A ordem das bruxas - II

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― Vocês tão de zoeira né? ― foi a primeira reação de Nicolette ao pararem em frente ao Lord Burguer, uma cadeia multinacional de fast-food de onde ela mesma tirava boa parte da sua alimentação.

Durante a fuga elas se apresentaram, a sua salvadora, a latina de chanel repicado, era a Nay e a motorista branca de cabelo raspado era a Yen. Elas pararam embaixo da ponte que atravessa o rio, onde descansaram um pouco. Lá, outro sedã esperava, coberto por uma lona. Ainda sem explicar de onde haviam vindo e com que objetivo, informaram apenas que estavam se dirigindo a seu esconderijo. E agora estavam diante de uma lanchonete.

― Mermã, tira esse capuz! ― Yen falou, já puxando o moletom de Nicolette.

― Ela tem razão, você vai chamar muita atenção ― Nay concordou.

De fato, a garota percebeu que as duas usavam roupas casuais por baixo das capas pretas bizarras.

― Mas eles vão conseguir me ver, vocês sabem que hoje em dia têm câmeras em todo lugar e eles devem ter hackers que... ― Nicolette cuspiu as palavras, com a voz aguda, já cedendo ao desespero.

― E você deve saber que eles, esse pessoal não age à vista do povo ― Yen a atalhou. ― Seus movimentos são sempre realizados sob a proteção das sombras, do anonimato e da mentira. Os acontecimentos da madrugada serão distorcidos pela mídia. Então eu acredito que os homens com fuzil não vão aparecer aqui.

Nay riu do comentário antes de dar sua própria opinião. ― Isso. Mas sabemos o que estamos fazendo. Temos um sistema de defesa, logo, se eles resolvessem enviar a cavalaria, responderíamos à altura e nem eles nem nós queremos uma batalha a céu aberto num lugar público com tanta gente.

Enquanto entravam, a hacker desesperada tentava digerir todas essas informações. ― E aquilo ontem? Não foi uma batalha num local público?

Yen a encarou muito séria, enquanto Nay pedia pela promoção do dia por menos de 5 reais para uma das atendentes. ― Você vale à pena. ― Ela entregou sem rodeios, enquanto Nicolette sentia um arrepio partir da sua espinha e sacudir suas extremidades até o couro cabeludo. ― Eles queriam você morta e nós, viva.

De repente Nay começou um escândalo, enquanto Nicolette se tremia e reparava em quão ridículo era o pedido da sua companheira. A atendente tentou argumentar e as conduziu para a cozinha, Nicolette, sendo meio empurrada por Yen, observou que havia apenas um casal suspeito e algo que parecia um embrulho na lanchonete, afinal, mesmo sendo um estabelecimento 24 horas, não eram muitos interessados em lanche a essa hora.

Chegando à cozinha, Nay e a atendente pararam de discutir e, assumindo um tom totalmente diferente, a última declarou. ― Ela está esperando por vocês.

Esperando por nós? Com as pernas bambas e quase sendo carregada por Yen, Nicolette atravessou a pequena cozinha e entrou na sala do gerente.

Da gerente, uma mulher enorme, com certeza com mais de dois metros, pois nenhuma das três lhe chegava aos ombros e Nicolette era orgulhosa dos seus um metro e 65, sendo ligeiramente a mais baixa das três. Ela estacou imediatamente ao ouvir a porta se abrindo, provavelmente andara marchando impacientemente pelo seu pequeno escritório, pois sua cabeleira cacheada de um vermelho sangue bem escuro sacudiu ao parar. Sim, marchando, pois ela vestia um jaquetão estilo militar preto, com uma saia nos joelhos e um coturno com salto.

― Mas vejam só! Não deveria estar surpresa, pois enviei minhas melhores nessa missão ― quando ela falou, Nicolette não sabia se ficava mais espantada com o vozeirão ou com o seu rosto, que agora de frente, mostrava a face direita queimada, deformando sua orelha, bochecha e parte do pescoço. ― Como se sente Nicolette?

Como saber? Como responder? Estava sendo caçada por alguém de quem não sabia nada e protegida por mulheres que pareciam pertencer a alguma máfia sinistra de um filme do Scorsese. De súbito então lembrou de algo muito importante.

― Meus pais ― saiu esganiçado pelas forças renovadas pelo desespero.

