• Depois de muito tempo, chovera naquela manhã

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Naquele fim de tarde o povo estava tão feliz que Aiyra quase dispensou o trabalho no dia seguinte. "Entretanto, agora que estão se espalhando pelas redondezas é o momento em que devemos aumentar a guarda", disse a líder.

Não é como se Anahí não estivesse feliz de certa forma... mas convenhamos, ela não estava. "Afinal, por que todos estão tão felizes? Por que Iúna foi vingada? Qual é o sentido disso? Eu deveria comentar isso com Valentina? E se fosse alguém que ela conhecesse? Ou da família dela? E se ela nunca mais querer me ver depois que eu falar? E se ela pensar que sou um monstro? É melhor não falar nada então?". Ela nem sabia o que pensar.

Anahí não chegou a conclusão alguma.

Diferente dos outros dias, quando Anahí chegou à seu posto, Valentina já estava lá. A morena ficou surpresa. Será que ela sabia?

- Pensei que não viesse - disse a loura.

- Por que pensou isso? Por que eu não viria? - Anahí perguntou de forma grosseira e um tanto ameaçadora sem perceber.

- Calma Anahí - Valentina disse se aproximando- Aconteceu alguma coisa?

- Nada... só, muita coisa acontecendo em casa, tem muito para processar e estou tão cansada de não saber nem o que pensar. Não consegui dormir direito noite passada. Além do mais, eu já lhe disse que não pode aparecer mais cedo, se alguma de minhas irmãs te ver elas te matam.

Naquele momento, quando se deu conta do que disse lembrou-se das palavras de Mawé na tarde anterior; "Se eu ver essa garota, eu mesma a afogo". Anahí soluçou e deu pra trás, não entendia direito porque isso a assustava tanto.

- Ei, calma - Valentina sem querer pá sua mão firmemente sobre a de Anahí a impedindo de se afastar mais - Tá tudo bem - seu olhar de preocupação mudou para um sorriso animado - Não notou nada de diferente em mim?

Não era tão fácil de reparar em algo específico, já que a jovem aparecia diferente a cada dia. A sereia olhou para o cabelo cacheado da terrestre, estava diferente das outras vezes em que se encontraram.

- O que fez no cabelo? - perguntou a sereia.

- É um penteado. Minha irmã me ensinou à muito tempo, tinha me esquecido dele, o acho tão lindo, por isso estava animada para te ver!

- Só para me mostrar se cabelo? Você é tão estranha - Anahí estava agora mais calma, por algum motivo estar com Valentina conseguia mudar seu humor de um segundo para o outro.

- Não só por isso. Eu queria fazer o mesmo no seu cabelo, ele é tão grande, muito maior do que o meu e iria ficar lindo em você - disse a loura com empolgação.

Parte de Anahí queria falar que não. Parecia errado fazer um penteado vindo do povo que tirou a vida de Iúna e está ainda agora a causar desespero por onde anda. Mas ela não conseguiu dizer não para Valentina empolada daquele jeito.

- Tudo bem - disse a sereia.

Valentina segurou sua mão e a girou dentro d'água, o que pareceu um movimento rápido já que Anahí apenas se deixou levar pela ação da garota.

Ela sentiu os dedos da jovem se envolverem delicadamente nos negros fios de seu cabelo. Ninguém nunca havia feito um... penteado, nem algo que parecesse uma ação tão fofa para Anahí. De novo (sim) sentiu aquela estranha queimacao na pele.

De costas para a garota, ela sentia que poderia adormecer, mas não o fez, não queria perder a consciência naquele momento que parecia tão especial e único com a loura. Mas, sem querer, ela se permitiu fechar os olhos. O tempo pareceu flutuar ao seu redor, tanto que só recuperou os sentidos quando uma gota d'água atingiu seu rosto.

