a dobradura.

Eu não me matei

— Que porra... – foi interrompido por outro papel atingindo seu pé.

Eu não fiz isso comigo mesmo

— O que aconteceu então, Jungwon? Quem fez isso com você? 

Seu corpo inteiro tremia feito uma britadeira, muito mais pelo nervosismo do que pelo frio, e sentiu sua pressão baixar devido à demora para ser respondido. Não enrolou para pegar o próximo papel que surgiu, a fim de entender melhor toda aquela situação tão irreal.

Lee Heeseung

quarto 237 • jaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora