Laços do Passado

02

Quando a ultima cinza termina de cair, Davian devolve minhas luvas. Ouço passos da multidão, e sei que fazem a fila, viro-me para eles mais uma vez, meus anciãos e minhas meninas ficam atrás de mim, e um a um, os convidados me prestam suas condolências, e logo partem para suas carruagens em direção ao castelo, onde haverá um jantar em homenagem à meu pai, serão servidos seus pratos favorito, cantadas canções em sua honra, e histórias sobre seus feitos.

Pelo menos até depois da coroação, o castelo estará cheio. Todos os reis da Aliança devem testemunhar a coroação do novo herdeiro, por isso não há um grande intervalo entre o funeral e a coroação, o que eu particularmente não concordo na tradição, não deveria ser necessário que tantas pessoas viessem ao serviço fúnebre.

O estoico rei Ragnar e a delicada rainha Ingrid, juntamente com Freya, sua filha mais velha, de Mawé são os primeiros da fila.

- Ele foi um bom homem - rei Ragnar pigarreia, sua voz continua tão grave como quando eu era criança, e me escondia nas passagens secretas do palácio para ouvir as reuniões de meu pai, Ragnar não mudará tanto, apenas algumas linhas marcando o rosto, pequenos fios brancos em meio aos cabelos longos ruivos presos para trás, e na longa barba ruiva, mas continua forte e imponente, com seus dois metros de muito músculo e tatuagens - um guerreiro letal, e um parceiro leal, é uma grande perda, que ele enfim descanse... hoje tenho a certeza de que sua alteza tem a mesma chama que ele, ele estaria orgulhoso - não parece ser uma bajulação, nunca vi Ragnar medir as palavras em nada, e agora, seus olhos azuis brilham, sob sua seriedade gélida - E nós não temos pretensão de cortar relações comerciais com Coraci.

- Ragnar! - rainha Ingrid repreende com um tapinha no braço do marido, o rei bufa resignado - não é hora nem lugar de falar de... comércio, nos perdoe, alteza, é com certeza uma grande perda... e eu sei, como é perder um pai ainda tão jovem, é uma dor que não consegue fazer sentido, e você ainda carrega uma grande responsabilidade que ninguém vai carregar por você. Se mantenha firme.

Rainha Ingrid tem cabelos loiros como os de Kayla, pele pálida, olhos azuis gélidos, porém, apesar de carregar o frio do país na faces e nos cabelos, trás em si um calor gentil que os monarcas de Aysú - reino do fogo - não possuem nem no corpo.

Agradeço breve, mas verdadeiramente, é um conforto engraçado ver uma mulher tão minúscula dar bronca em um guerreiro brutal como Ragnar.

A fila termina mais cedo do que imaginei, a clareira já escura começa a ganhar luz dos vaga-lumes que só existem aqui, eles possuem uma forte luz dourada, parecendo pequenas velas flutuantes.

Finalmente inspiro quando o ultimo cortesão se retira, só restamos eu e minhas meninas.

- Nem mesmo o rei Luk ascendeu uma fogueira tão clara - Kayla diz animosa.

- Você não estava lá - respondo seca, mas uma gota de orgulho reluz dentro de mim.

- Mas nas canções dizem que era uma grande e forte luz laranja, e não um clarão de luz branca - Naya comenta olhando para sua irmã com um sorrisinho.

Reviro os olhos, quando elas se unem a batalha está vencida

- Ta bem... foi... bem legal mesmo - admito.

Nós rimos.

Cersey não diz nada, mas também ri, ela é a mais jovem das irmãs, e a mais bela, com seus longos cabelos negros, pele pálida e puxados olhos negros, que penetram de forma cruel. Ela nunca se entrosa conosco, mas nunca pediu para ser liberada de sua posição, a princesa só precisa de uma guarda de elite, mas Kalya exigira que suas irmãs também pudessem servir quando foi aprovada, meu pai achou aquela atitude tão louvável, vindo de uma órfã de rua, muito longe de seu país natal, que ele permitiu, e em algum momento, elas acabaram virando minhas irmãs também.