O QUEBRA NOZES

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O EMPENHO

pessoal das autoridades, influenciadas pela insistência de suas respectivas esposas, acelerou todos os trámites neces- sários para a instalação da escola. Em três semanas, Carlotta tinha em mãos mais matrículas do que poderia comportar.

A formação era completa. Elisabeth ministrava aulas de música e ritmo, indispensáveis para uma bailarina. Carlotta separava algumas horas de ensaio por semana para contar a história do balé clássico no mundo. Levava libretos de alguns balés famosos como O Lago dos Cisnes, Giselle, Copelia e lia para as alunas, que sonhavam encenar um desses espetáculos.

Carlotta, naturalmente, sonhava com um grande espetá- culo no palco do teatro, mas sua experiência era suficiente para saber que as jovens bailarinas estavam apenas começando e não estavam preparadas para uma apresentação pública de grande porte.

Ainda seriam necessários cerca de quatro ou cinco anos de trabalho com o grupo, além de outras providências, como identificação de profissionais para cuidar do cenário, figurino, músicos de orquestra, enfim. Era preciso ter paciência.

Elisabeth passava o dia inteiro no teatro. Quando não estava trabalhando na escola de balé, ocupava-se com seus alunos e alunas de piano. Aluno, na verdade, ela só tinha um: Gabriel, que havia se sentado ao piano por mero acaso e se tornado um pianista brilhante.

O pai de Gabriel, o doutor Augusto Arruda, era um médi- co dos mais respeitados de Fortaleza. O fato de ser excelente clínico geral, capaz de diagnosticar e curar doenças com duas dúzias de perguntas e um exame exageradamente detalhado, fazia com que os pacientes suportassem seus modos no trato pessoal. Sem meias palavras, era um homem grosseiro, frio, que se ocupava da doença, sem demonstrar a menor afeição para com seus doentes.

Era com a mesma frieza e rigidez que o respeitado mé- dico tratava a esposa, a Sra. Angélica Arruda, e o filho único, Gabriel, de quem havia traçado o destino logo que diagnosti- cara a gravidez da mulher.

Nos planos do Dr. Augusto Arruda, o filho seria médico. estudaria na Europa e voltaria a Fortaleza. Gabriel herdaria a clínica do pai, instalada em uma casa antiga, com móveis de ferro, frios e desconfortáveis. Com alguns anos de experi- ência, certamente se tornaria um diretor de hospital no Ceará e seria aposentado e enterrado com honras de chefe de Estado. Era mais que um objetivo de vida. Parecia uma obsessão. Dr. Augusto seria capaz de qualquer coisa para que o plano se realizasse da forma que imaginara, sem admitir nenhuma alteração.

Ainda que ele trabalhasse incansavelmente, atendendo pessoas que viajavam quilômetros e pagavam qualquer preço por uma consulta sua, a família Arruda levava uma vida mo- destíssima. Tinham o básico, nem um palito a mais. O resto do dinheiro era guardado para os estudos de Gabriel.

Apesar de tantos detalhes sobre o curso de seu destino, não havia o mais leve esboço desses planos no coração de Gabriel. Era insano ao menos pensar em questionar. Por isso, ele obedecia.

Quando soube da presença de uma escocesa poliglota na cidade, o Dr. Augusto Arruda foi procurá-la e disse, sem maio res rodeios, que gostaria que o filho tivesse aulas de inglés e francês com ela, já com vistas a prepará-lo para a vida na Eu ropa. A conversa foi rápida. Elisabeth acertou o preço e o local das aulas: o teatro, obviamente. A principio, ele discordou. O teatro não era um ambiente propício para um curso sério. - Arte é só distração - disse ele. E os grandes ho-

mens nunca se distraem.

Elisabeth foi firme. Se não fosse ao teatro, não haveria aulas. E ele teve de concordar. Após preparar o curso de inglés, Elisabeth recebeu o aluno por consideração à mãe do garoto, Angélica, que comparecera

A BAILARINA FANTASMAOnde histórias criam vida. Descubra agora