03 | Chore mais baixo

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OS DIAS NUNCA eram os mesmos porque Jake sempre tinha algo novo para conversar, e se não tivesse, inventava, tudo para não ficar quieto na presença de Jay, este que apenas concordava com tudo aquilo que não conseguia dominar, sabendo falar apenas quando se relacionava a algo que era de seu gosto, como filmes de terror, mas Jake morria de medo. O australiano se assustava até mesmo com o barulho da máquina de café, ou quando o sininho tocava, indicando que alguém havia entrado ou saído da cafeteria, e Jay achava isso genuinamente engraçado.

Para quem temia quase tudo, Jake não parecia temer morar num lugar como aquele, digno de um filme de terror dos anos 90 ou, quem sabe, a adaptação mais recente do filme A Morte do Demônio: A Ascensão.

Jay e Jake tinham mais uma diferença: o americano conseguia fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, o australiano, não. Jay ouvia tudo que Jake tagarelava e preparava o pedido dos clientes, enquanto ou Jake falava, ou fazia, os dois era uma tarefa impossível. Agora, ele contava que graças a revelação de Jay, ele e Heeseung começaram a conversar, e o Lee não era tão irritantemente certinho quanto achava. Jay sentia-se bem por dar um empurrãozinho para que os dois se aproximassem, já que se dependesse de Heeseung, aquilo jamais aconteceria. O mais velho ficava abobado só de falar de Jake, então nem conseguia imaginar como ele ficava perto do mesmo.

No meio do assunto, o próprio Heeseung empurrou a porta de vidro e adentrou o estabelecimento, atraindo a atenção dos dois rapazes atrás do balcão. Jake sorriu quando ele se aproximou, e Jay se afastou minimamente para deixá-los conversarem a sós.

Acabaram se distraindo e jogando conversa fora por um bom tempo, Heeseung apenas se lembrou que tinha de fazer um pedido e sair dali quando mais dois clientes se colocaram atrás dele, já impacientes de tanto esperar. Jake anotou os três pedidos e teve que suplicar pela ajuda de Jay para aprontar tudo logo.

O pedido das outras duas pessoas foram entregues primeiro porque Jake queria atrasar Heeseung e aproveitar sua presença ali no local, mesmo que não pudessem mais conversar tanto quanto haviam feito, só trocar olhares e sorrisos já bastava.

Não era chato observar rostos entrando e saindo, cabelos e roupas diferentes, anotar pedidos e prepará-los, entregá-los, limpar as mesas, e todo o resto. Jay estava se saindo muito bem, mesmo que tivesse mentido quando disse que tinha experiência na área, e estava gostando de trabalhar lá muito mais do que esperava.

Mesmo após terminar de comer uma fatia de bolo red velvet, Heeseung continuou sentado sobre a mesa mais ao fundo do estabelecimento, apoiando o queixo sobre a palma da mão para admirar cada movimento de Jake atrás daquele balcão, parecendo tão majestosamente bonito até mesmo quando estava realizando tarefas tão simples quanto passar pano sobre a madeira, ou varrer o chão.

O Lee ocupou aquela mesa cerca de uma hora, até finalmente se levantar e se aproximar de Jake, debruçando-se perto da caixa registradora.

- Foi ótimo te ver, mas tenho que ir agora. Te vejo depois? - ele disse olhando diretamente para o australiano.

- Te vejo depois. - ele sorriu e assistiu ao mais velho deixar o local.

Jay alternou o olhar entre os dois rapazes com a sobrancelha levantada, se abstendo em comentar que pensava que aquilo realmente se tornaria algo além da amizade, como Heeseung queria. Jake parecia muito mais interessado do que realmente deveria, provavelmente querendo a mesma coisa.

No final do dia, restava apenas mais uma cliente que aguardava seu cappuccino e sua torta de limão para a viagem, qual Jay fora preparar enquanto Jake limpava o resto do estabelecimento para fechá-lo quando a garota fosse embora. Pôs a torta numa pequena bandeja de plástico e despejou o líquido pronto num copo de isopor.

Quando ia entregá-los para a menina, acabou acidentalmente esbarrando a mão sobre a borda do copo, fazendo-o virar e derramar o líquido quente em sua calça moletom, escorrendo arduamente em sua perna direita.

Ele grunhiu de dor e a garota não soube como reagir com o susto que levou. Jake escorou a vassoura que segurava na parede e foi rápido em se aproximar para tentar ajudar o colega. Jay resmungava palavrões em sua língua nativa e arrastava um pano úmido em sua calça manchada, sentindo-se como um picolé derretendo sob o sol numa tarde de verão.

- Eu sinto muito, moça. Vou fazer outro para você. - ele se desculpou pelo atraso que causou.

- Não tem problema! Espero o quanto for preciso. - foi doce e compreensiva.

A sorte de Jay é que voltaria para o prédio assim que acabasse tudo ali, podendo tomar banho e trocar aquela roupa. Fez o cappuccino mais rápido que antes, colocando uma grossa camada de chantilly por cima e uma pitada de canela em pó.

Ele entregou para a garota e se desculpou em ter que deixar Jake terminar de limpar tudo sozinho, mas precisava mesmo se livrar do problema que criara. O australiano sempre entendia, dizendo que não havia com o que se preocupar. Jay se sentiu um pouco mal em parecer tão ignorante com o garoto às vezes, mas era seu jeito e não havia exceções, agia assim com todo mundo, até mesmo com seus pais.

Ele correu de volta para o prédio e praguejou o maldito elevador que demorava duzentos anos para chegar, mas ainda sabia que era parcialmente culpado por morar nos calcanhares de Judas, ainda que ele não tivesse escolhido o quarto.

Felizmente, aquele corredor era sempre deserto e só encontrava Heeseung por ali de vez em quando, o que não havia acontecido naquele momento, mas talvez a sorte não estivesse o acompanhando, já que um garoto desconhecido passou por ele bem rápido para chegar ao quarto no final do corredor, onde Sunoo morava.

Ele era alto, magro e exageradamente bonito, com alguns de seus fios castanho escuro caindo sobre a testa, e as pintas no nariz deixavam-no ainda mais charmoso. Ele tocou a maçaneta do quarto e paralisou um segundo, virando a cabeça na direção de Jay. Seu olhar desceu para a mancha na calça do americano e o mesmo pôde perceber sua expressão confusa, aparentando segurar o riso.

- Eu não mijei na calça. - Jay sentiu a necessidade de explicar - Eu derramei café.

O estranho sorriu e entrou no quarto. Jay suspirou e seguiu seu caminho, finalmente indo tomar banho e trocar aquela roupa.

Eram onze da noite quando o sono veio e estava agradecendo mentalmente por não ter escutado nenhum choro no quarto à direita, e foi aí que ele começou. O americano, já aborrecido por conta daquela situação se repetindo todas as noites como um evento canônico, levantou-se e saiu para chegar ao quarto 237, batendo na porta mais forte que as outras vezes.

- Chore mais baixo, droga! - faltou com a sensibilidade, frustrado.

Aquilo sempre funcionava para fazer o choro parar, então ele suspirou alto e voltou de onde veio. Após fechar a porta e se rastejar para a cama novamente, algo tocou seu pé.

Era um pedaço de papel dobrado que fora passado por debaixo de sua porta, naquela minúscula fresta. Jay não identificou nenhuma sombra ali que mostrasse que havia alguém atrás da barreira de madeira escura.

Ele se abaixou e pegou o papel, abrindo-o e percebendo que se tratava de um bilhete escrito a lápis, uma caligrafia adorável.

"Desculpe por chorar tanto, vizinho"

quarto 237 • jaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora