Parte 6: Raul - Capítulo 27

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  Crônicas do Bosque Congelado


Já está mais que óbvio dizer que, quando comecei o trabalho, o assunto que girava na minha cabeça foi logo esquecido. Foi tão esquecido que acabei antecipando algumas tarefas da empresa que poderiam esperar até o final da semana.

Estava tão focado no que fazia que, quando bateram na porta, havia me assustado. Ao abrí-la, foi uma bela surpresa receber a visita do Oliver.

— Espero que não esteja te incomodando.

— Bom, a pousada é sua, então é desnecessário dizer que é bem-vindo a qualquer hora.

— Espero de verdade que esteja muito bem atendido.

— Se espera elogios, terá que aguardar até o final da minha estadia. Mas, já que resolveu dar passada por aqui, que tal entrar? Afinal tudo aqui é seu.

— Meu não. Tudo aqui é da família Dickens. Sou apenas um dos meros herdeiros, com o dever de cuidar do esplendor da família até que o coitado da próxima geração assuma esse dever. — disse o Oliver passando pela porta. Não pude deixar de sorrir. Ele sempre levou a herança familiar com dramatismo.

Oliver se senta no sofá da pequena sala e eu faço o mesmo. Porém, em um breve instante, o nervosismo passa pelo seu olhar, como uma rápida neblina de verão. É bem imperceptível, mas, por conhecer o Oliver como a palma da minha mão, não é quase impossível de detectar. E é só por essa questão que me fez questionar, na minha cabeça, o real motivo da sua visita. Oliver nunca foi conhecido pelo nervosismo, timidez e discrição. Não entendo o porquê disso agora. Só pode ser algo bem sério.

— Vim aqui mais para te ver. Sempre conversamos por telefone ou por mensagem. Faz muito tempo que não nos falamos cara a cara. Senti sua falta, cara.

— Já começou com rodeios. Mas sei do que está falando, conversar pelo telefone nunca é a mesma coisa que cara a cara. Agora, se tem algo a dizer, diga.

— Um dos motivos que me trouxe aqui, eu já disse. Mas há outro que direi agora. Quando perguntei sobre o atendimento, não foi para receber feedback. Foi para saber se algum funcionário passou aqui para perguntar se está tudo no seu agrado ou se precisa de algo.

— Por acaso sou um dos seus clientes Vips?

— Mas que pergunta, Raul. É claro que sim.

— E quem seria esse funcionário?

— Que horas são?

— 17:20, mas não troca de assunto. Você ainda não respondeu minha pergunta.

Foi então que uma batida soou na porta e uma voz soou atrás dela com dizeres: Serviço de Quarto.

Não. Oliver não fez isso. Ou fez?

Como suspeitava, a pessoa do outro lado da porta com o uniforme impecavelmente posta e com o carrinho de serviço de quarto ao lado, se trata, nada mais e nada menos, que a Daisy Austen.

Oliver fez isso, sim. Ele com certeza está fora do seu juízo.

Se eu estava surpreso, ela estava impactada. Quando eu abri a porta e ela me viu parado a sua frente, as palavras que sairiam da sua boca congelaram no meio do caminho.

Então, como fumaça, Oliver apareceu do nada ao meu lado.

— As horas realmente passam rápido. Teremos de combinar um horário para podermos terminar de colocar a conversa em dia. Que dia vai à minha casa?

— Sinceramente, a minha prioridade é a Christine. Mas, quem sabe sobra um tempinho e passo por lá?

— Então me avise quando resolver aparecer por lá. Já vou indo. Raul, se caso der, nos vemos depois. Daisy Austen, conto com você para recebê-lo em nome da pousada. — e assim, ele se foi, deixando-me sozinho para lidar com aquele conflito bem diante de mim. Daisy Austen.

Ela acompanhava com olhar o Oliver se afastar até virar o corredor. Depois retornou sua atenção a mim, sem dizer uma palavra alguma. Mas seus olhos diziam tudo. Assombro, incredulidade, incompreensão. Bem diferente daquele olhar da última vez que nos encontramos, aquele olhar frio e furioso. É surpreendente a cada vez que a vejo e descubro algo novo dela, mas percebo que há muito a descobrir sobre ela.

— Então seu nome é Daisy Austen. — soltei sem mais, cruzando os braços e encostando na porta.

— Boa tarde, sou Daisy Austen, a funcionária responsável para atender os clientes Vips e o senhor é um entre eles. Então peço, por gentileza, que me diga o que posso fazer para o senhor, para poder fazer o meu trabalho, a qual fui contratada para fazer. E que fique bem claro, senhor, levo muito a sério o meu trabalho, e não tolero nenhum tipo, do que as pessoas com má intenção chamam, de brincadeira.

"Ela pode ser uma pessoa com relação pessoal mais deprimente e decadente nessa cidade, mas é uma ótima funcionária."

"Daisy Austen, conto com você para recebê-lo em nome da pousada."

Claro, entendo. O trabalho é o ponto fraco dela. Então vamos jogar.

— Claro. Que seja! Mas, se realmente quer pontos com seu chefe, terá que se esforçar mais. Respondendo sua pergunta, até o momento, não estou precisando de nada. E, quase me esqueci, se quiser, pode me chamar de estúpido arrogante, não me importo nem um pouco com isso. — e sem mais que dizer, entrei e fechei a porta na frente dela.

Um sorriso estúpido apareceu no meu rosto quando a ouvir rugir do outro lado da porta. Sei que parece criancice da minha parte, mas não pude evitar dar o troco.

Assim que escutei passos se afastando juntamente com o barulho de rodinhas no chão, afastei da porta.

Sem mais poder contar com a inspiração para o trabalho, resolvi fazer outras coisas para distrair. Navegar pela internet e procurar um programa útil na televisão, por exemplo. Mas o rosto da Daisy Austen sempre vinha, a cada quinze segundos, visitar na minha cabeça. Foi então que me lembrei da agendinha.

A missão que havia planejado não mais podia ser deixada de lado. Tenho que saber quem é de fato Daisy Austen.

Vou até a minha maleta, onde guardo os meus pertences de trabalho, e pesco a agendinha de capa azul. Sento no sofá disposta na pequena sala de estar e a abro. A primeira página é a da contracapa, com o nome dela em uma caligrafia delicada e floreada.

Vi em outro lugar essa mesma caligrafia. Sim, claro, na parede da garagem que a banda da Christine ensaia. A frase de não deixar a vida ser um clichê.

Então viro a página. Encontrei um papel bastante amarelado com tinta desgastada colado na terceira página. A folha está datada no ano de 1925. Parece que escrever poemas é coisa de família. Esta folha deve ter passado de geração a geração.

O que se encontra, escrito no papel, é um poema intitulado: Crônicas do Bosque Congelado.

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Crônicas do Bosque CongeladoOnde histórias criam vida. Descubra agora