Capítulo 1.

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Durante a noite, e num local silencioso, se você colocar seus ouvidos voltados a terra, você ouvirá a voz dos mortes. E se tiver sorte, eles te contaram um e outro segredo.

Sinto dor até aos ossos, minha pele arde, a sensação de ter os ossos torturados me devasta. Me sinto como a aldeia em chamas, meu corpo dói tanto que me forço a abrir os olhos.

— Veja só, ainda está viva. — encaro ao meu redor e vejo que estou numa estranha cabana, tem uma cadeira de madeira, ao meu lado, tem três tigelas que não consigo identificar o que tem. A cabana tem alguns colares de branco e vermelho pendurados pela casa, como também caveiras, pote com olhos, e tripas. — Não pensei que fosse sobreviver, você estava muito ferida quando te tirei do rio.— volto minha atenção para a velha idosa e com aspecto de bruxa.— Escapou por um tris da morte, se bem que se morresse, eu não me importaria, usaria seus órgãos para fazer medicamentos tradicional.

— Onde estou?

— Você fala, interessante.— ela segurou o meu queixo apertando, de seguida, abriu os meus olhos e puxou os fios dos meus cabelos.— Estamos na fronteira entre Ergans e Benvil, e você com certeza é de Ergans, só os de seu povo tem as chamas do diabo na cabeça. Você deve ser a única sobrevivente do vilarejo que foi incendiado. Se bem que se tivesse morrido seus órgãos dariam um ótimo medicamento tradicional.— sua risada é arrastada e grave, como se estivesse rindo com os defuntos.

Ela saiu, tentei me levantar, e estranhamente já não sinto dor pelo corpo. Como se todo o ardor que senti enquanto estava dormindo tivesse sido fruto de um pesadelo. Em alguns minutos a velha voltou com uma tigela de barro contendo, comida.

— Coma, está muito fraca. — a sopa tem um aspecto estranho, as bolhas borbulhantes. Olhei para velha de relance antes de começar a comer, o gosto também é horrível, mas como ela me salvou não posso me dar o direito de reclamar como má agradecida.

Depois que me alimentei, ela me convidou para tomar banho, depois me ofereceu roupas novas.

— Pertenciam a minha falecida filha. — ela disse enquanto eu a seguia.— O pai dela era de Ergans também, nasceu com os traços do diabo e acabou morrendo nas mãos de bárbaros.

Chegamos a uma pequena horta, uma mistura de plantações, de um lado couve, alface no meio e do outro feijão. Ajudei ela a tirar as plantações e de seguida a revirar o solo, o preparando para as próximas plantações. E em nenhum momento, a velha se calava, parece que ela não vê um humano a tempos, fala de sua vida pessoal sem olhar para trás, e eu apenas ouço. Afinal, não há nada que uma pessoa como eu possa fazer.

Durante a noite, ela me deixou ficar na sua cama, a única que tem em sua cabana. Enquanto ela, permanecia do lado de fora da casa, como se não estivesse sentindo o frio bater contra sua pele ressecada.  Ela estava lá, sozinha, com seu cajado, apreciando a noite, ou talvez falando com os mortos.

Eu por outro lado, não consegui dormir, sempre que eu fecho os olhos o cenário, da minha família morrendo diante dos meus olhos me atinge, e eu simplesmente fico sem saber o que fazer. Sinto medo de fechar os olhos, mas até isso, não entendo porque sobrevivi. O que será de mim daqui para frente?

Com os pés encolhidos, e as costas encostados na cabana, passei a noite em claro, com os olhos na janela, observando a velha sentada do lado de fora.

— Não queria ter que fazer isso! Você ia me dar uma ótima companhia ou melhor, gostaria de ensinar você a ser uma curandeira, já que não tenho herdeiros.— na manhã seguinte, comemos, de seguida a velha deu-me outras roupas, escovou o meu cabelo, o amarrando numa traça. Agora estamos caminhando, em direção ao mercado central, que fica em Benvil, vim aqui algumas poucas vezes com o meu pai, para trocar produtos.— Mas os espíritos não te querem aqui, parece que eles tem algo melhor reservado para ti.

O conceito melhor para essa velha curandeira, não deve ser o mesmo que as pessoas comuns usam, afinal. Ela me levou para venda de escravos. Estou numa fila a horas, esperando alguém vir me comprar. Os compradores, avaliam com base no sexo, altura, estatura e beleza. Quanto mais alto, forte e bonito for, melhor para quem vêm te cobrar.

Um homem musculoso, de cabelos e olhos castanhos, alto, na distração de seu mestre tentou fugir, o que causou espanto e um pouco de espectativa para o restante dos escravos. Principalmente ao ver que os homens de seu mestre estavam tendo dificuldade de o encontrar. Mas em alguns estantes, o homem estava de volta, todo surrado, e ainda está sendo punido a nossa frente como lição de moral.

— Por quanto está vendendo está?— perguntou um homem moreno de manto preto, olhando para mim.

—  Dez moedas de prata.— disse a velha.

— Tudo isso?

— Essa velha quer ficar rico a nossa custo?— disse outro homem de cabeça raspada que está ao lado do moreno.

— Não seja duro meu senhor.— a velha riu.— Ela é jovem, pode trabalhar nas plantações, na casa e até dar-lhe herdeiros belos.

— Herdeiros?— ironizou o de cabeça raspada. Depois começou a rir — E quem é o louco que iria ter filhos com essa raça do diabo? No mínimo vão trabalhar nas plantações.

O moreno tirou uma sacola, com as moedas e laçou para a velhinha.

— Quem se importa?— indagou o moreno.— Ela será um bom presente para os comandantes.

— Só se estiver falando do Jorgen aquele homem é um sádico por mulheres e especialmente ruivas. — o de cabeça raspada disse rindo.— Quanto tempo pensa que ela durará viva?

A Escrava | Em Degustação |Onde histórias criam vida. Descubra agora