09 | Isso é o que importa

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A VOZ DE Jake soou um pouco antes das sirenes da polícia para renovar a esperança de Jay e nutrir a raiva de Heeseung, que se inclinou até que seus lábios alcançassem ouvido do americano.

- Se tentar qualquer coisa, vou fazer com você pior do que fiz com o inútil do Jungwon.

O modo cruel como ele falava abusando do tom rouco fez Jay, pela primeira vez, achá-lo assustador. O vizinho aparentemente doce, que se vestia como o presidente de um grêmio estudantil e foi o primeiro a recebê-lo com uma torta de frutas vermelhas, era o mesmo que havia matado o garoto que chorava toda noite, atormentando seu sono e lhe mandando bilhetes e, agora, poderia matá-lo também.

Era impossível não lamentar por Jungwon, pensando nas atrocidades que Heeseung poderia ter feito com ele. Não era o melhor momento para se dedicar a isso, mas ainda era terrível pensar que o garoto nunca teve a chance de realizar os sonhos que provavelmente tinha, de literalmente viver sua vida. Foi tirado de seus amigos e ainda pensavam que o próprio tinha causado isso, o que tornava tudo mais doloroso.

Com muito azar, aquele poderia ser o fim de Jay e Heeseung poderia se safar de novo. Assim, ninguém nunca descobriria a verdade. Sunoo e Riki continuariam achando que Jungwon os deixou cortando os pulsos na banheira.

O Lee arrastou o americano até o quarto e manteve o olhar nele sem sequer piscar, certificando-se de que ele não tentaria berrar ou fugir conforme o barulho das sirenes ficava mais alto junto com a voz de Jake.

- Jay? - ele chamava, seu tom denunciando o desespero - Jay, cadê você?

Naquele cômodo, a respiração ofegante dos dois rapazes era agoniante, sendo mais um fator para influenciar no embrulho do estômago de Jay. Seus órgãos pareciam estar virando do avesso, o deixando enjoado e causando quedas de pressão constantes.

Foi em vão tentar tirar a vida de outra pessoa e se manter em silêncio, e sabia que não tinha mais nada que pudesse fazer quando a porta do apartamento foi arrombada com violência, entrando três policiais armados para investigar o espaço.

Quando um deles chegou ao quarto apontando a arma para Heeseung, ele ajeitou a postura e colocou as mãos atrás da cabeça, sendo obrigado a se ajoelhar para que o policial o algemasse.

Jay nunca respirou tão aliviado antes e recebeu ajuda para levantar, sugando ar entre os dentes devido à ardência espalhada em seu corpo causada pelos golpes aplicados por Heeseung. Os cortes e arranhões não eram feios, mas ardiam, e isso bastava.

Foi levado para fora logo depois de Heeseung, sendo recebido por um Jake totalmente encharcado e visivelmente aflito, que o abraçou com força mesmo percebendo seus machucados.

- Puta que pariu, Jay. - o australiano ameaçava chorar.

- É a primeira vez que te ouço falar palavrão. - Jay retribuiu o abraço com as mãos trêmulas.

- Essa é a primeira coisa que diz? Após ter quase morrido? Caralho, Park Jongseong! - reclamou agarrando os ombros do americano e o chacoalhando.

Jake fungava incessantemente e Jay sentiu dó, dando-se conta de que ele havia fugido do trabalho pelo avental preto que ainda estava amarrado em seu corpo, e que ele havia corrido sob aquela tempestade horrorosa.

- Fico tão feliz por você estar bem. - ele analisava cada parte de Jay.

- Filho da puta. - direcionou a ofensa a Heeseung - As cicatrizes vão me deixar horrível.

- Dane-se! Você está vivo, isso é o que importa!

Jay correu o olhar em sua volta e arqueou a sobrancelha, vendo todos aqueles policiais circulando freneticamente.

- Como você... - apesar da questão incompleta, Jake compreendeu.

- A ligação ainda estava ativa. - explicou - Ouvi tudo que Heeseung falou e, então, chamei a polícia.

- Mas e o trabalho, Jake?

- Dane-se o trabalho também, já disse que você é mais importante.

De longe, Sunoo observava tudo com os olhos arregalados e lacrimejantes, aproximando-se timidamente para tocar as costas de Jay.

