A ordem das bruxas - I

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Já era tarde, o silêncio opressor da madrugada desatinava os que ainda teimavam acordados. As persianas batiam com o vento que entrava pela fresta da janela de correr aberta. Restos e embalagens de comida formavam uma camada de sujeira no chão. A escuridão do quarto era rasgada pelo fio de luz da noite de lua crescente e pela tela dos dois computadores, em um deles Nicolette jogava no mouse e teclado, o outro tinha uma janela preta com letras brancas que desciam constantemente.

Ela usava fone, portanto o esmorecimento noturno não a afetava, ela tirava os olhos da tela apenas em alguns momentos para beber ou comer. Fora do fone ouvia-se apenas os clicks do seu mouse e do seu teclado, dentro era o rock pesado e os efeitos sonoros do PUBG. Era assim toda noite, rock, fast-food, vez ou outra um hack pra fazer um dinheiro e continuar mantendo essa vida. Até essa noite.

A garota hacker usou esse dia ensolarado, em que outras pessoas aproveitam para ir à praia ou fazer piqueniques, para invadir por diversão um site bizarro relacionado a uma creepypasta que lera há alguns dias. Ela não acreditava muito nessas histórias, lia apenas para dar risada ou quando estava entediada. Mas quando percebeu o logo do site, com as letras SPE, que foi mencionado na narrativa sobre pequenas, mas sangrentas, batalhas que vinham ocorrendo sem que a população soubesse, não pôde conter a curiosidade.

A última vez que sentira um arrepio com algo assim fora quando criança e lera uma creepypasta pela primeira vez. No entanto, ao ver o site com aquela logo, sentiu o princípio de um e resolveu que não custava nada bisbilhotar. Conforme suas primeiras tentativas falharam o leve calafrio começou a se tornar uma tormenta fria no estômago. A dificuldade deixava tudo muito mais excitante, pois o mesmo programa com que ela invadira o sistema da polícia, falhou em invadir esse site, o que indicava a seriedade do que eles tinham para esconder.

Foram várias horas no jogo de tiro antes de qualquer resultado. Então ela ouviu o bip do programa finalizando o seu trabalho e a ansiedade fez com que ela apertasse alt+f4 imediatamente, mesmo com o programa hacker rodando em uma máquina diferente. O nervosismo anuviou sua mente, por alguns instantes não conseguiu entender o que estava lendo, mas baixou uma cópia do arquivo e continuou tentando ler. Havia vários nomes e logos de marcas famosas e ela teve que correr para apanhar embalagens para confirmar se estava enxergando e raciocinando bem.

As embalagens em suas mãos tremiam enquanto as ideias iam se formando em sua cabeça. A creepypasta, com suas teorias de conspiração, roubos bilionários, guerras secretas, sequestros e assassinatos que permaneciam sem solução, tudo relacionado a um site que ela acabara de invadir e a grandes marcas de produtos que ela consumia todos os dias.

Seu coração não teve tempo de desacelerar, várias pop-ups apareceram na tela do seu computador. Eles sabem, logo chegarão aí, o apartamento está condenado. Eles quem? Condenado a quê? Então olhe pela janela. Nesse momento ela saltou para a cama e rastejou até próximo à janela, espichou o pescoço e tentou ver lá fora sem ser vista, então percebeu um vulto de pé no topo do prédio em frente, com o brilho de um celular em suas mãos a iluminar apenas seu busto e seu sorriso.

Mais mensagens. Sou amiga, confie em mim, solte a mangueira de gás e escape pela escada de incêndio, agora. Simultaneamente à última pop-up, ela ouviu batidas violentas em sua porta.

― Senhorita Awolo! Somos da polícia. Temos ordens de levá-la em custódia por invasão hacker.

A polícia não bate assim... e não é tão rápida. A mente de Nicolette Awolo fervilhava com essas teorias e ela começava a cogitar aceitar o conselho da figura sombria que lhe enviara mensagens, mas seu corpo estava estático.

― Senhorita Awolo! Último aviso! Abra a porta a porta pacificamente!

É agora ou nunca. Num impulso ela apanhou o celular e o pendrive que estivera conectado ao computador e ouviu dois disparos, um segundo depois ouviu sua porta desabando. Correu para a cozinha à esquerda do seu quarto e viu homens de roupas pretas e máscaras com fuzis entrando pela porta da sala à direita. Eles ergueram as armas e deram mais dois disparos, porém ela já entrava pela cozinha, derrubou o fogão e arrancou a mangueira de gás com um puxão, abriu a janela e saiu para a noite fria, caindo na escada de incêndio e rolando o primeiro lance.

