A busca - VII

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Dentro da caverna o teto era mais alto do que o rio, mas a escuridão era total. Anne se perguntou como os soldados estavam se guiando, até uma fonte de luz minúscula surgir lá no fundo. A meio caminho do que eram agora várias tochas espalhadas nas paredes de algo que parecia um salão, a assassina começou a escutar o barulho da luta que já estava acontecendo. Ao emergir, percebeu que já havia 3 soldados caídos. Então seu coração parou por um milésimo de segundo, eram cinco homens-lobo, saltando de um lado pro outro, rugindo e picotando armaduras, fazendo sangue e tripas de soldados jorrarem com suas garras e presas enormes.

O local onde criaturas e humanos se confrontavam lembrava uma sala rústica, com archotes queimando nas paredes de pedra, circundando quadros velhos e tapeçarias, havia tapetes no chão, estantes repletas de tralhas, camas, bancos e algo que lembrava uma mesa de jantar entalhada na pedra. Anne já emergiu à procura do seu alvo, passando o olhar por quatro lobos que lutavam contra doze soldados, uma das criaturas jazia no chão ao lado de três humanos que pereceram com ela. O seu inimigo mortal encontrava-se ao fundo, lutando contra dois homens que pareciam estar em desvantagem. Os olhos da assassina inflamaram ao finalmente encontrarem aquele gigante lupino de pelos negros, sem adornos no corpo, destoando de seus colegas. Um dos soldados vacilou e caiu para trás. O monstro parecia estar esperando por essa abertura, pois voou imediatamente em sua garganta. Anne já estava lá, intercedendo com sua lâmina, atirando o lobo para longe enquanto faíscas voavam sobre sua cabeça.

- Afastem-se! - ordenou. No entanto os soldados não pareciam dispostos a aceitar as ordens de um desconhecido, ainda mais de uma mulher. Porém, bastou que o lobo voltasse e tentasse esmagá-los com suas patas enormes, para que fugissem um para cada lado. Anne, que se esquivou elegantemente com apenas um passo para trás, se preparou para atacar a criatura que tinha as garras presas no chão. Nesse momento percebeu que ela não era tão bestial quanto parecia, ou talvez fosse ainda mais, porque ela tirou um monte de terra do chão junto com a mulher, que tombou de peito e deixou a espada cair.

O pânico tomou conta de seu ser enquanto sua espada se perdia no vazio e o pedaço de terra onde estivera se desintegrava. O lobo abriu a bocarra como se pudesse engoli-la. No entanto a assassina, ágil como uma serpente, se esquivou de suas presas e enfiou o punhal no trapézio esquerdo do bicho, rolando pelo chão para longe da fúria com que agitava seus braços. Quando Anne conseguiu se recompor, a besta já havia removido a lâmina, fazendo o sangue fluir como uma mangueira aberta do seu flanco apunhalado. O homem-lobo arrancou em sua direção numa velocidade estúpida, tendo ela que se jogar para desviar do ataque que destruiu a mobília daquela família bizarra.

- Moça, pega! - um dos soldados que assistia à luta atirou sua espada de volta para ela, que agradeceu, enxugou o suor das mãos para firmá-la melhor, apanhou um minúsculo frasco de uma bolsinha que trazia na cintura e bebeu-o rapidamente. Enquanto o lobo se organizava para outra arrancada, ela se agachava e erguia a espada. O lobo rugiu e avançou novamente, Anne efetuou uma cambalhota cirúrgica, erguendo a espada com as duas mãos no momento em que o lobo passava, arrancando-lhe um pedaço de carne das coxas. O monstro se desequilibrou, estatelando-se contra os soldados, que já foram capazes de empurra-lo na outra direção.

- Pode vir novamente criatura asquerosa! Vou te tirar pedaço por pedaço - Anne ameaçou, erguendo-se tranquilamente. Mas o homem-lobo erguia as patas para cima, como que pedindo misericórdia.

- Matem-no! - um dos soldados esbravejou e o outro ergueu a arma para terminarem o serviço juntos. Mas Anne interveio.

- Não antes que eu faça algumas perguntas.

Como os outros lobos já haviam sido massacrados, cinco soldados, que ainda estavam de pé, se voltaram para a criatura que se humilhava diante deles.

- Ousas proteger essa criatura profana?

- Ouso proteger a informação que ela guarda.

- É uma criatura enviada pelo demônio para macular nossa sagrada terra... - outro soldado protestou.

- Cara cala a boca – Anne pôs fim ao discurso que a enfadava. - Eu tenho apenas duas perguntas para essa coisa. Se alguém tentar se opor antes que eu as faça, vai perder a cabeça. - Ela deu um passo à frente, ao que três dos sete guerreiros responderam com um para trás.

- Senhor, não há mal em deixar que a mulher o faça - um dos soldados que observara Anne lutando contra o lobo recomendou ao homem que falara primeiro, que deveria ser o superior ali.

- Pois bem, seja rápida - o guerreiro com uma heráldica pintada no peitoral da armadura retrucou.

Anne, sem precisar de autorização, já se agachava em frente à criatura. - Então homem-lobo, eu matei um colega seu que disse que eu não sabia de nada. Sobre o que eu não sabia de nada exatamente?

- Por que eu deveria falar algo a você? - dois segundos depois que de dizer isso, o monstro viu um punhal cortar seu peito de baixo para cima.

- Olha, eu acreditava que você poderia dizer por medo de morrer, mas já que não é bem assim, acabo de te injetar um veneno que causa uma dor excruciante em poucos segundos – quando o lobo começou a gritar, Anne fez uma pausa, demonstrando com a mão a dor a que se referia. Alguns soldados viraram o rosto. - Isso é a sensação do seu estômago apodrecendo, tinha esperança de que você ainda tivesse um. Bom, eu posso te livrar dessa dor, mas quero que me diga, o que são vocês?

- Criaturas amaldiçoadas - o monstro uivou. - Éramos humanos como vocês... mas descobrimos algo... que dizem santo... mas é demoníaco... - Ele arfava e tentava falar entre os gritos de dor.

- Isso é ridículo - o líder dos soldados protestou, entretanto silenciou com a mão erguida de Anne.

- Também não aceitamos de início... até nos tornarmos isso... não lembro mais há quanto tempo deixei de ser humano...

- Última pergunta – Anne falou entre os dentes que rangiam. - Por que você matou minha mãe e minha vó?

- Nós não conseguimos comer outra coisa... apenas humanos... faz parte da maldição... idosos eram nosso alvo principal... o desaparecimento deles não chama tanta atenção... você não deveria estar lá... - ele ergueu os olhos para Anne, como que suplicando, e sua cabeça voou com algo se formando, que poderia ser uma lágrima.

Depois de descrever aquele círculo, que fez todos os soldados recuarem, e da cabeça do lobo tombar ao lado de seu corpo, Anne se levantou, embainhou a espada e saiu. - Livrei ele da dor, como prometido. Não precisam mencionar-me em seus livros de história. - Ela informou, se distanciando com os olhos úmidos, ciente de que aquilo estava longe de terminar e de que deveria pedir perdão às suas irmãs. 

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