"As preocupações não se afogam no álcool... elas sabem nadar"
Assim me senti quando acordei. Quando meu corpo criou consciência, mesmo antes de abrir meus olhos. Minha cabeça latejava levemente numa dor aguda, abri os olhos com dificuldade, mas senti a claridade rasgar minha alma.
Mesmo assim, para a minha surpresa, me causou um incômodo não sentir o calor e aconchego do corpo que outrora estava perto ao meu.
Me sentei na cama, senti minha cabeça girar por um segundo. Respirando um pouco levantei.
Fui ao banheiro, lavei meu rosto e só então percebi que aquela não era minha casa e que esses sintomas não são de gripe. Não sou tão desatenta assim, mas por um segundo, meu âmago quis que aquela fosse minha vida, longe de todos meus problemas.
Me encarando no reflexo do banheiro penso como vou encarar Leila. Só então na minha memória vem a tona, Eu beijei uma mulher? Eu B E I J E I uma mulher. Eu beijei umA M U L H E R! Meu Deus, o que eu fiz?
Sabe o pior de tudo? Não consigo sentir culpa. Eu quero muito odiar, queria muito não ter gostado, quero estar triste agora só para de alguma forma ser perdoada e me redimir. Mas não sinto nada disso, por algum motivo, eu não me arrependo.
Quase que controverso aos meus pensamentos recentes, me pego pensando que talvez até repetiria, mas isso nunca mais vai acontecer! Eu só a beijei por causa do álcool que ainda estava me afetando, com certeza isso me deixou tentada. Eu não posso deixar isso acontecer novamente. Eu sou hétero. 100% ou melhor 200% hétero.
Saí do banheiro e dou de cara com Leila que me olha assustada, como se não lembrasse que eu estava ali.
-Eli, eu não sabia que você tinha acordado. - Leila fala com a mão sobre o peito.
Eu a olho tentando formular alguma frase, mas meu rosto ruboriza. Ela me chamou de Eli? Ela me chamou de Eli, ok, isso foi fofo. Me senti mais envergonhada ainda.
Fique tempo de mais pensando e não falei nada, meu Deus, porque eu sou assim???
Apesar disso Leila parece não se importar livrando o clima constrangedor que se formou no ar.
-Eu passei um café, vem- ela completa e eu a sigo por extinto.
Chegando na cozinha, me sento próximo a bancada de mármore, centralizada, da cozinha. E a observo do lado oposto da bancada, completamente relaxada e confortável enquanto procura duas xícaras, se aproxima e senta-se próximo a mim.
-Se você tá com a metade da ressaca que eu estou, esse café vai ajudar - Leila direciona um sorriso sincero para mim. Eu queria ter respondido alguma coisa, qualquer coisa, mas pra mim ressaca é quase um tabu.
-Você dormiu bem?- Leila fala puxando assunto.
-Sim! Eu não sei nem como te agradecer, na verdade estou sem saber o que te falar. - finalmente alguma coisa sai da minha boca, mas ainda não consigo a encarar nos olhos.
-Não se preocupa Eli, fiz de coração tá?, falando nisso, eu não sei você, mas eu tô com uma dor de cabeça chatinha daquelas..
-Meu Deus, simm. Se eu pudesse passaria o dia dormindo fingindo que não existo.
Leila sorri pra mim - mas porque você acordou tão cedo?, você devia ter dormido mais, aproveitava a oportunidade..
-Oh não Lê, eu, na verdade, estou ficando atrasada pra ir pra casa, daqui a pouco, tenho faculdade e não posso me estabanar com os horários.- falo em um tom divertido
-Faz faculdade? Que bacana, qual curso? - me pergunta enquanto beberica o café.
-Faço Jornalismo, mas já estou nos últimos períodos.
-Nossa Eli, mas já? Você parece ser tão novinha, não imaginava que já estava terminando a faculdade kkkkkk
-Mas eu não sou tão velha não kkkk só entrei cedo na faculdade, coisa de família, sabe com é, né?
Leila concorda com a cabeça enquanto bebe mais um gole no café forte.
Eu queria não ter que sair tão apressada da casa de Leila, mas tenho que voltar antes que meu pai sente na mesa para tomar café. Mesmo não sendo adolescente, aprendi a sempre obedecer as regras, principalmente as que envolvem sair de casa ou voltar para ela. Eu sei que parece um absurdo, mas enquanto moro com meus pais tenho que respeitá-los e respeitar mais ainda o que ele me pedem.
Penso quando irei morar sozinha, igual a Leila. Quando minhas opiniões serão válidas. Mas também penso em quais condições isso poderá acontecer. Sim, eu já tenho um futuro definido. E não, eu não sou a pessoa quem definiu isso.
Eu vou casar jovem, para não ficar muito tarde para filhos. Falando em filhos, vou ter 3, talvez 4, quantos meu marido quiser. Vou garantir que meu marido seja sempre bem servido, vou educar e evangelizar meus filhos. Vou ser a melhor-dona-de-casa que um homem possa ter. Sobre meu diploma? Vai ficar pendurado na parede para meu pai se gabar da família perfeita.
Terminamos o café e Leila mais do que insistiu em me deixar em casa. Eu falei para ela que não precisava, que ela já tinha feito muitas coisas por mim, mas ela não me deu ouvidos. Saímos apressadas da sua casa por causa do horário. Me arrependo de ter aceitado a carona, Leila foi mais do que veloz, pela cidade, na sua moto. Me agarrei na sua cintura e rezei para chegar viva. Ao chegarmos encarei seus olhos, quase um ato falho, como não encarar aqueles olhos profundos? Agradeci a ela mil vezes e dei um beijo na bochecha que pegou muito próximo da boca, mesmo já tendo a beijado eu quis morrer ali. Meu coração batia tão forte que tenho certeza que se ela prestasse atenção ouviria.
Eu não entendo todo esse auê que acontece no meu peito.
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ATEROS
FanficFortes personalidades formadas com alguns traumas ao longo de suas jornadas. De um lado, Leila, uma atleta profissional de vôlei sobre pressão que faz de tudo para sair da realidade imposta para si, do outro, Eliziane, uma garota cujo padrão de vida...