ALEGRIA

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ENTRE

maquiagens, perfumes e grampinhos no cabelo, o dia passou rápido para Anabela e Luciana. Chegou a hora de ir ao balé. Marcelo vestiu um paletó emprestado e estava elegantíssimo. Eles não falaram, mas perceberam em silêncio que as pessoas sempre ficam mais bonitas quando estão felizes. Anabela estava linda, de vestido longo e um sapatinho de salto que doía no pé, mas sofrer para ficar formosa valia a pena.

Quando chegaram ao Theatro José de Alencar, eles ficaram quase dez minutos imóveis na praça do outro lado da rua porque Anabela não conseguia parar de olhar para aquele lugar inacreditável. Claro que ela já o conhecia, mas felizmente ela nunca deixava de admirar a beleza, mesmo que a visse mais de uma vez.

Anabela observava as pessoas passando na rua de um lado para o outro, olhando o relógio, desatentas. Cruzavam as portas do teatro completamente distraídas, como se ali fosse um lugar qualquer. Os convidados que chegavam para o balé entravam retocando o cabelo ou conversando sobre a rotina do dia. Sem nenhuma admiração, nenhuma descoberta, nenhum espanto. E os três ali em frente nem conseguiam falar. Estavam completamente hipnotizados, com o corpo no presente e olhando para o passado que permanece ali, mas só para quem consegue enxergar. Tão comum para aquelas pessoas, tão incrível aos olhos deles...

- Parece um bolo de suspiro branco com cobertura de creme! - disse Luciana, comendo o teatro com os olhos.

O primeiro prédio era uma casa de dois andares, com sete portas no térreo e sete janelas no primeiro andar. No ponto mais alto e bem no centro, o rosto de um senhor sorridente dava as boas-vindas aos visitantes. Abaixo dele, um lindo casal de anjos estava ocupado com um beijo sem fim. Um pouco acima do rosto simpático, duas senhoras sérias e elegantes prestavam atenção a tudo, olhando para os lados, em pé, nas duas pontas mais altas do prédio. Elas não eram brancas como suspiro: eram damas de ferro. Para os olhos de Anabela, as esculturas tinham vida.

Atrás delas, Anabela reparou nos dois leões alados com cara de poucos amigos. Não eram nada simpáticos. No caso de uma necessidade, certamente lutariam contra qualquer coisa para defender o senhor sorridente, os anjos apaixonados e as senhoras elegantes que cuidavam do Theatro José de Alencar.

Desde pequena Anabela tinha uma certeza: as estátuas saem do lugar depois da meia-noite. Saem andando, falam, conversam. São vivas, sim. Só disfarçam serem imóveis para ficar sabendo das coisas.

- Nunca se deve contar um segredo perto de uma estátua. - Essa era uma das certezas de Anabela, anotada em seu caderno secreto de certezas absolutas. As sete portas, sete janelas e sete guardiões deixaram a menina tão encantada que ela ficaria ali a noite inteira, se não fosse o discreto puxão que Luciana lhe deu no braço, lembrando que era hora de entrar...

Os très entraram pela porta do canto direito e atravessaram o prédio de creme com suspiros, que tinha no teto uma pintura linda, mas muito descascada. Marcelo parou com as meninas sob a pintura e pediu que as duas fechassem os olhos. Seguiram uns dez passos adiante, executando a dificil tarefa de andar de salto alto e de olhos fechados, quando Marcelo cochichou:

-Podem abrir!

Ali estava o coração do Theatro José de Alencar: a sala de espetáculos. Uma impressionante estrutura de ferro esverdeado, tão linda, tão rica em detalhes que elas poderiam passar o resto da vida ali.

O pai contou que a estrutura de ferro viera toda da Escócia, de navio.

-Que lindo deve ter sido! Este teatro inteiro flutuando em cima de um navio enorme, da Europa para o Brasil.

-Fantástico!

Marcelo teve vontade de explicar que as peças vieram desmontadas, mas deixou a filha imaginar do jeito dela, pelo tempo que ela quisesse. Era bonita a cena de um teatro atravessando o oceano.

A sensação de Anabela era de que cada pequeno detalhe guardava um grande segredo. Aqueles rostinhos nas colunas de ferro olhavam para ela querendo dizer alguma coisa. Sim, eles poderiam falar a qualquer momento. Os vitrais coloridos lembraram o brilho e as cores das bolas de Natal da sua mãe. O nome do teatro era escrito com "th", exatamente como estava no período da construção. Tudo absolutamente espantoso de tão lindo!

Marcelo mostrou também que no meio do pátio havia um poste de iluminação que ainda conservava os canos do tempo em que toda a luz do teatro era a gás. Lá junto desse poste havia uma estranha reunião, com mais de onze gatos, olhando para cima, para alguém. Mas não havia ninguém.

- Gato é bicho estranho - disse Luciana, que morria de medo deles.

Tocou a primeira campanhia. O balé já ia começar.

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A BAILARINA FANTASMAOnde histórias criam vida. Descubra agora