― Você é uma boa filha, diante de tudo isso ainda consegue se preocupar com seus pais ― a grandalhona falou e antes que Nicolette pudesse responder ou insistir, ela prosseguiu. ― Ficarão bem, já avisamos que estamos de olho neles. Nossos... inimigos não ousarão chamar atenção das forças públicas e das nossas ao mesmo tempo. Sei que você acha que eles podem ser usados como reféns para atraí-la, mas isso no momento está fora de questão.

No momento.

― Quanto a você... Yen, Nay, levem-na para a 135! Depois de entregá-la para a capitã encarregada, estarão dispensadas.

― A Katarina ― Yen comentou com um barulho de sucção. ― Certo, Comandante!

A Chefa se aproximou da mesa e esfregou algo embaixo da madeira, uma estante na parede se afastou, revelando uma porta metálica.

― Boa sorte, garota!

Foram as últimas palavras que Nicolette ouviu da grandalhona. Enquanto se perguntava pra quê a sorte e por que seria entregue a uma capitã, foi conduzida por uma escada atrás da pesada porta e elas saíram em um enorme túnel, com lâmpadas brancas incapazes de iluminá-lo decentemente e intercaladas com luzes vermelhas que piscavam. Mais um carro. Era algum tipo de máfia, com certeza. Se escondendo nos fundos de lanchonetes, com tantos carros, armas pesadas e capangas dispostos a arriscar a própria vida, dispondo de uma estrutura hierárquica com analogias ao exército e afirmando que seus pais estavam sob sua guarda.

Mais uma vez Yen tomou o volante, Nay ficou no banco do passageiro e sobrou para Nicolette o banco de trás. Perguntas fervilhavam em sua cabeça, mas tinha medo de que se as proferisse, poderiam julgá-la como um risco e acabarem com ela ali mesmo, pois a garota começara a nutrir a ideia de que queriam apenas as informações que ela tinha, depois do quê ela seria inútil.

― Pode perguntar ― Nay falou, depois de cinco minutos de barulho de motor. ― Vamos sair da cidade, vai demorar um pouco. Você deve ter muitas perguntas depois de tudo isso.

Nicolette foi pega de surpresa, não sabia, na ordem de urgência de todas as suas perguntas, qual poderia informar sobre sua situação, se permaneceria ou não viva. Já estava sonolenta depois de tanta adrenalina e divagava olhando pela janela do carro a escuridão e as luzes vermelhas que piscavam naquele longo túnel que poderia muito bem estar presente em uma das teorias conspiracionistas sobre os Illuminati.

― O que são essas luzes vermelhas piscando?

Yen e Nay caíram na gargalhada. Nicolette ficou enérgica novamente, sem entender o porquê da comoção.

― Sério que é essa a sua pergunta? ― Yen retorquiu incrédula, limpando as lágrimas do rosto.

― Tudo bem. Nós usamos esses túneis para nos deslocarmos despercebidas entre nossos esconderijos. Se algum dia chegar a conhecimento dos nossos inimigos a utilidade deles, ou em caso mais extremo, de uma perseguição, essas bombas vão colocar tudo abaixo.

Bombas. Isso era algo ainda maior do que qualquer máfia. Talvez elas fossem mesmo membras dos Illuminati, ou alguma outra organização ainda mais secreta, cujo próprio nome rastejasse nas sombras, totalmente desconhecido. ― Como vocês conseguiram construir algo dessa magnitude sem serem descobertas por ninguém? Como o governo não sabe?

― Aí está a grande jogada, nós não construímos ― Nay explicou, com uma expressão inconfundível de júbilo, explicitando o orgulho em fazer parte daquilo, fosse o que fosse. ― Esse é um túnel de metrô abandonado, pelo menos por enquanto. Faltaram recursos ao governo para terminar a obra e estamos usufruindo desse deslize. Claro que precisamos abrir uma saída, mas temos quilômetros de túneis secretos dos quais ninguém nunca vai desconfiar.

― O melhor esconderijo é à vista de todos ― Yen afirmou com um sorriso de canto.

É o que parece. Visivelmente Nicolette estava do lado das melhores estrategistas, independente do que estivesse planejando, estaria protegida, pelo menos enquanto vissem utilidade nela. Depois da agitação que essa história causou ao seu coração, durante os vários quilômetros do corredor sombrio que se seguiram, com as repetitivas luzes vermelhas e brancas se intercalando, o sono conseguiu vencê-la novamente. O espaço ao redor, o barulho de motor, as luzes, tudo se misturou em um pesado sono.

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⏰ Última atualização: Oct 21 ⏰

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