06| Fragilidade de uma omissão

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"Não ser descoberto numa mentira é o mesmo que dizer a verdade."

(Aristóteles Onassis)

Eliziane's

Encaro a porta lateral da casa a minha frente, porta essa que dava acesso direto a cozinha. Eu nunca entraria pela porta da frente sem saber o que me espera. Respirei fundo e girei a maçaneta devagar rezando para que a porta não fizesse muito barulho.

Sinto meu coração mais acelerado que nunca, minhas mãos soam, minha boca está seca, tento controlar minha tremedeira. Na minha cabeça só passam cenas da briga que vou levar do meu pai, não quero ver minha mãe entre nós dois, a essa hora da manhã. Fecho a porta atrás de mim, no mesmo instante sinto uma mão no meu ombro. Sinto por um segundo que vou desfalecer ali mesmo.

Pra minha surpresa, ao virar e tomar coragem para encarar a pessoa a minha frente, vejo minha mãe e sinto o correr do sangue nas minhas veias novamente, como um alivio.

-Filha, eu estava muito preocupada!- ela fala enquanto afaga meu ombros.

-Como ele está hoje, mamãe?- não consigo evitar a pergunta, nem sequer pensar em outra coisa.

-Ele está como sempre, Eliziane. Mas não falou nada comigo sobre sua ausência.- disse aflita.

-Filha, apresse-se e vá se arrumar, logo ele desce e você sabe que ele não tolera descompromisso. É melhor você estar pronta pra sair, quem sabe ele não releva essa.

-Tudo bem mamãe, obrigado.- abraço-a, quase que buscando esperança em seus braços, pensando que talvez eu consiga me livrar um pouco do que me espera.

Entro no meu quarto com pressa e saio dele com mais pressa ainda, pego tudo que preciso, mesmo sentindo que algo falta. Na minha cabeça isso funciona como uma corrida e nessa corrida eu preciso ganhar.

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Leila's

Chego em meu apartamento depois de deixar Eliziane em casa. Passo pelo tapete da entrada bagunçado por nossa pressa em sair. Depois pela cozinha onde vejo as duas xícaras sujas de café sobre a mesa. E enfim, meu quarto. Meu tão íntimo quarto. Deito-me sobre os lençóis e posso jurar que o cheiro dela ainda está no meu travesseiro.

Meu Deus, o que é que eu tô pensando. Sentir falta de alguém que nem conheço? É o auge da carência mesmo.

Escuto o tilintar do meu celular e o alcanço. Olho na barra de notificações e sou bombardeada por mensagens de minha mãe.

Mãe

- Bom dia querida. Espero que já esteja acordada.

- Não vamos conseguir te acompanhar nessa temporada de jogos

- Estaremos te acompanhando de longe, por favor minha filha, vá arrumadinha para os jogos

- Não esqueça de passar o protetor solar pra não ficar com a pele ressecada

- O consultório da dentista mandou mensagem, sua contenção ficou pronta!

- vou tentar dar uma passadinha aí no fim de semana, mas não prometo, você sabe como é.

Não sinto nada em relação a isso. Na verdade, eu nem esperava mesmo que eles viessem.

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Eliziane's

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