capítulo 20

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Cada passo que o ômega dava em direção ao altar era uma tortura para Ícaro, suas lágrimas, que por muito tentou controlar, agora escorriam sem controle. Cada baque do sapato claro de Emanuel contra o chão era um pedaço de seu coração se partindo dolorosamente.
Podia ouvir os sons que fazia ao se despedaçar e nem ao menos teve coragem de direcionar seu olhar para Narciso, não queria que o alfa se preocupasse consigo naquela altura do campeonato, mesmo que soubesse que Narciso o olhava constantemente. Sentia seus olhos recaírem sobre si o tempo todo, queimando sua pele.
Péon colocou sua mão sobre a de Ícaro e a apertou levemente como quem dissesse que estava ali por si, para cuidar dele e acalentar suas dores.
O alfa voltou seus olhos úmidos para Péon e deixou seu rosto apoiar em seu ombro enquanto derramava mais e mais lágrimas.
— Obrigado por virem… Não sei se aguentaria ficar aqui sem vocês…
— Não há de quê, Ícaro… Pensei que Narciso entraria com o avô e não com o pai dele…
— Os pais de Emanuel não são pais muito preocupados com ele… Ele praticamente tinha que fazer tudo sozinho desde pequeno e Narciso se aproximou dele para ajudar… Acabou que o avô de Narciso se tornou mais sua figura paterna do que seus pais de sangue…
— Oh… Entendi… Deve ter sido difícil para ele.
— Realmente foi e nem consigo imaginar em quem ele se tornaria senão fosse por Narciso o trazendo para sua família…
— Narciso tem um bom coração desde jovem — comentou Aphelios e observou com mais atenção para o ômega que entrava na igreja.
Podia ver o lindo buquê de flores azuis e roxas, além dos olhos levemente inchados do rapaz devido às lágrimas.
As marcas do choro eram evidentes no rosto de Emanuel e seu olhar não seguia para o altar. Observava com certa frequência para o chão e para o senhor alegre ao seu lado como se fosse um incentivo para que continuasse.
Doía como um ferro em brasa sendo pressionado sobre o coração de Ícaro. O alfa fechou as mãos em punho sobre suas coxas e abaixou o rosto, encarando seu colo enquanto as lágrimas pingavam nas costas de suas mãos.
Seu corpo tremia pelas emoções conflitantes em seu interior, esmigalhando cada parte de sensatez que ainda existia em si. Os baques do despedaçamento de seu âmago caiam fundo em seu estômago. Talvez fosse a pior dor que pudesse sentir em toda sua vida.
Péon decidiu por encarar o altar e viu Narciso olhar na direção de Ícaro, o canto de seus lábios tremiam e podia sentir que ele queria correr para abraçá-lo, para ampará-lo.
Seu rosto não tinha qualquer resquício de lágrimas, contudo, a dor era latente em seu olhar. Talvez por estar mais preocupado com Ícaro do que com seus próprios sentimentos, não deixou que sua dor fluísse por seus olhos.
Pouco a pouco, Emanuel e o avô de Narciso se aproximavam do altar, passo a passo a dor se intensificava nos olhares e os corações batiam mais fracos, aflitos e agoniados.
Ícaro se ajeitou desconfortável, agarrou o pano de sua calça e apertou até que os nós de seus dedos ficassem esbranquiçados pelo esforço.
Um grito ficou preso em sua garganta e engoliu o choro quando Emanuel chegou ao seu lado, faltavam poucos metros para que alcançasse o altar.
Foram os segundos mais agoniantes de sua vida até que o ômega saísse de seu lado.
Contudo, o noivo parou e abaixou o buquê com uma de suas mãos, enquanto a outra esfregava contra seu rosto. Seu choro se tornou mais visível e audível acompanhado de soluços copiosos e sofridos.
— Desculpe-me, vovô, mas não posso mais participar disso — comentou Emanuel respirando fundo e tampando seus olhos com sua mão livre.
Seu corpo se virou para o homem mais velho e finalmente o encarou por longos segundos silenciosos.
