Entre tantos Pedros, Joãos e Josés, nasceu Antônio. Pequeno, negro, franzino, magro, sem brilho. Um menino como outro qualquer, até menos que outros. Não lia, nem escrevia, tinha medo de sair de casa, de bicho, de árvore, de sonhos, de luta, de correr. Os irmãos caçoavam de Antônio, por ser franzino e esquisito. Usava óculos fundo de garrafa, e acreditava que tudo era contra ele. Se chovia, era culpa dele. Se trovejava, era culpa dele. Mas se fazia sol, era culpa do irmão mais velho, e dependia muito, porque se o dia fosse insuportavelmente quente, era culpa de Antônio.
Entre dezesseis irmãos, ele nasceu o mais diferente, vazio. Queria ter coragem de conhecer as coisas, as árvores, o céu. Mas tinha medo de sair de casa. Toda a noite ouvia o pai e a mãe gritando. Eram nomes pesados. E ele se sentia mal. Ouviu uma vez o pai dizer que de todos, ele era o mais diferente, que seria melhor se o tivesse tirado antes que nascesse. Antônio não entendia porque o pai não gostava dele, e colocava a culpa no seu corpo e no seu medo. Todas as noites Antônio ia abraçar o pai, mas sempre que tentava era chamado de maricas. Logo desistiu. Nunca tinha feito nada contra ninguém, mas parecia que a família não o suportava.
Um dia, ficou amoado na cama, sentindo dores fortes na cabeça e chorando baixinho, tinha receio de incomodar os pais. Suas pernas não se mexiam, e ele chorava baixo e contido. Na hora da janta, a mãe, como sempre, chamava o nome de cada um, e dava o pequeno pedaço de pão feito em casa e o copo que continha no máximo, três goles de café. Quando chamou por Antônio, e percebeu que ele não vinha, preocupou-se. Antônio era o mais quieto entre os irmãos, mas também o mais carinhoso. O seu coração de mãe se apertou. Foi até o quarto do filho e o viu deitado, chorando, gemendo, encolhido. Perguntou o que Antônio sentia, mas ele não conseguia responder. Chamou pelo marido. O homem ao chegar enfezado no quarto, gritou o menino. Perguntava se ele não era homem? Se não iria falar.
O homem, logo, se irritou, e foi pegando seu cinto. Filho dele não chorava, isso era coisa de mulher! Filho dele aguantava a dor. O Pai dele sempre o dizia isso. Antônio, ao ver o cinto na mão do pai, chorava ainda mais, com mais medo do mundo. Naquele momento se lembrou das rezas que a mãe tinha o ensinado. Lembrou-se da imagem desgastada de Jesus numa cruz que ficava colada na parede em cima do fogão a lenha. Lembrou-se das histórias que a mãe contava sobre Deus, Jesus e seus milagres. Nesse momento, rezou baixinho, e perguntou a Deus, porque ninguém o amava? Porque ninguém gostava dele? Porque ele era daquele jeito? Antônio era magro, franzino e esquisito. Usava olhos fundo de garrafa, emendado, que a mãe conseguiu comprar lavando roupa de ganho. O pai na época achou um absurdo, gastar dinheiro com algo tão desnecessário.
Antônio acreditava que o pai não o amava. Ouvia seu pai lhe xingando, ouvia sua mãe chorando, e rezava baixo, com medo do pai escutar. Logo pediu a morte. Perguntou a Deus se não havia um espaço no céu para ele ou em qualquer outro canto. O pai avançou sobre o filho e gritou. "Fale alguma coisa ou te bato para você aprender a ser um homem!". E a mãe disse: " Para homem! Não vê que o menino está passando mal?". Às vezes ele achava que a mãe o defendia por pena. A mãe era boa, só um pouco bruta às vezes, mas era uma boa mulher. Ele olhou ao seu redor. Sentiu-se tonto. E sobre sua ultima lágrima, fechou os olhos, e na sua reza contida, pediu ao Senhor que o levasse antes de sentir o primeiro toque do cinto. Sentia seu coração bater mais devagar. Se sentia mais fraco. Não conseguia comer já fazia uma semana. E só a mãe tinha percebido. Os irmãos não gostavam dele. Na escola tinha dificuldades pra ler e escrever. Tinha medo das coisas, e alergia a tudo. Não queria viver mais, e foi se entregando. Sobre a ultima lágrima ele disse baixinho: "eu amo o senhor, papai". Houve um silêncio. A mãe percebeu que o filho não reagia mais. O sacudia chorando. O pai ao perceber o que acabara de acontecer, tentou consolar a mãe. Mas ela não queria papo. Um filho dela havia morrido. Um filho esquisito. Um filho amoroso. Que ela acreditava ser o único que ficaria com ela. E entre tanto Pedros, Joãos e Josés, morreu Antônio. Negro, franzino, magro, sem brilho, e agora, sem vida.
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En(amor)rar-se
ŞiirO ser humano tem uma grande necessidade de transformar-se . Ele busca no outro um abrigo que ele só encontrará dentro de si. Está bem consigo e perceber o que lhe é libertador é um dos objetivos de cada ser. Quantas vezes tentamos quebrar tantas cor...