- Eu não sabia... não imaginava que... - o choque o impedia de completar a frase.

Logo, o curioso Riki chegou com seu moletom preto e capuz cobrindo parte da cabeleira loira e carregando a mesma expressão que os outros rapazes.

- Sunoo, Riki, tem algo que preciso contar a vocês. - ele começou ao perceber a presença de ambos ali - Jungwon não se matou.

Riki revirou os olhos e estava prestes a voltar para seu quarto sem dar a chance de Jay explicar a situação, mas Sunoo segurou seu braço e o obrigou a permanecer ali.

- Foi Heeseung. Ele matou Jungwon e fez parecer que foi suicídio.

Jake concordava com a cabeça, complementando com o que havia revelado antes sobre ter ouvido Heeseung confessar seu crime na chamada.

Sunoo e Riki sequer se olharam daquela vez, apenas ficaram boquiabertos com todas aquelas informações sendo jogadas ao mesmo tempo, os deixando bêbados de angústia.

O Kim cobriu a boca com uma das mãos e virou o corpo para esconder o choro que veio impiedosamente, permitindo-se liberar a dor que o tomou em descobrir que seu amigo e vizinho havia matado seu melhor amigo de longa data, e ousava continuar o vendo, e falando com ele.

O japonês quis chorar, mas não conseguiu, permanecendo estático por longos minutos até tornar a movimentar seus músculos. Ele se reaproximou do amigo e o abraçou pelos ombros, ambos se confortando por compartilharem o mesmo sofrimento.

Jay foi levado pelos policiais, e enquanto andava pelo corredor com certa dificuldade, encarou a porta do quarto 237 da maneira mais lamentável possível.

- Obrigado, Jungwon. - ele sussurrou sem nem saber o porquê estava agradecendo, apenas sentiu que deveria.

Mesmo não conhecendo o rosto de Jungwon, conseguiu imaginar o garoto sorrindo docemente e o agradecendo de volta, sem utilizar palavras, apenas acenando com a cabeça.

Depois desse evento traumático, Jay passou a se sentir muito mais grato por tudo. Nunca pareceu tão maravilhoso ouvir o sotaque de Jake ou receber ligações de seus pais, e ele ainda não fazia ideia de como contaria tudo a eles. Precisava contar, mas não o faria tão cedo, pois sabia que, assim, iriam surtar e fazê-lo voltar para os Estados Unidos, ou viajariam para a Coreia.

Valorizar a vida e arriscar um pouco mais se tornou uma tarefa mais fácil para Jay, servindo de lição também para seus amigos. Jake passou a conhecer melhor as pessoas para depois afirmar que estava apaixonado, Sunoo passou a não confiar tanto em qualquer um, e até mesmo Riki passou a ser mais receptivo e gentil com Jay e abandonou um pouco o jeito rebelde, abrindo-se mais com o mundo exterior, não apenas o que ele havia criado em seu quarto.

Levou boas sessões de terapia para superarem esses acontecimentos, mas com insistência e com Heeseung preso, as coisas ficaram um pouco mais leves.

No fim, todos (inclusive o namorado de Sunoo) se juntaram para se despedir de Jungwon, algo tão doloroso quanto libertador. A desculpa da aproximação serviu para que eles planejassem juntar suas economias e se mandar daquele cenário de terror.

Enquanto Sunoo conversava com Jake e Riki apenas ouvia, Sunghoon se aproximou de Jay e pegou o celular para procurar algo na galeria. Achou uma foto dele na pista de patinação, abraçando Sunoo de lado, próximo a Riki e um garoto de cabelos escuros.

- É Jungwon. - apontou para o garoto desconhecido.

Aquela foi a primeira vez que Jay ouviu a voz de Sunghoon, a primeira vez que ele havia lhe dirigido a palavra. Ele analisou melhor a foto (em específico, Jungwon). Seus fios castanhos eram mais escuros que os de Sunghoon, os olhos de jabuticaba pareciam abrigar um brilho indescritível, e suas bochechas rosadas com duas covinhas profundas o deixavam ainda mais adorável. Mas o sorriso foi o que conquistou Jay que, sem perceber, sorriu junto.

Jungwon parecia doce e não merecia o destino que teve.

quarto 237 • jaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora