A busca - I

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É dito que as coisas boas vêm quando menos esperamos. Sentada no fundo do bar, Capuz Vermelho nunca se livrara da ansiedade em encontrar seu alvo. Ela era chamada assim por não vestir roupas pretas ou escuras como os outros assassinos, mas sim um capuz vermelho sangue, que cobria seu rosto de olhares alheios e ia até os seus pés, permitindo que ela se cobrisse inteiramente com ele. Ela também nunca havia pronunciado seu nome pra quem quer que fosse. Seus contratantes a buscavam com o nome de Capuz Vermelho, Assassina Vermelha, Mulher de Sangue e até mesmo pejorativamente como Vadia Carmesim. Não se importava com a opinião das outras pessoas ou como a chamavam, desde que o preço cobrado fosse pago.

Já houvera duas ocasiões, entre as dezenas de serviços que prestara, em que os muquiranas tentaram lhe recusar o pagamento, o que era ridiculamente escroto, pois seu preço era bem mais baixo que o dos outros assassinos e seus serviços eram impecáveis. Capuz extorquira os dois sem matá-los nem prejudicar sua saúde, afinal deveria manter sua reputação e seu fluxo de clientes. Nem fizera isso pelo dinheiro, afinal ela se contentava com a sobrevivência e não ambicionava luxo. Queria apenas que seus clientes continuassem aparecendo, pois assim sentia que estava mais próxima do seu alvo primeiro e principal, motivo que a fizera mergulhar nessa vida e que alimentava sua alma com a chama do ódio, dando-lhe uma determinação inabalável.

Assim, sentada naquela taverna suja, em uma mesa de madeira fendida, admirando alguns beberrões fazerem barulho no outro canto, por cima de uma caneca grande de vidro agora com cerveja pela metade, foi que ela percebeu o desenho tosco de um humanoide animalesco num papel pardo pregado precariamente na parede. Capuz bateu o copo na mesa e levantou de um salto, se aproximando da imagem de procurado fixada na parede atrás do balcão.

― Milas o que é isso? ― a mulher perguntou, se exaltando, mas ainda escondendo o rosto por baixo dos seus pesados panos.

O dono da espelunca, claramente sonolento, apoiando o rosto com a mão esquerda, cujo cotovelo ancorava na tábua do balcão que ele ensaiava limpar com um pano encardido na outra mão, deu de ombros.

― É um procurado, o xerife está oferecendo três mil peças por ele ― ela rosnou, falando mais para si mesma do que para o outro. ― Por que você não me avisou?

― Não achei que você gostasse de recompensas grandes ― o homem pançudo, com mais pelos nos braços e no farto bigode do que na cabeça reluzente, fingiu tentar explicar.

― Droga ― Capuz praguejou, bufou e saiu batendo os pés. Deixando o preguiçoso com seu serviço arrastado e a imagem do que parecia ser um lobo com feições de homem para trás.

Lá fora, desceu uma rua de terra batida por onde uma carruagem solitária subia, seu cocheiro sonolento balançava a cabeça e sacudia as rédeas a cada minuto, talvez mais para se manter acordado do que para acelerar os cavalos. Quando o veículo passou por Capuz, as cortinas se fecharam abruptamente, ao que ela reagiu apenas cobrindo melhor o rosto. Ao chegar no prédio torto da prisão, deu a volta e visou uma janela alta na parede dos fundos. Escalou com a agilidade felina e se posicionou na janela, bateu a lama dos coturnos e da barra do capuz e saltou pra dentro o mais silenciosamente que pôde. Já sabia do hábito do xerife de dispensar os assistentes no cair da tarde e sentar perto das celas para ler e fumar seu cachimbo, como uma forma de tortura para os presos, seja porque fossem viciados ou não suportassem o cheiro de fumaça.

― Olá xerife Howard! ― ela saudou, se aproximando por trás do homem e o fazendo saltar da cadeira.

― Você é a Capuz Vermelho? Mas o que você... ― o homem berrou exaltado, seu bigodão abafando suas palavras espantadas.

― Estou procurando informações sobre o homem lobo ― a mulher o cortou, com sua voz doce inalterada.

― Informações? Sua cara está na parede da frente, do lado da dele. O que me impede de colocá-la em uma dessas celas?

― Provavelmente o mesmo motivo que o impediu de me buscar no Cavalo Manco, bar onde todos devem saber que eu frequento semanalmente há pelo menos um ano ― quando Capuz falou, o único prisioneiro presente, encolhido num canto e debaixo de um cobertor, soltou uma risada que terminou em uma tosse seca.

― Hum ― o oficial da lei tirou o chapéu e coçou a cabeleira compacta, enquanto levantava o lábio inferior, sem resposta imediata. ― Está bem, me acompanhe. ― Ele saiu pra uma sala ainda menor, onde havia apenas uma mesa de madeira e uma estante com livros dispostos aleatoriamente devido ao excesso de espaço.

Quando Capuz entrou ele fez sinal para ela fechar a porta e mal deu-lhe tempo já começou a falar. ― Escute garota, esse não é um alvo com que você está acostumada a lidar, como você já deve ter visto, a descrição dele é de um homem peludo, como se fosse um lobo. A polícia acredita que as pessoas estão sofrendo de algum tipo de surto e espalhando notícias falsas, devido à brutalidade de alguns assassinatos, ou massacres que vem ocorrendo. O fato é ― ele falou enquanto pegava um mapa da região. ― Esses três condados foram atacados em um intervalo de tempo muito curto, questão de menos de uma semana entre um ataque e outro. Em cada um, cerca de dez pessoas morreram ou desapareceram, deixando marcas de destruição em suas casas e trilhas de sangue enormes. Algumas pessoas afirmam terem se escondido durante os ataques e observado tudo. A descrição que essas pessoas forneceram, em todos esses lugares coincidia, era parecida com o que você viu.

― Quando aconteceu o último ataque? ― Capuz perguntou.

― Há três dias.

A mulher deitou os olhos no mapa, buscando uma conexão. Percebeu então que os três condados circundavam uma densa floresta e do outro lado havia um pequeno aglomerado de quadrados próximo ao mar.

― O que é isso?

― É uma vila de pescadores ― Howard respondeu, estalando o canto da boca.

― Obrigado pela ajuda xerife ― ela agradeceu e saiu pela porta da frente.

― Não por isso ― o homem falou enquanto ela batia a porta.

Capuz saiu da delegacia com as mãos tremendo, a noite caía densa e sem luar, mas ela precisava chegar naquela vila o mais rápido possível, selaria um cavalo e partiria mesmo na escuridão. Precisava impedir mais um massacre. Mas não era esse o objetivo principal, não... precisava matar aquele homem-lobo, precisava fazê-lo pagar. A mulher furiosa cerrou os punhos para não vê-los tremer e correu ao estábulo. 

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