A busca - VI

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Foram dias de felicidade inocente e simples os que Anne passou sendo cuidada por Jack, mas depois de encontrar a casta, ou da casta encontrá-la, ela conheceu mais sofrimento. Logo ela soube da morte de Jack e sem ter para onde ir continuou abrigada por aquela sociedade secreta, embora acreditasse que fossem todas loucas. Suas suspeitas foram confirmadas quando ela percebeu que os projetos delas se assemelhavam mais a uma revolução e não lhe permitiam continuar sua busca. Quando Anne anunciou sua saída, a Sociedade das Bruxas, como elas se intitulavam, não aceitou muito bem. Afirmando que Anne poderia entregar os segredos da ordem nas mãos dos seus inimigos, fosse propositalmente ou não, elas tentaram matá-la.

Mesmo sendo uma das membras mais fortes da ordem, Anne acabou muito machucada durante sua fuga. Foi quando Jhonny a encontrou e a escondeu em sua casa, ignorando o risco por que passava. Ele usou os unguentos e misturas de ervas que ela trouxera consigo e ajudou-a a se recuperar. Desde então Anne desenvolvera um carinho óbvio pelo barbeiro. Ao abandonar sua casa, ignorando os pedidos dele para que ela ficasse, ela decidiu abandonar seu nome e usar uma capa vermelha sempre, para se esconder da ordem que provavelmente acreditava que ela estava morta e também para atrair aquela criatura maligna que já lhe escapava há tantos anos.

Com essas lembranças aquecendo seu coração e sentindo que de alguma forma dessa vez encontraria seu alvo, ela acariciou os cabelos do seu amante e saiu para o sol nascendo pela mesma janela que entrara.

Antes de sair de Padechute, Anne buscou mais informações sobre a criatura lupina e a que passo andava sua busca. Ela conhecia a fama do rei Philippe, ele não renunciava à guerra contra os países do sul que já durava décadas, certamente não deixaria impune uma criatura que mata seus cidadãos. A assassina logo descobriu que estava certa. Um comerciante de verduras a informou sobre um destacamento que passara por ali há cinco dias, em direção ao noroeste. Anne xingou o destino pelo azar de não ter cruzado com eles, pagou o homem com algumas moedas, montou no cavalo e saiu a galope.

Na estrada Anne começou a pensar na possibilidade de ter visto aquela pequena tropa. Se os tivesse seguido na hora em que passaram, já teria encontrado seu inimigo mortal e ela se vingaria antes de partir para Pasdechute. Então quando encontrasse o Jhonny, teria dito que ia ficar.

― Foco Anne! Você está bem perto do seu objetivo, não estrague tudo ― ela murmurou sozinha sob o sol da tarde.

Depois de parar em alguns vilarejos para pedir informações mais apuradas aos camponeses, ela conseguiu descobrir que os soldados seguiram um rastro dos lobos que levava às montanhas, então partiu para lá de imediato. A meio caminho das montanhas e já anoitecendo ela percebeu uma movimentação. Eram os soldados, parecia que tinham encontrado uma caverna com a nascente de um rio que desembocava no mar e concluíram que ali era o antro dos monstros. Como a floresta era densa e eles estavam a pé, guiando seus cavalos pelas rédeas, Anne decidiu fazer o mesmo. Mesmo de longe ela podia sentir o abatimento dos soldados. Talvez estivessem agradecendo a deus por terem sido dispensados da guerra, ainda que tendo de cavalgar milhares de quilômetros e provavelmente enfrentar criaturas místicas que no ponto de vista deles provavelmente nem existiam.

Enquanto os seguia, Anne imaginava qual seria a reação deles quando encontrassem uma criatura que a maioria das pessoas, que não haviam sido vítimas dela, julgavam não existir ou se tratar de alguma história exagerada pelo estado emocional das testemunhas. Ela refletia também se aqueles homens exaustos com armaduras e armas pesadas, ostentando heráldicas em bandeiras e escudos, seriam capazes de enfrentar tal ou tais criaturas. Ela desejava muito que eles fossem úteis, afinal algo em seu interior gritava que ainda havia mais de um inimigo. O grupo circundou a montanha e saiu para uma área aberta, descendo um barranco estava a caverna, dela saía um rio com um manancial maior do que Anne esperava. Na sua visão era um pequeno riacho, mas na realidade era um rio que submergia tranquilamente qualquer daqueles soldados e largo o suficiente para uma pequena embarcação.

Agora o grupo era claramente visível. Eram dezesseis soldados, quinze com armadura de placa de aço e um porta estandarte com cota de malha, que resolveu fincar a bandeira do império às margens do rio. Cinco soldados traziam alabardas, que também foram deixadas ali. Alguns começaram a tirar as pesadas armaduras, dois acenderam uma fogueira e um deles, apenas de calça, pulou no rio e nadou em direção à caverna.

Esse cara não vai voltar. Anne pensou morbidamente, enquanto comia as frutas que havia trazido. De fato, a lua estava alta no céu quando eles começaram a discutir se o companheiro deles havia morrido. Depois de chegar a um consenso eles entraram na água, intercalando-se entre os que estavam de peito nu e os que conservaram a armadura. Depois que o último dos soldados sumiu dentro da caverna ela saiu dentre as árvores e mergulhou atrás. 

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