— Eu sei que não se lembra de muitas coisas e que o que farei agora pode te afetar profundamente, entretanto, não posso continuar com esse fingimento — afirmou Emanuel e usou suas mãos para trazer as do avô para perto, beijando-lhe as costas com carinho filial. — Não posso continuar a andar para aquele altar e fingir que isso não está nos destruindo pouco a pouco… Não sou eu a pessoa que Narciso ama e talvez nunca fui… Desculpe por mentir para você… Eu sou muito grato por tudo o que fizeram por mim e me casar com Narciso não é a maneira de recompensar…
O avô permaneceu em silêncio e apenas observou enquanto Emanuel retirava a flor rubra de sua lapela e se virava para a direção em que Ícaro estava. Logo se aproximou e colocou a flor em sua lapela e ofereceu o buquê.
— Este momento é seu, Ícaro, desculpe-me por tentar arrancar seu direito… Eu realmente queria me casar para pagar tudo o que eu devo ao vô e ao Narciso, contudo, não posso continuar com isso as suas custas e passar por cima do amor de vocês.
Ícaro hesitou em pegar o buquê oferecido, estava atordoado pelas mudanças repentinas da situação. Sua mente havia entrado em pane e suas mãos tremularam sem saber o que fazer naquela situação.
Péon e Aphelios o chamaram algumas vezes até que Ícaro se desse conta do que estava acontecendo, secasse as lágrimas e segurasse o buquê com toda a alegria insurgente que brotava de seu ser.
— Obrigado por isso… Desculpe por…
— Não é sua culpa. Eu deveria ter acabado com tudo logo de início, contar a verdade para o vô, não mentir para manter uma ilusão apenas pelo bem de seu sonho… A mentira não é a solução… Eu quero que sejam felizes, Ícaro... Quero que alcance seu Sol sem se queimar.
Ícaro se levantou e abraçou o ômega antes de inverter seu lugares. O alfa se aproximou do homem mais velho e fez um breve movimento com a cabeça a qual ele repetiu e ofereceu seu braço.
— Então, terei mais um neto? Fico contente que tenha aceitado seus sentimentos pelo meu neto — comentou o avô e com sua mão livre deu leves tapinhas carinhosos na bochecha do novo noivo. — Sempre tive minhas dúvidas sobre suas implicâncias e brigas com Narciso, agora tudo está explicado… Bem-vindo a família, meu neto briguento.
Ícaro engoliu o choro e o canto de seus lábios se ergueram antes de beijar a fronte do avô. A música voltou a tocar mais animada e seguiram em direção para o altar. Ícaro olhou para o noivo e o viu sorrir largo e as lágrimas finalmente descerem por seu rosto, libertas da agonia de se casar com alguém que não amava realmente.
O avô deixou o alfa ao lado de seu neto e retornou para seu lugar. O padre tossiu algumas vezes e chamou os noivos antes de fazer as alterações necessárias para o casamento.
Alguns minutos depois a cerimônia começou e o casal era uma mistura de alegria e lágrimas de alívio. Péon secou suas próprias lágrimas, também se sentia aliviado em ver seus amigos juntos e felizes.
Não demorou para sentir a mão de Aphelios tomar a sua e apertar suavemente. Quando seus olhares se encontraram, trocaram um breve selar e sorriram, os peitos mais leves pela resolução daquela situação.
— Vocês são amigos deles, não é? Os vi no hospital da última vez — questionou Emanuel agora sentado no lugar em que Ícaro estava antes.
— Sim… Não lembro de ter te visto — comentou Péon e Aphelios pressionou levemente a mão dele com seus dedos.
— Vocês estavam concentrados na conversa com Ícaro, por isso não me notaram… Eu queria ter feito isso antes… Desistir do casamento, entretanto, é difícil quando a família de Narciso é tão incisiva e colocam uma pressão absurda em qualquer detalhe… Eu tinha pesadelos em que via o vô morrer sem ter seu sonho realizado… Seu espírito desolado, afundado em tristeza… Foram momentos terríveis em minha mente…
— Não pense mais nisso, rapaz, Emanuel, certo? O passado está feito e não pode ser alterado, somente o presente e o futuro… Você fez o que lhe cabia no momento e posso dizer que fez a escolha certa — disse Aphelios e Emanuel sorriu largo e com menos culpa e tristeza em seu olhar.
— Obrigado pelas palavras e por tudo o que fizeram por eles…
Os três voltaram sua atenção para o altar e escutaram toda a cerimônia até que chegasse o tão esperado momento.
— Narciso, você aceita Ícaro como seu esposo para amá-lo e respeitá-lo na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe?
— Eu aceito, com certeza aceito… É tudo o que eu mais desejo.
Narciso sorriu ainda mais quando deixou as palavras saírem livremente por sua boca e seus olhos só tinham uma só direção: Ícaro. Não dava atenção para mais nada além do alfa que amava, nem mesmo seu pai abandonando o altar pouco antes não lhe afetou.
— E quanto a você, Ícaro, aceita Narciso como seu espo…
— Aceito, em todos os momentos, por todos os dias de minha vida. O aceito mil vezes se necessário.
A fala de Ícaro arrancou gargalhadas de Narciso que o puxou para si e beijou-o intensamente antes de se afastar e sorrir.
— Ao menos espere o padre terminar de falar, meu amor.
— Ah, desculpe, eu fiquei nervoso… Pode recomeçar essa parte?
O padre balançou a cabeça em negação com um sorriso no rosto e virou o livro para que assinassem seus votos.
— Esqueça isso. Não há necessidade de recomeçar por algo assim… Perante Deus e os homens, com os poderes a mim concedidos, eu os declaro oficialmente casados.
Gritos, assovios e palmas percorreram toda a igreja e os dois alfas assinaram os papéis antes de se encararem e se beijarem uma vez mais, selando aquele contrato de amor duradouro e com ares de infinitude.
Depois da cerimônia, os convidados seguiram para o salão de festa, um local pequeno e aconchegante, do tamanho necessário para acomodar o grupo não tão extenso de convidados. Por ter sido algo mais intimista, principalmente pelos noivos originais saberem que não passava de uma farsa para eles, não convidaram tantas pessoas assim.
Os convidados se divertiram na festa, aproveitaram cada detalhe do lugar, as comidas e petiscos, bebidas e músicas, se embalaram em alegria e alugavam os noivos para parabenizá-los.
Narciso e Ícaro não paravam de sorrir e andavam orgulhosamente de mãos dadas, por vezes tinham o avô como acompanhante. Dançaram juntos ao mais velho e aquela noite se tornou uma explosão de felicidade.
Péon e Aphelios também curtiam cada momento de alegria dos amigos.
— Boa noite, amigos e familiares — a voz de Narciso ecoou pelos alto falantes do salão e todos retornaram a atenção para o pequeno palco em que Narciso estava com um microfone em suas mãos. — Eu gostaria de agradecer a todos que vieram aqui e que nos parabenizaram pelo casamento, mesmo que tenha sido algo um pouco diferente do convencional em todos os sentidos possíveis… Esse homem que está ao meu lado agora como meu esposo era e é o amor da minha vida desde que éramos pequenos, apesar de nosso relacionamento não ter iniciado nessa época por imaturidade da minha parte… Não compreendia meus próprios sentimentos por ele e fiz uma enorme confusão tentando amar outro alguém para agradar minha família… Entretanto, nossos caminhos estavam destinados a se cruzarem e seguirem juntos e aqui estamos… Essa é uma das noites mais felizes da minha, ou melhor, nossa vida e espero que seja a primeira de muitas.
Narciso passou seu braço ao redor de Ícaro e o trouxe para si, abraçando-o com ternura enquanto os convidados aplaudiam seu discurso e declaração de amor.
— Ícaro não é uma pessoa muito aberta a expor seus sentimentos em palavras para tantas pessoas e, por isso, peço que não o pressionem em seu discurso — afirmou Narciso e passou o microfone para o, agora, marido.
Ícaro respirou fundo e olhou para Narciso por longos segundos antes de tomar coragem para dizer tudo o que tinha em seu coração.
— Bem, agradeço a todos por virem e prestigiarem esse momento. Eu passei muito tempo pensando em como seria meu casamento com Narciso e nunca imaginei que seria essa montanha-russa de emoções, entretanto, viver com Narciso é uma oscilação de sentimentos bons e outros melhores ainda… Narciso é o amor que no começo não entendia que era amor, também fui imaturo por muito tempo e o perdi por alguns anos, os piores da minha vida, devo confessar… Contudo, agora sei que viverei os melhores anos ao lado daquele que realmente amo.
Uma chuva de aplausos se seguiu e papéis laminados explodiram, recobrindo o ar com muito brilho e empolgação. Os recém-casados se beijaram apaixonadamente ao som de comemorações.

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