Anahí não sabia se havia dormido, apenas em determinado momento se sentiu tão relaxada que até parou de perceber os movimentos cuidadosos que Valentina realizava em seu cabelo. Isso pode até ser bobagem... mas parecia que o mundo todo, todas as preocupações, haviam simplesmente desaparecido, e ali só existissem elas duas.

Desde que Anahí se entende nunca havia ficado tão em paz. Parecia que sempre teve que aprender ou fazer uma coisa, aprender a fazer outra, aprender a fazer diferente, e depois passar o dia todo fazendo e desfazendo aquilo. Nos únicos instantes que tinha para descansar, Mawé aparecia com suas conversas sem fim. Não que Anahí não gostasse dela, Mawé era de longe a irmã com quem mais tinha proximidade, só que as vezes, tudo nela parecia cansativo de mais.

- Pronto - disse a voz ansiosa de Valentina, que jogou a longo penteando conplexo que havia feito sobre o ombro da jovem sereia.

O penteado parecia bonito, tinha muitas camadas. Anahí nunca havia visto seu cabelo ou de qualquer outro, exceto o de Valentina, daquela forma.

- Estou impressionada - disse a morena, e em seguida mergulhou de corpo inteiro na água para desfazer o penteado - Mas acho que não é uma boa ideia aparecer com isso em casa - completa ela após sair da água, escondendo da garota que na verdade ela não havia gostado de ter aquilo em seu cabelo.

- Tem razão - talvez possa repetir outro dia.

Anahí sorriu - Claro.

De repente, ela voltou a sentir as gotas que mais cedo pingaram em seu rosto. Depois de muito tempo, sem nenhum sinal da volta daquele evento climático repentino, chovera naquela manhã.

Anahí fechou os olhos, parou para ouvir o som da chega e sentir as gotas remanescentes pingarem sobre si. Não que a chuva especificamente a lembrasse de casa, mas por algum motivo ela se sentia infinitamente mais segura e confortável em sua presença do que em quaisquer outros momentos.

Quando abriu os olhos estava flutuando na água, olhou para frente e se deparou com Valentina encharcada a encarando incansavelmente.

- Eita - disse a sereia se aproximando e tirando os cabelos cacheados molhados de cima do rosto da loura.

Enquanto encaixava uma última mexa atrás de sua orelha, em um movimento lento e carinhoso, Valentina segura o pulso de Anahí firmemente. Sua mão desliza sobre a da sereia até seus dedos encontrarem os dela. Quando a loura se dá conta, seus olhos azuis já estavam presos aos da sereia. A jovem no rio tinha olhos negros intensos como a noite, e quase tão atraentes quanto a Lua em seu ápice.

Encantada pelo olhar incansável da morena, sem muita noção do que estava fazendo, Valentina foi lentamente aproximando seu rosto do dela, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Anahí já havia juntado seus lábios. Quando se afastou a morena se deparou com o olhar surpreso da loura.

- V-Valentina... e-eu - Anahí começou gaguejando, mas antes que pudesse completar qualquer frase, Valentina já a havia calado com outro beijo.

De um segundo para o outro, Anahí ficou ainda mais surpresa do que achava que Valentina estava segundos antes, mas depois desse momento ela retribuiu o beijo. Anahí suponha que Valentina nunca havia beijado antes, mas fazia aquilo surpreendentemente bem.

O beijo não foi intenso, ou muito longo; mas ele foi doce, carinhoso, e transpareceu afeto e cuidado, tudo o que precisava fazer.

A loura levou a mão a nuca de Anahí, a pressionando para mais perto. As duas se afastaram para recuperar o ar.

- Uau - foi tudo que Valentina conseguiu dizer depois daquilo.

- ANAHÍ! - uma voz diferente ecoou em meio a correnteza. Era Mawé, chamando a irmã de não muito longe dali - ANAHÍ!

- Tenho que ir - e a sereia rapidamente submergiu na água desaparecendo da vista de Valentina.

ENTRE O CÉU E ÁGUAS ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora