TRÊS NOTÍCIAS

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NAQUELE

sábado, a vida de Anabela mudaria para sempre, mas ela ainda não sabia disso. O dia começou como todos os outros, com cheiro de pão quente no forno, suco de laranja na jarra, mesa posta, Anabela entrando na cozinha com cara de sono e Marcelo sorrindo um bom-dia feliz, com boas notícias para contar.

Quando o pão já estava no prato, a faca na manteiga, o suco de laranja nos copos e o chá de Anabela soprando de dentro da xícara, chegou a hora. Marcelo, contentíssimo, anunciou:

-Eu tenho três notícias: uma muito boa, outra ótima e mais outra fantástica... Qual você quer saber primeiro?

Na véspera ele havia ido a uma reunião de trabalho importante, mas chegara tão tarde que Anabela já estava dormindo e não dera para contar o resultado:

-Quero todas! E quero um pedaço do pão também.

-A notícia muito boa é que eu consegui o emprego do teatro. Não é fantástico? A ótima é que você vai comigo pra lá todas as tardes. Não é incrível? E a fantástica é que hoje vamos a um balé no teatro! É ou não é uma notícia boa?

Anabela ficou confusa com tantos adjetivos e exclamações, mas seu pai era assim mesmo quando estava feliz. Naquele dia ele estava especialmente contente, por ter conseguido o emprego dos seus sonhos.

Marcelo era um cara muito legit. Absolutamente apaixonado por sua profissão, a arquitetura, e um dos maiores especialistas em construções do século XIX e XX. A boa notícia daquele dia era que finalmente ele tinha sido contratado como um dos responsáveis pela reforma do Theatro José de Alencar, o mais antigo da cidade de Fortaleza - começou a ser construído em 1908.

Fizeram um concurso entre arquitetos para verificar quem conhecia mais sobre os detalhes do teatro. Marcelo foi aprovado em primeiro lugar e agora seu trabalho era garantir que a reforma mantivesse tudo igual ao que era quando o teatro foi inaugurado, em 1910.

Sobre o concurso, Anabela já imaginava que ele passaria. Não era possível que alguém entendesse mais da arquitetura daquele lugar que seu pai. Mas, sobre as tardes no teatro e do balé à noite, era tudo novidade.

Depois Marcelo explicou com calma: para marcar o início da reforma, haveria uma apresentação de Giselle, um lindo espetáculo conhecido no mundo todo.

Os funcionários e envolvidos na obra estariam presentes e Marcelo queria muito que ela fosse.

-Está bem, mas eu preciso pedir um vestido emprestado pra Luciana.

-Se quiser levar a Luciana, eu tenho outro convite.

Anabela tinha outros planos para aquela noite, um encontro com as amigas, mas cancelou tudo. Ela queria comemorar a vitória do pai.

Marcelo estava sem trabalho antes disso. As empresas queriam arquitetos que entendessem de metais, vidros azuis e prédios com muitos andares. Diziam que ele estava parado no passado. E estava mesmo. Marcelo não usava nada moderno. Dispensava eletrodomésticos, máquinas ou qualquer objeto que fizesse o mesmo que ele poderia fazer sozinho.

Marcelo era daquelas pessoas que acreditam no trabalho das mãos. Isso fazia com que algumas coisas na casa fossem meio tortas, é verdade, mas ele era assim. Diziam que Marcelo era louco, estranho, excêntrico por viver com a cabeça em um tempo que não volta mais.

Cada um tem seu tempo - ele respondia, calma e pacientemente, como era a vida naqueles anos que ele conhecia tão bem. Agora as coisas começavam a fazer sentido. Talvez parassem de tentar mudar o calendário do coração de Marcelo. Anabela saiu correndo, foi ligar para Luciana e combinar tudo sobre os preparativos para o balé à noite... Voltou da porta e fez uma coisa que ela esquecera:

- Parabéns, paizinho!

Foi o abraço de pão com manteiga mais feliz da vida deles!


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A BAILARINA FANTASMAOnde histórias criam vida. Descubra agora