Lá de baixo ela ouviu o capitão da equipe impedir os seus soldados de atirarem, pois já havia percebido o escapamento de gás. Porém, os planos da figura misteriosa já haviam sido postos em ação, porque um dardo em chamas passou voando e penetrou o apartamento, fazendo-o explodir.

Deitada no chão ela sentiu o calor da explosão no rosto e por alguns segundos ficou em choque, no entanto logo percebeu que não tinha tempo para isso, pois seu celular vibrou várias vezes no seu bolso. Eram SMS, o primeiro dizia desça mais dois lances e entre no prédio, o segundo eles te esperam no beco, e o último o que está fazendo? Quer morrer?.

Nicolette levantou com esforço e percebeu de fato uma SUV preta parada na entrada do beco. Com o coração que não desacelerava, ela disparou pelas escadas e encontrou a janela indicada aberta e o interior do apartamento vazio e escuro. Foi tateando as paredes até encontrar um interruptor. Quando ligou as luzes percebeu que o apartamento não tinha sequer um móvel, o que indicava que aquele percurso já estava preparado há muito tempo. Procurou no celular uma mensagem com uma nova instrução, porém não havia nada. Nesse momento outra figura encapuzada entrou pela porta. Ela levantou as mãos prestes a pedir piedade, mas a pessoa puxou o capuz, revelando-se uma mulher de cabelos negros e curtos e olhos amendoados e escuros.

― Calma! Sou amiga ― ela anunciou com uma voz firme, erguendo os braços em sinal de paz.

― Quem é você? O que está acontecendo?

― Eu explico quando estivermos em segurança, vamos! ― a salvadora misteriosa informou, conduzindo-a para fora do apartamento. No corredor, elas foram até o elevador e ela apertou o botão para chamá-lo.

― Não é mais seguro ir pelas escadas? ― Nicolette perguntou.

― Sim, mas é sempre bom ter mais dois planos reservas ― dizendo isso, a mulher forçou a porta do elevador e atirou um tipo de granada no poço. ― Vamos!

Ela a conduziu pelas escadas enquanto tirava uma submetralhadora de debaixo da capa.

― O que era aquilo?

― Granada elétrica, se algum desses agentes puser o pé no elevador vai ser eletrocutado. Não mata, mas deixa incapacitado.

No corredor das escadas ela espiou os andares de baixo e percebeu os agentes subindo, no entanto seguiu descendo.

― Espera! Eles estão... ― Nicolette tentou adverti-la, mas tudo que a estranha fez foi largar sua mão e continuou descendo. Eram três, quando o primeiro apontou seu rifle, ela atirou outra granada, essa grudou na parede e magnetizou a arma, prendendo-a na parede. Ela pulou atrás dele e atirou nos outros, em seguido empurrou-o para longe da sua arma e chutou para cima dos outros.

― Vamos logo! Estão vindo mais deles. ― Nicolette obedeceu imediatamente. Elas desceram o resto das escadas em alguns segundos e chegaram no saguão do seu prédio, que estava completamente escuro. ― Droga! Estou ficando sem opções.

Se uma mulher com granadas que eletrificam um elevador de dois metros e meio e que puxam um homem de aproximadamente noventa quilos para a parede está sem opções, Nicolette não fazia ideia de como ajudar. Então uma luz foi acesa no hall, como se refletores de um campo de futebol estivessem sendo direcionados para a entrada do prédio.

― Pega, coloca isso ― a mulher ordenou, pondo óculos escuros na mão dela. ― Vamos! E não se preocupa com os tiros.

Que tiros? Logo Nicolette teve a resposta. Começou uma troca de tiros entre quem acendera os refletores do lado de fora e os soldados que ela não ainda não descobrira onde estavam escondidos. Elas correram o mais encostadas à parede possível e saíram por uma das janelas da frente.

― Espera ― Nicolette balbuciou enquanto elas iam em direção a um sedã preto. Mas quando ela espiou a escadaria de entrada do prédio, percebeu uma barricada de metal com refletores à frente e uma metralhadora automática controlada remotamente atrás. Elas entraram na parte de trás.

― Beleza guria? Se machucou? ― a motorista perguntou, sem olhar para trás e acelerando o carro.

― Como se eu fosse deixar, mesmo você tendo se atrasado ― a sua salvadora misteriosa respondeu por ela. ― Tira logo a gente daqui Donna!

Foi tudo planejado, cada segundo, cada ação. Tudo organizado, medido, testado. Elas já me observavam há muito tempo, já sabiam o que eu iria encontrar. Só espero que não sejam as vilãs.

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