As pétalas de peônia azul caiam pouco a pouco sobre a mesa da sala enquanto os dois ômegas passavam o dia embolados nos cobertores no sofá. Era inverno e chovia muito do lado de fora, as gotas grossas batiam forte contra a janela da casa de Aphelios.
A conversa variava ao longo do tempo, indo de assuntos superficiais a temas profundos e dolorosos, estavam abrindo seus corações um para o outro e trocando suas experiências de vida.
— Eu nunca cheguei a conhecer minha outra mãe, só a vi por fotos e pelo que minha mãe me conta sobre ela… Às vezes penso que deveria sentir saudades, outras que não faz sentido sentir saudades daquilo que nunca vivi.
— Eu penso que faz todo sentido sentir saudades e ansiar por momentos que você deveria ter… Ainda somos seres humanos e desejamos alcançar aquilo que não temos e por vezes não teremos… — comentou Aphelios e seus dedos passeavam descontraidamente pelos fios azulados de Péon. — Acho que é menos doloroso sentir saudades do nunca se viveu do que sentir saudades daquilo que vivemos e perdemos… Ao menos, o que nunca vivemos não deixa o gosto amargo na boca quando nos recordamos que perdemos…
— Fala por experiência própria? — Péon apoiou sua cabeça contra o peito de Aphelios, escutando as batidas descompassadas de seu coração. — De quem você sente falta?
— Da minha mãe… Tivemos poucos momentos juntos, mas lembro de cada um deles como se fosse ontem… Quando meu pai não dormia em casa, era para o quarto dela que eu ia quando ficava com medo… Ela me contava histórias bonitas de sonhos impossíveis.
— E quando seu pai dormia em casa? O que acontecia?
— Eu ia para o quarto de Hannah… E saia assim que o sol nascia… Ele não gostava que eu me afeiçoasse aos meus irmãos ou a minha mãe…
Péon ergueu levemente o rosto para observar Aphelios e notou um tremular diferente em seu olhar. As orbes sutilmente esverdeadas pareciam mais tristes que o comum e uma dor inexplicável passava por suas íris.
— Seus irmãos são mais velhos ou mais novos que você?
— Todos são mais velhos e betas. Além de Hannah, há mais três irmãos… O sonho do meu pai era ter um filho alfa como ele, entretanto, ele nunca conseguiu um, somente um ômega ao qual desprezava e pensava em vender para pagar suas dívidas…
— Aphelios, eu… Sinto muito pelo que você passou e você não merecia nada disso… — Péon o trouxe para si e inverteu as posições, fazendo com que Aphelios deitasse contra seu corpo. — Eu prometo que não vou permitir que ninguém te machuque outra vez.
Aphelios riu fraco e anasalado dando um leve tapa contra o peitoral de Péon.
— Não fique se achando, Péon, eu aprendi a cuidar de mim mesmo… Além do mais, eu sei exatamente para quem ele deve dinheiro e posso oferecer o dobro para eles em troca de darem um susto no meu pai caso ele tente fazer algo.
— Você sempre sabe de muitos segredos dos outros… Você também sabia de Jacques e os usou para ameaçá-lo para me proteger…
— É a minha maneira para me proteger e estar onde estou… Peixes grandes sempre têm seus segredos sórdidos que não querem que ninguém saiba… Apenas uso esse fato a meu favor. Não é uma maneira boa ou saudável, entretanto, não é com bondade que se alcança o topo. A subida é cruel, mais ainda para um ômega…
Péon permaneceu um tempo em silêncio e puxou mais a coberta sobre seus corpos. Entendia o que Aphelios queria dizer e conseguia imaginar perfeitamente o quão duro deveria ter sido para que ele alcançasse o lugar onde estava. Se estar em um patamar baixo e escondido era perigoso para um ômega, estar sob os holofotes e a frente de uma grande empresa era ainda mais.
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Peônia azul
RomansaEm seus primeiros dias de experiência em uma grande empresa de arquitetura e design de interiores, o jovem aspirante a arquiteto, Péon, conhece seu chefe ômega e escuta boatos que o deixam curioso sobre como aquele homem tão bonito chegou tão longe...